quinta-feira, 30 de maio de 2013

NA MAGIA DOS ACAMPAMENTOS


Crônica de João Carlos Teixeira Gomes


Na etapa anterior desta viagem pela Mongólia, eu e meus leitores ficamos em Ulaanbaatar (assim os mongóis grafam Ulan Bator, a capital do país). Foi lá que vimos o extasiante balé “Mongolian National Song and Dance Academic Ensemble”, que pode ser localizado no Google (You Tube), no site com o próprio nome do balé. Quem conferir vai-se maravilhar.

 A força da dança e da música da Mongólia reside na sua ancestralidade. É algo raro, que brota das entranhas do povo, não como simples atos de criação artística, mas sim como expressões de realidades anímicas, vindas do coração da nacionalidade, do folclore aos costumes seculares. Tudo isto se funde na personalidade coletiva de um povo orgulhoso do seu passado, como resposta aos preconceitos do Ocidente e do mundo.


Eis por que os dançarinos mongóis se revelam tão exuberantes nas suas coreografias e os músicos tão conscientes do poder dos instrumentos típicos, herdados das tradições. Ágeis e elásticos como os antílopes e as gazelas que povoam o interior do país, os dançarinos exibem as cores fortes e primitivas de uma raça de lutadores, isolados na rudeza das estepes.

No palco, há um frêmito marcial no movimento dos homens, ao lado da sedutora sensualidade das bailarinas de longas pernas e sólidos braços, que se harmonizam, com encanto, em belos atrevimentos rítmicos. Já os bailarinos revelam, nos vigorosos arremessos, os músculos dos antigos heróis das estepes.

 Deixemos, porém, Ulan Bator, rumo ao Parque Nacional de Terelj, acampamento distante 70 km da capital. É uma região mágica, das mais belas e poéticas da Mongólia. Lá se alternam repousantes vales com graníticas montanhas, que esculpem estranhas figuras de pedra, forjadas nas origens do mundo. De um lado a outro, suaves planícies de vegetação rasteira. É a terra do pastoreio, onde trabalham, dormem e amam os guardadores de rebanhos, preservando os hábitos dos seus ancestrais e fazendo voar, na solidão das estepes, a nostalgia das flautas.

A região é pontilhada de tendas ou “gers”. São espaçosas, feitas de pele de animal e tiras de madeira.  No tempo de Gengis Khan, no século XIII, o seu poderoso exército punha as tendas no dorso dos cavalos e partia para as conquistas sangrentas que aterrorizavam a Ásia. Era a cavalaria devastadora.

Em Terelj, são muitos os animais sob a atenta faina pastoril dos mongóis: bois de estranhas caudas felpudas, ovelhas, cavalos de densas crinas, entorpecidos camelos. E também águias, os predadores dos céus, domesticadas ou não. Uma delas pode pousar em seu braço, caro leitor, se você se dispuser a dar uns trocados ao treinador. Mas ponha firmeza no braço, pois a ave é agitada, grande e pesada. Fique atento. Não se preocupe, porém, que ela não voltará contra você o bico adunco ou as temíveis garras, capazes de suspender um carneiro. Mas trate-as com respeito, pois você tem sobre o braço um animal inquieto e selvagem.

 As facilidades de vida nas cidades efeminaram os homens e podaram-lhes os músculos. Na Mongólia, porém, o homem desprotegido arranca a vida todos os dias de uma região hostil e pouco arável. Vive sempre sob ameaça das tempestades que apavoravam os guerreiros de Gengis Khan. O único refúgio do mongol é a sua “ger”, em que ele vive com a mulher e os filhos.

Ali ele aprendeu a salgar a carne, curtir o couro, fabricar o queijo e a coalhada, preparar o pão, cozendo-o na parte externa do teto da tenda, sob o sol, na forma de pequeninos quadriláteros. Visitei uma dessas tendas, propriedade de uma família jovem, e desfrutei da sua gentil hospitalidade, deliciando-me com a coalhada que me foi servida. Mas não gostei do queijo nem do pão.

 Gostei, porém, de dormir numa tenda, sob o frio agressivo da noite siberiana. Dormi como os guerreiros nômades, fitando, antes, o mosaico das estrelas, na vastidão do céu de um negror bíblico. E pensei no que rogariam aos deuses daquele mesmo céu os guerreiros mongóis, antes das batalhas. Mas logo admiti que aquele não era um céu de guerreiros, mas sim de poetas, envolto não em presságios de morte, mas nas emanações da beleza das imensidões noturnas e silenciosas.    
   


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