Texto de Luiz Carlos Facó, escrevinhador atrevido que, de quando em quando, se
arvora em crítico literário
Caro Mecenas Salles,
Dizem que escrever
memórias é um gênero fácil, exigente apenas na memorização dos fatos. Ledo
engano. Afirmo e dou fé. Como os fatos geram novos fatos, desdobram-se em
acontecimentos, as memórias requerem, pedem, melhor, exigem, uma versátil
sensibilidade de quem as narra, redundando numa atmosfera mágica (forma) capaz
de conferir-lhes autenticidade. Já escrevi esses mesmos parágrafos para falar
do livro de Paulo Segundo – Umari, páginas de saudade – e expressar a minha
admiração por essa obra que contempla não só a memória, mas um estudo
sociológico e humanístico dos sertões cearenses.
Tais requisitos,
menosprezados por muitos – memória, sensibilidade e quês tais – não são dons de
todos, porém você os possui, à larga. Seu livro Aconteceu na Bahia..., é um precioso
exemplo de todas essas virtudes. Li-o com o mesmo prazer que o avaro tem em
contar e esconder o seu dinheiro. E, nele, reencontrei uma Bahia ainda muito
viva em meu coração. Uma Salvador prazerosa de se viver. Repleta de pessoas
leais, amigas, companheiras de fé, irmãs camaradas, como Josmar Assis, Carlos
Lacerda, Carlinhos Veiga e tantas outras que incendiavam e incendeiam o meu
coração.
A descrição da Rua da
Faísca, da sua casa e da Escola Ester Tourinho, junto à escadinha, meu caminho
obrigatório para a Escola São Raimundo, anexa a Igreja do mesmo nome,
remeteu-me à infância. Infância pródiga de aventuras e amigos. Assim como, a de
sua casa levou-me até a de Eliezer Audiface e Jojó (provavelmente seu vizinho),
meu pediatra, cujo filho Berimbau, bom amigo, morreu muito cedo. Ambas, tinham
a mesma disposição. Um corredor estreito, tal qual um rio correndo em busca da
sua foz, representada pela sala de jantar, engrossado pelos seus afluentes: a
sala de visitas e alguns cômodos que desembocavam em seu curso.
Embora você dê ênfase
à TV Itapuã, o que é muito natural, porquanto um dos seus fundadores, a Odorico
Tavares – amigo de meu pai e, posteriormente meu, na casa do qual, ainda
menino, na Rua Recife, Jardim Brasil, conheci Antônio Maria, Dorival Caymmi,
Dolores Duran e outros ícones da música brasileira – a quem servi, no Estado da
Bahia e no Diário de Notícias, como foca e repórter, senti todo o seu zelo em
reportar-se às circunstâncias, aos fatos, sem desejar capitalizar louros por
suas conquistas, nem jactar-se pelos feitos que sobejassem sua atuação.
Asseguro-lhe: no seu
livro vi Salvador passar por seu consciente crivo. Não só a cidade e o estado,
mas sua talentosa gente. Seus artistas. Jorge Amado, seu amigo íntimo, o
garimpeiro da saga cacaueira, das tricas e futricas dos coronéis do cacau, dos
bastidores de Olorum, do Terreiro de Jesus, da vida sofrida dos capitães da
areia, da boemia de Vadinho e Mirandão, das faceirices de Gabriela e D. Flor,
numa linguagem simples, coloquial, sem firulas, para o prazer e encanto dos que
o leem.
Faz tempo, recebi de
Cid Teixeira uma carta em que dizia: “... Escrever memórias é, antes de
tudo, um ato de coragem. Coragem que mais se acresce quando o autor renuncia a
meias palavras e se apresenta de corpo, alma, afetos e idiossincrasias, sempre
inteiro... Amizades integrais são, por você, apresentadas e proclamadas com a
intensidade que lhe é própria...”
Pois bem, é chegada a
hora de repassá-los (os elogios) a quem de direito, pois nunca me senti
confortável por recebê-los, pois de origem duvidosa, vindos do coração de um
amigo de noitadas nos botecos da vida, onde, invariavelmente, terminávamos
degustando uma “galinha ao Móbil Oil 40” – especialidade de Falero. Assim,
tome-os como seus, na certeza de que se Cid lesse suas memórias não titubearia
em repeti-los para você, com absoluta razão e propriedade.
Fique certo, Aconteceu
na Bahia... é um livro digno de registro e de releitura. O que não acontecerá
de imediato, porque me debruçarei sobre um intitulado, Poesia Visual. Acaso,
você conhece o autor?
Paz e Bem!
Receba um forte abraço
do amigo
Facó.
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