Gastão Pedreira, baiano elegante, bem falante,
engenheiro, deputado, e Lucilia Alvares, mineira, uma das alunas prediletas de
Guignard, pintora promissora, conheceram-se em um congresso de estudantes no
Rio, encantaram-se e se casaram em Belo Horizonte em 1958.
O padrinho de Gastão, João Falcão, eu só conhecia
por sua lendária participação no Partido Comunista. Nascido em 1919, filho do
usineiro de Feira de Santana João Marinho, formado em Direito em 1942, desde
1938 fundou a revista antifascista “Seiva”, fechada em 37 pela ditadura Vargas.
Exilou-se na Argentina, voltou ao Brasil, em 45
fundou e dirigiu o semanário “O Momento”, órgão oficial do PCB na Bahia e foi
candidato a constituinte pelo PCB, mas perdeu. Em 1947, quando o PC retornou à
ilegalidade, veio para o Rio chefiar o “aparelho” onde se escondia Luis Carlos
Prestes. Em 54, mais uma vez na Bahia, elegeu-se suplente do PTB.
JOÃO FALCÃO
Entre um uísque e outro depois do casamento,
sabendo que eu estava chegando de Moscou impactado e desiludido com o Relatório
de Khrushev sobre Stalin, João Falcão contou que, como Agildo Barata, Osvaldo
Peralva, João Batista e tantos outros companheiros seus de geração e lutas
contra a ditadura Vargas, também havia saído do PCB e ia lançar, em Salvador,
um jornal diário para as lutas democráticas da Bahia. Gastão foi objetivo:
- Nery, estou sabendo que você vai embora para o
Rio. Já está há oito anos aqui no sul. Volte para Salvador, me ajude na minha
campanha para deputado e ajude o Falcão a fazer o “Jornal da Bahia”, a partir
de setembro.
PARIS
Numa manhã muito fria do inverno mineiro, quase
madrugada, já caminhando para o pequeno avião da Aerovias Brasil, que fazia um
pula-pula de Belo Horizonte a Salvador, e pensando nos venturosos oito anos que
Minas me dera e eu estava deixando para trás roído de saudades, de repente,
muito pálida, apareceu a namorada, olhou-me com olhos que eu ainda não sabia
mas já eram de eternidade e me entregou um envelope :
- “Foi Paris quem mandou”.
No avião, ainda tremulo, abri. Era uma fita-cassete
só de nossas canções ouvidas e por ela cantadas em Paris. E escrito em um
papelzinho:
- “Obrigada por me ter dado Paris”.
Ouvi até se apagarem, bem depois que ela se apagou.
JORNAL DA BAHIA
O “Jornal da Bahia” nasceu em 21 de setembro de
1958, sob o comando de João Falcão, com os jornalistas Ariovaldo Matos, José
Gorender, Heron e Inácio Alencar, Almir Matos, Luiz Henrique Tavares,
Arquimedes Gonzaga, Nelson Araujo, Jair Gramacho, e os advogados Guillardo
Figueiredo, Milton Cayres, Zittelmann Oliva, Virgilio Leal, Marcelo Duarte,
Alberto Castro Lima.
Redator-chefe João Batista de Lima e Silva,
secretário Flavio Costa, chefe de reportagem Ariovaldo Mattos, copidesque
Alberto Vitta. E um jovem chargista francês, meu amigo Lauzier, que voltou para
a França e se consagrou como diretor de cinema.
Segundo Adenil Falcão Vieira, filha de João Falcão,
“o Jornal da Bahia formou uma geração de grandes jornalistas, um time de
primeira linha, que continua militando na imprensa baiana e nacional, entre os
quais Moniz Sodré, Florisvaldo Matos, João Carlos Teixeira Gomes, João Ubaldo
Ribeiro, Sebastião Nery, Antonio Torres, Carlos Liborio, Samuel Celestino,
Emiliano José, Levy Vasconcelos, Newton Sobral, João Santana, Anísio Félix,
Geraldo Lemos, Lopes Cunha, José Contreiras, Otacílio Fonseca, Virgilio
Sobrinho, Glauber Rocha, Wilter Santiago e outros”.
“POLITICA DIA A DIA”
Repórter e redator político, eu tinha matéria
demais e espaço de menos. O redator-chefe João Batista me sugeriu fazer uma
coluna diária, que imediatamente começou a sair: – “Política Dia a Dia”. Era um
pequeno comentário de abertura, seguido de notas curtas, noticias, fatos
concretos.
A receita era simples: não havia fatos sem pessoas
falando. Não há jornalismo anônimo. Foi uma novidade na provinciana imprensa
baiana.
Logo João Falcão teve que enfrentar corajosamente
duras batalhas para resistir às pressões da ditadura militar e de seu brutal
lugar-tenente na Bahia, Antonio Carlos Magalhães, que acabou fechando o jornal.
”VALEU A PENA”
Tudo isso está contado em excelentes livros: “O
Partido Comunista que Conheci”, “Valeu a Pena”, “Não Deixem Esta Chama se
Apagar”. No dia 20 de maio do ano passado, um grupo de amigos saímos de um
almoço na casa do talentoso advogado Carlos Sodré para assistir à eleição de
João Falcão na Academia Baiana de Letras. A chama continuava acesa.
Esta
semana, em Salvador, aos 92 anos, morreu João Falcão, que, com sua bravura,
durante quase um século ajudou a escrever a historia da Bahia. Agora, a chama
se apagou. Mas valeu a pena.
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