Os escritores, poetas, cantores,
repetem à exaustão: a Bahia tem tantas igrejas quanto os dias do ano.
O povo, com convicção açulada pela fé,
também reproduz tal impostura. E o faz, cantando o estribilho de Caymmi: “trezentas e sessenta e cinco igrejas a Bahia
tem”.
Longe de imaginar que a nossa terra
tenha muitos mais santuários. Tão numerosos, quanto o tamanho da sua população.
Pois, cada coração baiano é uma igreja, é um templo, abrigando uma divindade.
Um credo. Ou mais de um.
Abstraindo-me do lado espiritual e
concentrando-me apenas no conjunto arquitetônico, realmente tenho que
considerar ser a Bahia possuidora de uma enorme quantidade de igrejas.
Principalmente, Salvador, que, em
termos de templos católicos, concentra, num espaço relativamente restrito, uma
enorme quantidade deles, possuidores de enorme tradição, riqueza, história e
liturgia.
Seria impossível, numa mera crônica,
contar suas histórias, sequer, nominá-los. Porém, existem muitos que temos
obrigação de fazê-lo. Alguns, pelo valor artístico que possuem. Outros, pela
sua história. Muitos, por se tornarem os guardiães da fé da gente católica de
Salvador.
Como deixar de falar sobre a Igreja da
Graça, uma ermida erigida por Catarina Paraguaçú, mulher de Diogo Álvares
Correia, o Caramuru, em louvor à Nossa Senhora das Graças, e onde repousam os
corpos do casal e de Júlia de Fetal, jovem na flor da idade, morta por uma bala
de ouro disparada contra si pelo namorado ciumento. Ou, da Igreja da Piedade.
Da de São Pedro e a do mosteiro de São Bento.
Augusto Alexandre Machado, o Machadinho, já
desaparecido, professor de economia da Faculdade de Direito da Universidade
Federal da Bahia, popularíssimo entre seus alunos, pois a nenhum reprovava, que
se intitulava tetra catedrático, contou-me, com a graça que lhe era peculiar,
um fato a respeito daquelas duas igrejas. Dizia ele que elas disputavam entre
si as fieis. Em determinados períodos, uma delas ganhava o favor das mocinhas e
das senhoras. Numa alternância que se repetia ao longo dos anos.
Um dia, assumiu o vicariato da igreja
de São Pedro um jovem padre imbuído do desejo de acabar com aquela disputa. E o
fez, antecipando os horários das suas missas que coincidiam com as havidas em
São Bento. Fato que causou reboliço na cidade, porém, insuficiente para a
revogação da medida. As moçoilas e damas mais persistentes não desistiram de
procurar pela missa daquela igreja. Uma tentativa que resultava em malogro. O
teimoso pároco, aferrado ao propósito estabelecido, mandava que se fechassem as
portas do templo tão logo as missas acabassem. Assim, as renitentes fiéis, sem
alternativas, contava Machadinho
reproduzindo os movimentos delas, encaminhavam-se para São Bento, em passos
aligeirados, que faziam suas bundas rebolarem, dando azo para que o povo
criasse o seguinte refrão: “Vamos pra São
Bento que São Pedro não tem missa”. Sempre anunciados com o balouçar das
ancas feminis, o que provocava sorrisos malévolos da sociedade, até então assaz
conservadora, que via naquele remexer, no ondular do corpo caprichosamente
esculpido e obediente às estampas da lascívia, o espírito provocativo e de
sedução da mulher baiana.
Como deixar de falar da igreja de
Nosso Senhor do Rosário dos Pretos, da Catedral Basílica, da Igreja de São
Francisco, construída entre os séculos XVII e XVIII, um exemplo de estilo
barroco, o ideal da “Igreja de Ouro”. Bem como, da Igreja da Ordem 3ª de São
Francisco, da Igreja do Carmo, erigida no século XVII, fora dos muros que
salvaguardavam a antiga cidade, em uma colina chamada Monte Calvário, em cujo
interior abriga um importante museu.
Constituir-se-ia crime inominável
esquecer as igrejas da Vitória, a dedicada ao Nosso Senhor dos Aflitos, a Igreja
da Ordem 3ª de São Domingos, a da Santa Casa da Misericórdia, a da Lapinha.
Pecado muito maior cometeria se olvidasse a igreja do Nosso Senhor do Bonfim,
santuário de peregrinação, teto do padroeiro dos corações baianos, abrigando
uma imagem, reprodução do Crucifixo de Setúbal, trazida pelo
capitão-de-mar-e-guerra, Teodósio
Rodrigues de Farias e cuja construção foi iniciada em 1745 e, concluída,
nove anos depois.
Ao
Nosso Senhor do Bonfim, os baianos devotam particular culto. A Ele, atribuem
milagres, os mais inverossímeis. Tanto assim, que na igreja edificada para a
sua exaltação, existe uma sala de milagres, constituída no ponto mais visitado
do templo. Graças aos milhares e milhares de ex-votos expostos dos acudidos pela imensa misericórdia Dele.
Desprezar
a Igreja da Boa Viagem seria despropósito. Bem como a Basílica de Nossa Senhora
da Conceição da Praia, mais conhecida como a igreja pré-construída e assentada
no local onde Tomé de Souza escolheu para dar prosseguimento ao culto da santa
de sua veneração. Sua construção data de 1750, influenciada por Ludivice. A particularidade apresentada
é que os seus blocos foram esculpidos em pedra Lioz, em Portugal e
transportados até aqui pelas caravelas da terra de Camões. Vieram numeradas e foram armadas, segundo um projeto
arquitetônico típico da região do Alentejo. A santa da Bahia, irmã Dulce,
encontra-se sepultada em seu interior.
Falta grave não cometerei por não ter
me referido, até aqui, à igreja de Santa Tereza. Não seria só uma falta. Iria
muito além, seria ato repulsivo da minha parte. Não só pela beleza e
importância do templo, mais ainda, porque ele abriga o mais importante museu de
arte sacra do país. Esquecê-la, seria odiento. Graças aos céus, me redimi a
tempo.
Conhecer as igrejas da Bahia é peregrinar.
É andar, certos de estarmos perto da história, da beleza, do bom gosto
artístico, sobretudo de Deus.
Facó, amei sua crônica. Parecia até que eu estava a passear por Salvador, vendo tantas relíquias históricas. Elogiar seus escritos é desnecessário, pois que você sabe seu valor intelectual, mas mesmo assim não poderia deixar de dizer que você foi formidável ao retratar as igrejas dai.
ResponderExcluirAngela