segunda-feira, 12 de novembro de 2012

LEVEZA DO SONETO – Coroa de sonetos em louvor ao Soneto

                                                         João Justiniano da Fonseca*

1 – O despertar da Vida                             
                         Era o tempo em que eu vinha pelos prados,
                         na vida do sertão, simples e amena,
                         longe de imaginar trabalho e pena,
                        encontros, desencontros torturados...
                              
Não começara o sonho e mal a antena,
                        captava o albor do sol nos descampados...
                        Pureza adolescente, olhos voltados
                        para as macias asas da falena...

                         Não procurava brilhos, entendia
                         que era um tempo noite e o outro o dia,
                         o mundo por si só acomodava.

                          Vem a escola e com ela, em seu reflexo,
                          vida se abre ao mundo e, num amplexo,
                          cuido o soneto, como a rosa e a amada...

                                                    II – CUIDADOS

                        Cuido o soneto, como a rosa e a amada,
                         Para que seja manso igual à fonte,
                        Que nasce gota a gota e vem do monte
                         Num murmúrio cantante de balada...

                          Trabalho-o sem ter pressa e hora marcada
                          Para que atinja a perfeição e aponte
                         As luzes descendentes do horizonte,
                         Quando sopram os deuses, a alvorada...

                        Cantando como os pássaros à aurora,
                        Tiro o soneto à mente, onde ele mora,
                        Marcado de ilusões em pergaminho.

A leveza do sonho, tenho em mente,
                       E o trabalho do artista paciente,
                       Leve, suave, com o maior carinho!...

III – A MÃO DA ETERNIDADE

                        Leve, suave, com o maior carinho,
                        A mão da eternidade me compassa
                        em tudo quanto pense, e sinta e faça,
                        impondo-me a pureza e o alvor do linho.

                        Parece-me que Deus, sem burburinho,
                        sem excessos ou faltas, pela graça
que não mereço tanta, cuida, traça
meus caminhos de luz, faz-me adivinho...

Eu vejo o mundo e o tempo, olho o universo,
reproduzo-os somados no meu verso,
extrato-os no soneto de mansinho.

O azul do céu é meu, aí me equilibro
e como um ser divino canto e vibro
a vírgula, a palavra – e o som vizinho.

                               IV – A ALMA DO POETA

A vírgula, a palavra e o som, vizinho
ao lado, à frente, atrás – olho, perscruto,
para captá-los – num esforço bruto,
amoldo-os, amalgamo, corto, avinho...

Ao final do trabalho a que me alinho,
sinto-me pagão do suor, se escuto
o soneto o soneto de amor feito em conduto
para a mulher e a rosa do caminho...

A alma do poeta à mostra e oculta,
fervilha, esconde-se, incrimina e indulta,
posta entre o bem e o mal, desencontrada...

É o canto fatigado e não concorde,
de quem insone vela a ouvir o acorde
da voz das musas à hora da alvorada.

                               V – O TORMENTO DO SÓ

Da voz das musas à hora da alvorada
e no correr do dia ou a noite inteira,
ouço o compasso ao longo da jornada,
qual se ouvisse cantar a feiticeira...

É uma canção de amor, uma balada
simples, dolente terna, alvissareira,
que me consola a solidão passada
no tormento do só, sono e olheira...

Ou é, quem sabe, a evocação remota
de vultos do passado, a galeota
que andou os mares a partir do Minho...

A essa voz, que me inspira na conduta,
E no manso soneto canta e exulta,
Dou-lhe, do amor, a tepidez do ninho...

                               VI – QUANDO EU DORMIR

Dou-lhe, do amor a tepidez do ninho,
a fúlgida esperança, ar e calor,
todo brilho dos astros, o fulgor
da inteligência lúcida, sozinho!

Não me arreceia o insulto. Se no ardor
da luta me arremessam ao cadinho,
sairá purificado em pergaminho
o soneto que escrevo com amor.

Feito compensação do meu esforço,
subirá às estrelas como em corso,
que se alinha ao destino na escalada.

Quando eu dormir, ao cabo da missão,
ao meu soneto os deuses marcarão
luzes do amanhecer, força de espada.

                               VII – LEGADO

Luzes do amanhecer, força de espada,
o barro do princípio e o fim do porto
marcarão o compasso para o Horto,
ditarão o caminho na escalada.

Ao fim do curso, ao se fechar a estrada
resta o nome legado, por conforto,
aos que ficarem, a saber que morto,
eu deixo no soneto a alma aureolada...
E estes, de certo, seguirão o exemplo
do que viveu tão só, como num templo
de mansa adoração divinizada...

