(Quem não é da Bahia pode sentir alguma dificuldade
pra entender este quase dialeto...)
Certa feita, saí cedinho de casa pra um falapau* na casa de meu primo carnal, na Muriçoca, lá no fim de linha do Pau Miúdo.
Certa feita, saí cedinho de casa pra um falapau* na casa de meu primo carnal, na Muriçoca, lá no fim de linha do Pau Miúdo.
Tava o maior auê* no ponto de ônibus. Gente como a
porra, uma renca* de menino oferecendo geladinho, um esmolé*, cheio do pau,
abusando todo mundo, vendedor de rolete gritando feito a porra e os garotos
vendendo menorzinho* no quente-frio colorido.
Junto de mim, um cabo verde todo infatiotado*
passava a patapata* na cabeça, enquanto defronte a filha da baiana do acarajé,
uma menina cheia de pano branco, mastigava um cacetinho*.
Eu já tava ficando retado*, porque já fazia uma
hora de relógio que a zorra do buzu* não passava. Aí a arabaca* chegou, cheia
como quê.
Tive que entrar a pulso, mas pra tomar uma, eu faço
qualquer coisa, e na paleta é que eu não ia. Apurrinhado* fui me espremendo lá
pra frente e consegui passar pela borboleta.
Num daqueles freios de arrumação, fiquei de pinto assanhado, fazendo terra numa graxeira* bem moderninha, toda empiriquitada, mais
enfeitada que jegue na Lavagem do Bonfim.
Ela tinha uma inhaca, que misturada com o espanta
nigrinha que usava, me causava um certo entojo. Mas eu, que faço terra desde o
tempo de dom corno, não ia vacilar. "É hoje que eu vou lavar a jega*",
pensei. E fiquei ali, mal sabendo o esparro em que eu ia cair. É que daí a
pouco o motorista deu outro freio de arrumação* e eu me desapartei da
tribufuzinha* e me encaixei num negão tipo segurança do Olodum. Tá rebocado, eu
pensei que ia bater a caçuleta.
O negão virou e fez:
- Qualé meu irmão? Tá procurando frete* comigo, é?
Eu lhe dei ozadia* por acaso?
Resultado: levei um cachação que doeu como corno, e
fui parar lá na casa da porra. Foi o maior mangue dentro do buzu. Enquanto eu
me lenhava, ouvia o povo dizer:
- Pique a porra* nesse chibungo, ôôôôxe*, tem mais
é que estabocar com este sacana mesmo!... No meio daquela zuada toda, resolvi
tirar o corpo e na primeira sinaleira* que o buzu parou eu me piquei. Jurei que
mais nunca entro em carro com enxame de
gente.
gente.
Quanto às fubuias*, tive que infonar*, mas de hoje
a oito* possa ser que eu passe lá. Só que na próxima vez vou pedir a um
taquiceiro* pra me levar, que eu não sou menino nem oreba*, pra ximbar* de
novo.
Se não
entendeu nada do que leu, das duas uma: ou não é baiano, ou precisa conhecer a
Bahia!
Antonio
Abreu
NR/
Dicionário do Dialeto (Baianês) Baiano:
Falapau:
Festa para tomar cachaça
Auê: Confusão,
bafafá
Renca:
Quantidade
Menorzinho:
Cafezinho
Cacetinho:
Pãozinho francês
Esmolé:
Pedinte
Cabo
verde: Negro de cabelo quase liso
Infatiotado:
Todo nos trinques, bem vestido
Patapata:
Pente grosso
Retado:
Aborrecido
Buzu:
Ônibus
Arabaca:
Ônibus velho caindo aos pedaços
Apurrinhado:
Contrariado, azucrinado
Borboleta:
Catraca, torniquete, roleta,
Graxeira:
Empregada doméstica
Porra:
Interjeição, admiração
Lavar a
jega: Conseguir tudo, esbaldar-se, ir às ultimas consequências
Freio de
arrumação: freio violento que embola os passageiros de um ônibus
Frete: Se
dar bem, obter favores
Tribufuzinha:
mulher feiosa
Fubuias:
Histórias, ou mulheres fáceis ou enroladas, quengas
Infonar:
Faltar
Oreba:
Bobo, tolo
Taquiceiro:
Motorista de taxi
Pique a porra:
Pegue a reta, siga em frente, vá embora
Ozadia:
Ousadia
De hoje a
oito: Daqui a uma semana
Ximbar:
Cair na esparrela, dançar sem música, cair no ridículo
Sinaleira:
Farol, sinal de transito
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