sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O PONTO

                Mário Cabral

O doutor Augusto Savastano era Diretor do Departamento de Pessoal da Prefeitura de Aracaju, creio que no ano de 1952. Homem correto, honesto, trabalhador, mas dominado por uma veia de humos e de gozação. Gostava de ver o lado cômico da vida humana. Um certo dia, seriam quase doze horas, chegou ao seu gabinete D. Tereza Justa da Cunha, que, na repartição era a pessoa encarregada de fazer café pra o primeiro escalão: prefeito, secretários. Médicos, advogados e engenheiros. E ela o fazia, quente e gostoso, pela manhã e pela tarde. Quando ela faltava logo se sabia:
- Esse café não é o de Tereza.
Uma sergipana alta, morena, de olhos de gata angorá, nascida na Vila do Doido, um lugarejo perdido na turbulenta confluência do Rio Sal com o Rio Sergipe. Vivia em companhia de Minervino, pescador de tarrafa. Ficou grávida e teve uma robusta criança. O parto foi difícil e ela precisou tomar três pontos. Moravam na Palestina, conjunto de casas populares do município.  O doutor Augusto Savastano teve ciência do ocorrido e quando Tereza voltou para o seu trabalho de fazer café, foi advertida:
- A senhora faltou cinco dias ao trabalho...
- Foram os pontos, doutor. Três...
Duas semanas rolaram na rotina do serviço público. Café às dez. Café às 15 horas, o bom aroma incendiando toda a Prefeitura de Aracaju. Eis senão quando Tereza Justa da Cunha, foi, novamente, à sala do Diretor de Pessoal!
- Dr. Savastano eu desejava uma licença de dois dias. Pode acreditar. Eu preciso...
- Para que, Dona Tereza?
- Preciso tomar um ponto...
- Outro ponto?
- É. O médico disse que é necessário...
E lá foi Tereza tomar outro ponto. Quando retornou, retornou, também, o bom café, o intervalo tão almejado pelos que nada faziam. Depois, mais uma vez, Tereza compareceu à presença do dr. Savastano. Este ergueu os olhos e perguntou:
- Que é agora, Dona Tereza? Outro ponto?
E ela, envergonhada, teve que admitir:
- É doutor. Outro ponto...
O dr. Augusto Savastano conteve um sorriso convulsivo. E falou como de pai para filha:
- Sente-se Dona Tereza, sente-se. Não entendo. A senhora tomou três pontos, quando do parto. Depois um. Depois mais um. E o Minervino? Como é que fica o Minervino? Agora mais um ponto? Não tem medo de fechar tudo? Se a senhora quer a licença, terá a licença. Falei o que não devia. Desculpe-me...
E Tereza tomou seu último ponto. Mas o café nunca mais foi o mesmo. Agora era frio, agudo, sem gosto.
Nunca estava no ponto...
Pergunta socrática:: quem era o assistente de Dona Tereza Justa da Cunha – um médico ou um costureiro?

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