sábado, 1 de dezembro de 2012

José de Alencar e Machado de Assis: Dois gênios

                                                                     Luiz Carlos Facó*






Muito se tem dito, neste ano de 2008 em que se exalta sua figura, ter sido Machado de Assis o maior escritor brasileiro. Uma verdade irretorquível embora, muitas vezes, amantes de Euclides da Cunha tentem, sorrateiramente, desmerecer-lhe o mérito, e, varando os caminhos conspurcados da literatura, ajam no sentido de apagar a grandiosidade de José de Alencar.
O Brasil foi descoberto no período renascentista. Conclusão: não teve idade antiga ou média, pois só foi capitulado pelas demais nações a partir dos tempos modernos.


No reinado de Manoel I, período em que Portugal vivia desigualdades tremendas e irreconciliáveis, riqueza e pobreza absolutas (como o Brasil, nos dias atuais – quiçá, uma das maiores do mundo) numa época em que a moeda portuguesa – cruzado – tinha circulação universal (tal qual o dólar dos nossos dias), pois “nem mesmo o rei nem a sua corte, fútil e incapaz, se apercebiam da importância do Brasil” – (João Ribeiro, História do Brasil), coube a seu filho e sucessor, João III - monarca com mínimas qualificações, pretensioso, burocrata por excelência, preguiçoso e indisposto em propor medidas eficazes, propenso em adiá-las indefinidamente, mesmo quando aconselhadas ou apontadas por seus conselheiros, pelo menos uma vez – alcançar a importância do Brasil, empreendendo, em 1549, a fundação da Cidade do Salvador, objetivando-a torná-la a Capital do Atlântico Sul.
À renascença portuguesa, propiciadora do aparecimento de nomes que vieram adornar a literatura universal, como Camões e Gil Vicente, dentre outros luminares, seguiu-se o classicismo que, muito distante do francês, deu margem a uma íntima colaboração entre a Metrópole e Colônia. Louve-se o desprendimento da Universidade de Coimbra nesse trabalho, permitindo a brasileiros que ali recebessem, em confraternização com seus irmãos portugueses, luz e saber antes que as revoluções francesa e americana atritassem uns contra os outros. 
O romantismo, quando chegou entre nós sepultando o classicismo, cortou o cordão umbilical que nos unia literariamente a Portugal. Esse distanciamento se evidencia, à perfeição, com a obra de José de Alencar, cujo indianismo foi para a língua que por aqui falávamos tão marcante, tão absoluta, quanto o aparecimento de Os Lusíadas, poema de Luís de Camões, autor de mais de quinhentos sonetos de amor, para a língua da renascença de Portugal.
Cognominar José de Alencar como Primaz das Letras Brasileiras, ninguém discute. Ou ousará contestar. Muito menos a sua genialidade e o seu acendrado espírito nacionalista, que se fez presente em toda a sua bibliografia.
Com a sucessão do romantismo, dando vez ao parnasianismo ou a prosa naturalista, obras como O Guarani e Iracema ficaram em estado de hibernação, ou melhor, enterradas na cova rasa do esquecimento, dando lugar que as atenções se voltassem para títulos como D. Casmurro e Quincas Borba, obras invejáveis da ourivesaria literária brasileira.
Tais preferências ou tendências são reveladoras de modismos. Não que os livros de Machado pudessem ofuscar os de Alencar. Escritores que não admitem comparações, pois diferentes nos “princípios métodos e fins...” Alencar é natureza exuberante, é caminho encoberto por matagal enramado, emaranhado, inóspito. Machado é um estudioso da alma humana, suas contradições, suas dissimulações, seus segredos. Nada esconde. Acolhe a humildade e o blasonar. Incita a desconfiança e a curiosidade. É essencialmente urbano.
Alencar doutro turno capricha nas cenas grandiloquentes. Quem não retém na memória a cena em que ele descreve o encontro entre Martim e Iracema, uma metáfora que diz do enlaçamento de duas raças; ou a arrancada da palmeira, em torno da qual se abraçam Ceci e Peri que partem, nesse contato físico, mágico e fantástico, rumo às estrelas, aos confins do universo, jamais concebidos? Machado, elegante, reservado, deita-se no âmago das pessoas. Investiga o interior delas. Percorre, como mexeriqueiro, suas alcovas. Relata adultérios. Revela segredos.
Acaso me perguntassem qual dos dois foi o melhor, numa resposta seca, diria: ambos foram gênios.  Contudo, como sou romântico, lírico, com uma imaginação que acredita, ao olhar o céu, ver nele inseridas pautas musicais, abóboda alucinante que se abstrai da imaginação humana, fico de braço dado com Alencar, sem dispensar o outro braço para aconchegar Machado, que nos invade e sugere a nossas mentes as sementes da dúvida, o sentimento da incerteza.
Um é natureza, o outro, psicologia. Mas, ambos falam brasileiro! Idioma herdado de Portugal, mas adaptado à irreverência do nosso povo.

NR/ *Texto extraído do livro Memória a Conta-Gotas.
 


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