Ao final do meu tempo, eu, sonetista,
entro no espaço etéreo à hora prevista,
sol de esperança e augúrio – o tudo e o nada...

                               VIII – A FANTASIA

Sol de esperança e augúrio, o tudo e o nada
que se completam dando vida ao sonho,
quando escrevo me vêm de Deus, suponho,
na fantasia em chamas abrasada...

Corusca a fantasia, eu a disponho
como desejo e entendo trabalhada...
À garupa dos deuses vem montada,
desce da Estrela D’Alva, luz e hormônio...

No cume do Himalaia, novo Atlas,
sustento no ombro os céus, cantos e oblatas,
à Eternidade e às Musas, de mansinho...

Humanizado, estiro-me na areia,
e um soneto de amor canto à Sereia
que vem na morna embriaguez do vinho.

                               IX – D. QUIXOTE

Que vem na morna embriaguez do vinho,
na fria involução de antigas eras,
eu sei que vem – retorna das morenas
meu pobre Sancho Pança do moinho...

Sou o D. Quixote, esgrimo a espada e alinho
a tempestade e os ventos, mato as feras,
corto a cabeça tríplice às Quimeras,
Belloferonte – o mar em torvelinho...

O sonho tudo pode, e agora mesmo
ando no espaço caminhando a esmo,
ou navego a loucura que me assume...

Remarco a fantasia e armo a cilada
para o soneto... A mente conturbada,
Ponho-lhe o alvor do lírio e o seu perfume...

                               X – A ILUSÃO

Ponho-lhe o alvor do lírio e o seu perfume,
minha ilusão fantástica e tão grande...
A vontade que pode e a si se expande
mantenha viva a chama e aceso o lume...

Que o meu soneto voe e ascenda ao cume
da embriaguez astral, daí comande
a verdade do sonho para o estande
que o multiplique em ponta, dorso e gume...

Propague-se, estilhace a claridade,
e eu me faça de leve à eternidade,
força de Serafim, poder de Nume...

Petrifique-se a mente e viva eterno
na lucidez dos deuses, manso e terno,
meu simples faiscar de vaga-lume.

                               XI – O VAGA-LUME

Meu simples faiscar de vaga-lume,
tome o calor dos astros, força e brilho,
a luz da via-láctea no rastilho
das estrelas perdidas em cardume...

Pelos rumos do além, seguindo o trilho,
o incógnito percorra, em si se aprume
o pequenino e simples vaga-lume,
e não pare jamais ao empecilho.

Não lhe incomode o tempo, ignore-o e siga
compassando o soneto à moda antiga,
que todo mundo ouça os seus cânteres...

E sempre avante, não recuse ou negue
a origem simples, a si mesmo agregue
à volúpia dos deuses estelares...

                               XII – O TRIBUTO

À volúpia dos deuses estelares,
pago o tributo da grandeza augusta.
Não me custa querer, nada me custa,
no perpassar dos tempos pendulares.

Trabalho sem descanso, sem vagares,
ao ideal irei se não me assusta
a pressão infernal, suja, procusta,
e se ilumina a fé os meus altares.

Estudo e escrevo; em mim, nada se muda,
idealizo o soneto como o Buda
tem o Nirvana em si e a si prescrito.

Daí, a perfeição, seguramente,
porque o futuro é meu, vivo e presente,
levo-o, agora, ao barco do infinito.

                               XIII – A MAGIA DOS BRUXOS

Levo-o, agora, ao barco do infinito,
todo luz, todo fantasia.
Seguirá seu destino de harmonia,
E seu compasso musical, seu rito...

A magia dos bruxos, foi predito
dar-lhe-á o todo por espaço e via.
Só a mente universal comportaria,
seu ritmo quente, mágico, esquisito...

Posto o futuro em face do presente,
aí vem marcada indefinidamente
a luz da eternidade feita em mito...

O soneto é o segredo sacrossanto
de quem entende os deuses... Seu encanto,
deixo que vá por si, como o aerólito.

XIV – O PENSAMENTO
                         
                               Deixo que vá por si, como o aerólito,
o pensamento, o voo imaginário!
Que siga feito em gênio, no estuário
dos bilhões de asteróides de granito...

Vá mais e vá mais longe, o meu delito
Há de mostrar-se como algum corsário
das estrelas, dos astros, perdulário
da fantasia astral, sonho bonito...

