Crônica de João
Carlos Teixeira Gomes
Na
etapa anterior desta viagem pela Mongólia, eu e meus leitores ficamos em
Ulaanbaatar (assim os mongóis grafam Ulan Bator, a capital do país). Foi lá que
vimos o extasiante balé “Mongolian National Song and Dance Academic Ensemble”,
que pode ser localizado no Google (You Tube), no site com o próprio nome do
balé. Quem conferir vai-se maravilhar.
A força da dança e da música da Mongólia
reside na sua ancestralidade. É algo raro, que brota das entranhas do povo, não
como simples atos de criação artística, mas sim como expressões de realidades
anímicas, vindas do coração da nacionalidade, do folclore aos costumes seculares.
Tudo isto se funde na personalidade coletiva de um povo orgulhoso do seu
passado, como resposta aos preconceitos do Ocidente e do mundo.
Eis
por que os dançarinos mongóis se revelam tão exuberantes nas suas coreografias
e os músicos tão conscientes do poder dos instrumentos típicos, herdados das
tradições. Ágeis e elásticos como os antílopes e as gazelas que povoam o
interior do país, os dançarinos exibem as cores fortes e primitivas de uma raça
de lutadores, isolados na rudeza das estepes.
No
palco, há um frêmito marcial no movimento dos homens, ao lado da sedutora
sensualidade das bailarinas de longas pernas e sólidos braços, que se
harmonizam, com encanto, em belos atrevimentos rítmicos. Já os bailarinos
revelam, nos vigorosos arremessos, os músculos dos antigos heróis das estepes.
Deixemos, porém, Ulan Bator, rumo ao Parque
Nacional de Terelj, acampamento distante 70 km da capital. É uma região mágica, das mais
belas e poéticas da Mongólia. Lá se alternam repousantes vales com graníticas
montanhas, que esculpem estranhas figuras de pedra, forjadas nas origens do
mundo. De um lado a outro, suaves planícies de vegetação rasteira. É a terra do
pastoreio, onde trabalham, dormem e amam os guardadores de rebanhos,
preservando os hábitos dos seus ancestrais e fazendo voar, na solidão das
estepes, a nostalgia das flautas.
A
região é pontilhada de tendas ou “gers”. São espaçosas, feitas de pele de
animal e tiras de madeira. No tempo de
Gengis Khan, no século XIII, o seu poderoso exército punha as tendas no dorso
dos cavalos e partia para as conquistas sangrentas que aterrorizavam a Ásia.
Era a cavalaria devastadora.
Em
Terelj, são muitos os animais sob a atenta faina pastoril dos mongóis: bois de
estranhas caudas felpudas, ovelhas, cavalos de densas crinas, entorpecidos
camelos. E também águias, os predadores dos céus, domesticadas ou não. Uma
delas pode pousar em seu braço, caro leitor, se você se dispuser a dar uns
trocados ao treinador. Mas ponha firmeza no braço, pois a ave é agitada, grande
e pesada. Fique atento. Não se preocupe, porém, que ela não voltará contra você
o bico adunco ou as temíveis garras, capazes de suspender um carneiro. Mas
trate-as com respeito, pois você tem sobre o braço um animal inquieto e
selvagem.
As facilidades de vida nas cidades efeminaram
os homens e podaram-lhes os músculos. Na Mongólia, porém, o homem desprotegido
arranca a vida todos os dias de uma região hostil e pouco arável. Vive sempre
sob ameaça das tempestades que apavoravam os guerreiros de Gengis Khan. O único
refúgio do mongol é a sua “ger”, em que ele vive com a mulher e os filhos.
Ali
ele aprendeu a salgar a carne, curtir o couro, fabricar o queijo e a coalhada,
preparar o pão, cozendo-o na parte externa do teto da tenda, sob o sol, na
forma de pequeninos quadriláteros. Visitei uma dessas tendas, propriedade de
uma família jovem, e desfrutei da sua gentil hospitalidade, deliciando-me com a
coalhada que me foi servida. Mas não gostei do queijo nem do pão.
Gostei, porém, de dormir numa tenda, sob o
frio agressivo da noite siberiana. Dormi como os guerreiros nômades, fitando,
antes, o mosaico das estrelas, na vastidão do céu de um negror bíblico. E
pensei no que rogariam aos deuses daquele mesmo céu os guerreiros mongóis,
antes das batalhas. Mas logo admiti que aquele não era um céu de guerreiros,
mas sim de poetas, envolto não em presságios de morte, mas nas emanações da
beleza das imensidões noturnas e silenciosas.
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