sexta-feira, 31 de maio de 2013

ACONTECEU NA BAHIA... (E ALHURES)


Texto de Luiz Carlos Facó, escrevinhador atrevido que, de quando em quando, se arvora em crítico literário


Caro Mecenas Salles,

Dizem que escrever memórias é um gênero fácil, exigente apenas na memorização dos fatos. Ledo engano. Afirmo e dou fé. Como os fatos geram novos fatos, desdobram-se em acontecimentos, as memórias requerem, pedem, melhor, exigem, uma versátil sensibilidade de quem as narra, redundando numa atmosfera mágica (forma) capaz de conferir-lhes autenticidade. Já escrevi esses mesmos parágrafos para falar do livro de Paulo Segundo – Umari, páginas de saudade – e expressar a minha admiração por essa obra que contempla não só a memória, mas um estudo sociológico e humanístico dos sertões cearenses.

Tais requisitos, menosprezados por muitos – memória, sensibilidade e quês tais – não são dons de todos, porém você os possui, à larga. Seu livro Aconteceu na Bahia..., é um precioso exemplo de todas essas virtudes. Li-o com o mesmo prazer que o avaro tem em contar e esconder o seu dinheiro. E, nele, reencontrei uma Bahia ainda muito viva em meu coração. Uma Salvador prazerosa de se viver. Repleta de pessoas leais, amigas, companheiras de fé, irmãs camaradas, como Josmar Assis, Carlos Lacerda, Carlinhos Veiga e tantas outras que incendiavam e incendeiam o meu coração.
A descrição da Rua da Faísca, da sua casa e da Escola Ester Tourinho, junto à escadinha, meu caminho obrigatório para a Escola São Raimundo, anexa a Igreja do mesmo nome, remeteu-me à infância. Infância pródiga de aventuras e amigos. Assim como, a de sua casa levou-me até a de Eliezer Audiface e Jojó (provavelmente seu vizinho), meu pediatra, cujo filho Berimbau, bom amigo, morreu muito cedo. Ambas, tinham a mesma disposição. Um corredor estreito, tal qual um rio correndo em busca da sua foz, representada pela sala de jantar, engrossado pelos seus afluentes: a sala de visitas e alguns cômodos que desembocavam em seu curso.
Embora você dê ênfase à TV Itapuã, o que é muito natural, porquanto um dos seus fundadores, a Odorico Tavares – amigo de meu pai e, posteriormente meu, na casa do qual, ainda menino, na Rua Recife, Jardim Brasil, conheci Antônio Maria, Dorival Caymmi, Dolores Duran e outros ícones da música brasileira – a quem servi, no Estado da Bahia e no Diário de Notícias, como foca e repórter, senti todo o seu zelo em reportar-se às circunstâncias, aos fatos, sem desejar capitalizar louros por suas conquistas, nem jactar-se pelos feitos que sobejassem sua atuação.
Asseguro-lhe: no seu livro vi Salvador passar por seu consciente crivo. Não só a cidade e o estado, mas sua talentosa gente. Seus artistas. Jorge Amado, seu amigo íntimo, o garimpeiro da saga cacaueira, das tricas e futricas dos coronéis do cacau, dos bastidores de Olorum, do Terreiro de Jesus, da vida sofrida dos capitães da areia, da boemia de Vadinho e Mirandão, das faceirices de Gabriela e D. Flor, numa linguagem simples, coloquial, sem firulas, para o prazer e encanto dos que o leem.
Faz tempo, recebi de Cid Teixeira uma carta em que dizia: “... Escrever memórias é, antes de tudo, um ato de coragem. Coragem que mais se acresce quando o autor renuncia a meias palavras e se apresenta de corpo, alma, afetos e idiossincrasias, sempre inteiro... Amizades integrais são, por você, apresentadas e proclamadas com a intensidade que lhe é própria...”
Pois bem, é chegada a hora de repassá-los (os elogios) a quem de direito, pois nunca me senti confortável por recebê-los, pois de origem duvidosa, vindos do coração de um amigo de noitadas nos botecos da vida, onde, invariavelmente, terminávamos degustando uma “galinha ao Móbil Oil 40” – especialidade de Falero. Assim, tome-os como seus, na certeza de que se Cid lesse suas memórias não titubearia em repeti-los para você, com absoluta razão e propriedade.
Fique certo, Aconteceu na Bahia... é um livro digno de registro e de releitura. O que não acontecerá de imediato, porque me debruçarei sobre um intitulado, Poesia Visual. Acaso, você conhece o autor?
Paz e Bem!
Receba um forte abraço do amigo
Facó.


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