Não pare nunca, deixe ir-se, a morte
um dia descerá, por ser mais forte,
feita em poder de deuses tutelares...

Então, há de restar ter desfeito,
Sobrevoando o tempo o meu soneto,
cavalo eterno sobre a terra e os mares.
* A atual geração e muitos agregados às gerações passadas jamais ouviram dizer ou falar acerca de Coroa de Sonetos também conhecida como Coroa de Sonetilhos. Até, dizemos com desprazer, que muitos poetas atuais jamais se deram conta dessa forma poética. Os mais antigos com ela conviveram sim, e muito, mas foram pouco ousados ou corajosos para tentarem produzi-las, dada a dificuldade em fazê-las. Elas eram comuns nos séculos XVIII e XIX. Nos subsequentes, quase desapareceram.
Salvo exceções, os professores de Literatura também sobre ela silenciavam em salas de aulas, e, quando se dispunham fazê-lo, era “en passant” ou muito despretenciosamente. Daí a ignorância presente sobre uma das mais belas expressões artísticas do mundo literário.
Mas o que vem a ser Coroa de Sonetos? Para melhor entendimento de todos, aqui reproduzimos a definição dada pela Wikipédia:
   “Coroa de sonetos
é uma forma poética composta por 14 sonetos, que têm ligação entre si, cujos primeiros e últimos versos são versos de um outro (décimo quinto) soneto, denominado soneto-base, ou soneto-síntese.
Origem
O soneto é a forma mais bela de poema. Sua forma fixa, em 14 versos, com métrica e ritmo, ultrapassou os séculos e hoje, apesar e mesmo contra alguns adversários que não lhe dão o valor por não terem o conhecimento necessário, continua sendo o poema-maior.
Seus 14 versos compõem um poema estanque, e dizem tudo que se propõem dizer, na poesia, na forma, no conteúdo.
Ultrapassar esta forma foi o desafio de vários poetas, sem que com isso fossem de encontro a seus princípios. Assim nasceu a coroa de sonetos.
Por não ter como ultrapassar sua forma, foram utilizados seus versos para que se criassem novos sonetos, com forma, conteúdo, tema ligados ao soneto de que foram originados.
Estrutura
A Coroa de sonetos foi inicialmente composta com apenas 7 sonetos, feita por Afonso Felix de Sousa, em tradução de soneto de John Donne, utilizados como prólogo aos "Holly Sonnets". E foi assim que foi colocado o verbete na "Encyclopedia of Poetry and Poetics": um conjunto de sete sonetos, apenas, entrelaçados, onde o último verso de um soneto é o primeiro do soneto seguinte, sendo o último verso do sétimo o primeiro verso do primeiro soneto.
Geir Campos, em sua Coroa de sonetos, utilizou-se de 14 sonetos, a partir dos versos de um outro soneto. Sua coroa de sonetos, assim denominada, não fechou-se, ou seja, o último verso do último soneto não era o primeiro verso do primeiro soneto. (Alguns sonetistas ainda hoje utilizam esta forma.)
Edmir Domingues, a respeito, disse:
"Na verdadeira coroa de sonetos há catorze sonetos interligados, onde o verso que fecha o primeiro começa o segundo, o que fecha o segundo começa o terceiro, e assim por diante, sendo o último verso do décimo quarto soneto o primeiro verso do primeiro soneto. E o décimo quinto soneto é a coroa, a coroa verdadeira, porque é composta dos catorze versos que começaram e terminaram os outros, sendo o primeiro verso da coroa o que terminou o primeiro soneto da série e o fecho o verso que a começou."
A definição de Edmir Domingues é perfeita, podendo dela ser mudada apenas a posição dos versos utilizados na coroa. Enquanto ele preconiza que o último verso do soneto-base (ou coroa, como ele o denominou) seja o primeiro verso do primeiro soneto, há coroas de sonetos que iniciam com o primeiro verso do soneto-base e terminam com o mesmo verso, compondo o último verso do décimo quarto soneto, assim fechando a coroa (que também se fecha como preconizou Edmir Domingues, não ficando aberta como na coroa de Geir Campos e de outros seguidores).
Por ser de difícil confecção, poucos poetas (sonetistas) se aventuraram nesse desafio.
Embora a coroa de sonetos gire em torno de um único tema, cada soneto (estanque, como deve ser um legítimo soneto), não se distanciando do tema, tem o seu próprio subtema.”
A Bahia foi prodiga em sonetistas. Mas só uns poucos se dedicaram em produzi-las, as tais Coroas de Sonetos. Dentre esses, destacamos os mais recentes: Mário Cabral, de origem sergipana e João Justiniano da Fonseca, autor da Coroa de Soneto que ilustra esta matéria,  cujo resumo da sua biografia registramos a seguir:
É poeta e ficcionista, com incursões na historiografia e na biografia. Nasceu em Rodelas, Estado da Bahia, a 30 de junho de 1920, filho de Manoel Justiniano da Fonseca e Eufrosina Maria de Almeida.

