Paulo Sales
Na semana passada, ajudei a criar uma campanha
publicitária para o Dia dos Namorados, que tem como tema o amor de Jorge Amado
e Zélia Gattai. Uma relação de 56 anos, personificada na cumplicidade e no
companheirismo mútuos, que fizeram o casal se dedicar com afinco a sorver o
século 20, tendo como ingredientes fundamentais o romance, a
política e sobretudo a literatura. Tenho um carinho
especial pela vida de
Jorge e Zélia, mesmo não tendo sido um leitor freqüente dos livros
dele nem um admirador dos livros dela. O que me
atrai nessa trajetória é o que
ela simboliza: um tempo em que a arte e a cultura eram
cultivados com dedicação no quintal de nossas
casas. Um tempo em que a Bahia
representava a vanguarda, mas também a tradição.
Soube que a Casa do Rio Vermelho, onde o casal viveu por décadas, começa a dar sinais de desamparo. Em qualquer lugar do mundo seria um museu concorridíssimo, uma atração turística nos moldes das casas de Pablo Neruda no Chile ou mesmo da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre. Mas preferimos o desdém, o menosprezo, como escrevi no primeiro texto que fiz para este blog, em dezembro de 2008. Nesse mesmo texto, escrevi também que estive na casa duas vezes, a primeira quando Jorge ainda era vivo, embora senil, e a segunda após sua morte, quando encontrei uma Zélia Gattai fragilizada, a me revelar que só esperava a hora de reencontrar o homem que amava. Hoje, o que restou de ambos está enterrado no jardim da casa, ao lado do banco onde costumavam sentar.
O silêncio em torno de Jorge e Zélia diz muito sobre o que a Bahia se tornou. O próprio conceito de baianidade se corrompeu, reduzindo-se a um estado de espírito permanentemente alterado por uma suposta alegria movida sabe-se lá a quê. Vivemos, nesta segunda década do século 21, a total desintegração do que fomos na segunda metade do século 20: um estado efervescente, para o qual migravam intelectuais, artistas plásticos e músicos de ponta e de onde saíam movimentos culturais de relevância nacional, como o Ciclo Baiano de Cinema, e artistas mais relevantes ainda, como Caetano Veloso, Tom Zé, Calasans Neto, Glauber Rocha. Havia algo que motivava tudo isso, e certamente não eram as águas do Porto da Barra ou o dendê do Recôncavo. Havia sobretudo a disseminação natural de conhecimento, que levava à formação de um público culto, ansioso por transformar um estado até então provinciano em um pólo cosmopolita.
Mas onde foi parar tudo isso? Onde foi parar o universo tropical opulento que era a substância vital dos romances de Jorge Amado? Ou o recanto idílico que motivou Caetano a cantar, apropriando-se dos versos de Dorival Caymmi: "Tudo, tudo na Bahia faz a gente querer bem. A Bahia tem um jeito"? Não faço a menor idéia. Sou apenas um espectador amedrontado assistindo à ruína do lugar onde nasci. Um lugar que agoniza em estultice e mansidão, como se sofresse uma espécie de Alzheimer coletivo, na mais completa ignorância do que um dia foi.
Soube que a Casa do Rio Vermelho, onde o casal viveu por décadas, começa a dar sinais de desamparo. Em qualquer lugar do mundo seria um museu concorridíssimo, uma atração turística nos moldes das casas de Pablo Neruda no Chile ou mesmo da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre. Mas preferimos o desdém, o menosprezo, como escrevi no primeiro texto que fiz para este blog, em dezembro de 2008. Nesse mesmo texto, escrevi também que estive na casa duas vezes, a primeira quando Jorge ainda era vivo, embora senil, e a segunda após sua morte, quando encontrei uma Zélia Gattai fragilizada, a me revelar que só esperava a hora de reencontrar o homem que amava. Hoje, o que restou de ambos está enterrado no jardim da casa, ao lado do banco onde costumavam sentar.
O silêncio em torno de Jorge e Zélia diz muito sobre o que a Bahia se tornou. O próprio conceito de baianidade se corrompeu, reduzindo-se a um estado de espírito permanentemente alterado por uma suposta alegria movida sabe-se lá a quê. Vivemos, nesta segunda década do século 21, a total desintegração do que fomos na segunda metade do século 20: um estado efervescente, para o qual migravam intelectuais, artistas plásticos e músicos de ponta e de onde saíam movimentos culturais de relevância nacional, como o Ciclo Baiano de Cinema, e artistas mais relevantes ainda, como Caetano Veloso, Tom Zé, Calasans Neto, Glauber Rocha. Havia algo que motivava tudo isso, e certamente não eram as águas do Porto da Barra ou o dendê do Recôncavo. Havia sobretudo a disseminação natural de conhecimento, que levava à formação de um público culto, ansioso por transformar um estado até então provinciano em um pólo cosmopolita.
Mas onde foi parar tudo isso? Onde foi parar o universo tropical opulento que era a substância vital dos romances de Jorge Amado? Ou o recanto idílico que motivou Caetano a cantar, apropriando-se dos versos de Dorival Caymmi: "Tudo, tudo na Bahia faz a gente querer bem. A Bahia tem um jeito"? Não faço a menor idéia. Sou apenas um espectador amedrontado assistindo à ruína do lugar onde nasci. Um lugar que agoniza em estultice e mansidão, como se sofresse uma espécie de Alzheimer coletivo, na mais completa ignorância do que um dia foi.
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