Artur de Azevedo
O Paulo jantou
apressadamente e, mal acabou de sorver o último gole de café, pôs o chapéu,
saiu de casa, tomou na Rua do Catete um bonde que passava, apeou-se no largo da
Carioca, desceu a Rua da Assembléia e dirigiu-se para o lado das barcas.
Estava
febricitante: a Isabel, que durante quatro meses não fez o menor caso de seus
protestos de amor, resolvera, afinal, conceder-lhe uma entrevista.
A linda costureira
(a Isabel era costureira) ficara de estar às oito em ponto à porta da estação
das barcas. Eram sete e quarenta.
Estava tudo muito
bem combinado. Entrariam ambos na estação sem se falar, como se não se os
conhecessem; tomariam a primeira barca e subiriam para a tolda, a fim de
conversar à vontade. Desembarcando em São Domingos, um bonde levá-los-ia a
Icaraí. Na saudosa praia esperava-os um ninho discreto, onde passariam a sua
primeira noite de amor. Estava tudo muito bem combinado.
Por que Icaraí?...
Por que não Copacabana ou Tijuca?... Por nada: tinha sido um capricho da
Isabel.
Notou o Paulo que,
um pouco distante do lugar em que ele se achava, isto é, da porta da estação,
estava, como que protegida pela sombra, uma senhora de preto, que tinha, pouco
mais ou menos, o corpo e a estatura de Isabel. Seria ela que, por qualquer
circunstância, não tivesse querido chegar mais perto? Ele aproximou-se,
disfarçou, observou, e voltou para o seu posto. A senhora de preto não se
parecia nada com a outra. Era aliás mais bonita.
Passou meia hora...
passou uma hora; chegaram e partiram numerosos bondes... as barcas de vez em
quando despejavam gente sobre a praça, mas nem a Isabel aparecia, nem aquele
misterioso vulto de mulher se movia do recanto sombrio em que estava.
Paulo ficou
desesperado. O seu desejo era sair dali, não esperar nem mais um momento;
dizia, porém, consigo: - Mais um bonde, o último! - e ia esperando...
Convencendo-se,
afinal, de que a Isabel não vinha, resolveu ir para a casa, mas, ao retirar-se,
passou rente à senhora de preto; que esperava sempre, e encarou-a.
Ela perguntou-lhe,
sorrindo:
- Faz favor de me
dizer que horas são?
- Pois não, minha
senhora!, passam vinte das nove.
- Decididamente não
vem! Que maçada!
- Espera alguém,
minha senhora?
- Que tem o senhor
com isso?
- É que eu também
esperava uma pessoa... e, quem sabe? talvez que a analogia das nossas situações
pudesse estabelecer entre nós certa... certa... como direi?... certa
simpatia...
- Não imagina como
estou contrariada!
- Naturalmente
porque gosta muito do homem que a faz esperar...?
- Como sabe o senhor
que é um homem?
- Uma mulher não
espera tanto tempo por outra...
- Isso é verdade...
E, depois de uma
ligeira pausa, continuou assim o diálogo:
ELA - Sim, é por um
homem que eu esperava, mas não pense o senhor que o ame loucamente. O que ele
hoje me fez, varreu-o cá de dentro!
ELE - O mesmo digo
da mulher que me pôs aqui de plantão! Era a nossa primeira entrevista... Foi
melhor assim!
ELA - Ora!, amanhã
ela conta-lhe quatro caraminholas, e o senhor desculpa-a...
ELE - Está
enganada! Não quero vê-la!
ELA - Na realidade,
temos ambos razão de estar queixosos...
ELE - Se nos
vingássemos, eu dela e a senhora dele?
ELA - Como?
ELE - Se eu tomasse
o lugar dele e a senhora o dela?
ELA - Que diria o
senhor de mim?
ELE - Diria:
"’E uma mulher de espírito, que sabe vingar-se!" A senhora não me
conhece, mas...
ELA - E se eu o
conhecesse, Paulo?
ELE - Conhece-me?
ELA - Pelo menos de
fotografia. Foi a Isabel que ma mostrou.
ELE - A Isabel?!,
conhece-a?
ELA - Trabalhamos
juntas no mesmo atélier de costuras, e somos amigas... íntimas.
ELE - Ah!...
ELA - Ela falou-me
do senhor... mostrou-me o retrato... disse-me que o achava feio... Eu, pelo
contrário, achei-o...
ELE - Bonito?
ELA - Pelo menos
simpático.
ELE - Muito
obrigado.
ELA - Não há de
que.
ELA - Hoje ela
disse que o senhor estaria aqui à sua espera às oito horas... mas que o
deixaria esperar em vão, para desenganá-lo. Fiquei com muita pena do senhor e
disse comigo: "Como pode esta mulher enganar assim a um moço tão
simpático?" Resolvi, então, um pouco por comodidade e.. . um pouco por
simpatia... verificar se o senhor tinha vindo... Quando o vi interrogando com
os olhos ansiosamente os bondes que chegavam, tive ímpetos de preveni-lo de que
ela não vinha, mas não me atrevi.
ELE - Então a
senhora não estava à espera de ninguém?
ELA - Não, vim
simplesmente vê-lo... e vingá-lo. Que quer? Tenho um coração tão mole.
.......................................................
Uma hora depois,
estavam ambos no doce ninho de Icaraí.
Nenhum comentário:
Postar um comentário