 Servidor Público, João Justiniano da Fonseca tem um longo percurso de trabalho. Serviu ao Exército Nacional, entre 1940 e 1944, tendo aí realizado o curso de formação de graduados - sargento. Preparou-se para a vida por via de cursos intensivos, para realizar concursos públicos. Nesses cursos estudou, além das matérias de conhecimentos gerais, matemática, contabilidade geral e pública, geografia, voltada especialmente para informações sobre portos marítimos e fluviais, direito tributário, direito administrativo, direito comercial, direito civil e direito penal na área de crimes contra a administração pública. Teve aprovação nos concursos públicos então realizados pelos extintos - Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) e Departamento Estadual de Serviço Público (DSP\BA), para Escrivão de Coletoria Estadual (Bahia) Fiscal de Rendas do Estado (Bahia), Escrivão de Coletoria Federal e Agente Fiscal do Imposto de Consumo, cargos reestruturados com denominação outra. Exerceu, por concurso público, os cargos de Auxiliar de Coletoria Federal, Escrivão de Coletoria Federal e Agente Fiscal do Imposto de Consumo, correspondente, na atual nomenclatura, a Auditor Fiscal da Receita Federal. Em comissão, passou pelos cargos de Inspetor de Coletorias Federais, Fiscal do Selo nas Operações Bancárias, Inspetor Fiscal do Imposto de Consumo e Inspetor Fiscal de Rendas Internas na área federal; Assessor Técnico de Planejamento na área estadual (Bahia) e Diretor Administrativo Financeiro da extinta COHAB/SALVADOR, na área municipal. Aposentou-se como Auditor Fiscal da Receita Federal com redução de tempo de serviço, como participante de operações bélicas. Nomeado posteriormente para o cargo vitalício de Conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, renunciou a aposentadoria federal para exercer o novo cargo, no qual veio a aposentar-se em 1990, encerrando, então, sua carreira no serviço público. Exerceu, ainda, o mandato eletivo de Prefeito de sua terra natal no período 1967/1971 e posteriormente o mandato de vereador.
  
Obra Literária: Safiras e Outros Poemas (poesia lírica), Sonhos de João (poesia lírica), Brados do Sertão (poesia épico-social), Sonetos de Amor e Passatempo, Rio Grande do Sul (poesia vária). Luiz Rogério de Sousa - Educador Emérito (resumo biográfico e coroa de sonetilhos), Cacimba Seca (romance), Terra Inundada (romance), Grilagem (romance), Aquele Homem (romance), Rodelas - Curraleiros, Índios e Missionários (história da colonização na região das corredeiras do Rio São Francisco), Sertão, Luz e Luzerna (contos), Cantigas de Fuga ao Tédio (poesia lírica), Memórias de Pedro Malaca (romance). É editor da Revista da POEBRAS SALVADOR, no 4o número em 2002.

 Instituições Culturais: Pertence ao Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, a União Brasileira de Trovadores (UBT) - Salvador, a Casa do Poeta Brasileiro em Salvador e, como correspondente, a Academia Rio-grandense de Letras, a Academia Petropolitana de Letras, a Academia Petropolitana de Poesia Raul de Leoni e Casa do Poeta Rio-grandense. É verbete na Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho, 1990 e 2001, verbete no Dicionário de Poetas Contemporâneos, de Francisco Igreja, 2a edição, 1991.
                      
                 
  

2 comentários:

  1. Belíssima a sua Coroa de Sonetos!

    Ainda viva neste ano de (des)graça de 2022, produzi já, conjuntamente com outros companheiros sonetistas, largas dezenas de Coroas em decassílabo (heróico, na sua maioria), em verso hendecassílabo e até duas ou três em verso alexandrino.

    O soneto, longe de estar morto, refloresceu no início do séc. XXI.

    Saúde e bom trabalho!

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  2. Reparei que não "fechou" a sua coroa usando o primeiro verso do primeiro soneto. Fá-lo por sistema, ou este foi um caso pontual?

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