Por
JC Teixeira Gomes
Continuarei
com meus leitores a viajar pelo Expresso Transiberiano, partindo da imponente
Pequim até chegar à cidade de Er Lian, última etapa chinesa antes da Mongólia.
Poucas regiões do mundo serão tão ignoradas
pelo Ocidente. Dela, a única coisa que sabemos é que foi a pátria de Gengis
Khan, para os mongóis o herói nacional que nenhuma nação iguala.
Escondida no segredo das estepes, pelo
menos desde o séc. XIX se abriu ao mundo, com o incremento da construção da
ferrovia transiberiana. Mas permanece enigmática e tida como terra de
extravagâncias, entre as quais a de servir escorpião grelhado (“grilled
scorpion”) entre as iguarias da sua cozinha. Garanto que não comi.
A ignorância ocidental sobre a Mongólia é
engordada pelo desrespeito, pois foi através das pesquisas do médico inglês
John Down, no século XIX, que se criou a palavra “mongolóide” para designar os
portadores da Síndrome de Down, presente até hoje nos dicionários. No entanto,
é uma designação pejorativa e indigna, nascida dos preconceitos do homem branco
europeu contra os asiáticos no século XIX, época de esplendor do colonialismo.
Formulando uma antropologia racista, a visão eurocêntrica da Ásia ajudava o
Ocidente a subjugar os asiáticos pela humilhação, para facilitar a dominação
política e econômica.
Em Er Lian, fundada em l953, nosso trem foi
substituído pelo russo, pela diferença da bitola dos trilhos até Moscou.
Situando-se numa área que envolve um trecho do deserto de Gobi, Er Lian é um sítio palenteológico, como,
aliás, toda a Ásia. Por isso, os chineses lá construíram um gigantesco Parque
de Dinossauros, representados em metal, nas dimensões exatas dos seus
ancestrais naturais, um assombro. O espectador fica imediatamente paralisado
pelo realismo das peças expostas. Todas as espécies estão ali reunidas, dando a
impressão de que são animais reais, não esculturas. Com alguma imaginação (e
temor), o visitante, tomado de surpresa, pode vê-los andando, rugindo,
atacando.
Os imensos animais, noventa e nove ao
todo, em posições diferentes, distantes uns dos outros, foram moldados segundo
os detalhes e características das descrições científicas ou das melhores
representações no cinema. Mas não é Hollywood ou a Disneylândia, brincadeiras
americanas. O grande parque é uma área de respeito e seriedade. É o trabalho de
cientistas chineses, expondo o resultado das suas pesquisas. Custa a crer que a
poderosa China não tenha ainda divulgado para o mundo o fascinante viveiro
metálico dos seus dinos.
Er Lian, cidade que detém essa
preciosidade, possui cerca de 120 mil habitantes, caracterizando-se por longas
avenidas, além de sólidos edifícios. Sente-se que está em plena expansão. De
lá, rumamos para Ulan Bator, a capital da Mongólia, país de nômades montadores
de cavalos, habitantes de tendas, amantes dos grandes espaços naturais e
avessos à prisão das cidades. Ainda assim, a capital, fundada em 1639,
expandiu-se, e possui hoje cerca de 1 milhão e trezentos mil habitantes.
Contemplada do alto de um mirante, dinâmica e irregular, não quer parar de
crescer. Seu tráfego é intenso e caótico, seu comércio muito rico,
destacando-se um shopping de cinco andares, com belas e elegantes mulheres
desfilando sem cessar, mais alvas que as chinesas.
Se o mundo nivelou-se pela comunicação, a
diferença se faz por meio da cultura. E foi nessa área que a visita mais se
enriqueceu, diante da exibição do balé da Mongólia e da sua Orquestra
Sinfônica, de instrumentos típicos. Sobre a marcante coreografia dos belos
dançarinos mongóis, homens e mulheres de excepcional coordenação rítmica,
falarei depois. Por ora, cumpre dizer que a Sinfônica da Mongólia fez uma
apresentação de gala. Destaque para as vozes dos seus baixos e barítonos
interpretando canções budistas. Confesso que tais vozes me elevaram – a mim,
pobre homem de pouca fé – às portas do paraíso, às regiões mais diáfanas da
espiritualidade humana e da concentração mística.
Mas, queridos leitores, falta muito do
que dizer. No próximo artigo, contarei como dormi nas tendas de Gengis Khan,
sob o frio polar da noite.
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