terça-feira, 2 de julho de 2013

A ENIGMÁTICA MONGÓLIA

Por JC Teixeira Gomes



Continuarei com meus leitores a viajar pelo Expresso Transiberiano, partindo da imponente Pequim até chegar à cidade de Er Lian, última etapa chinesa antes da Mongólia.
    Poucas regiões do mundo serão tão ignoradas pelo Ocidente. Dela, a única coisa que sabemos é que foi a pátria de Gengis Khan, para os mongóis o herói nacional que nenhuma nação iguala.
    Escondida no segredo das estepes, pelo menos desde o séc. XIX se abriu ao mundo, com o incremento da construção da ferrovia transiberiana. Mas permanece enigmática e tida como terra de extravagâncias, entre as quais a de servir escorpião grelhado (“grilled scorpion”) entre as iguarias da sua cozinha. Garanto que não comi.

    A ignorância ocidental sobre a Mongólia é engordada pelo desrespeito, pois foi através das pesquisas do médico inglês John Down, no século XIX, que se criou a palavra “mongolóide” para designar os portadores da Síndrome de Down, presente até hoje nos dicionários. No entanto, é uma designação pejorativa e indigna, nascida dos preconceitos do homem branco europeu contra os asiáticos no século XIX, época de esplendor do colonialismo. Formulando uma antropologia racista, a visão eurocêntrica da Ásia ajudava o Ocidente a subjugar os asiáticos pela humilhação, para facilitar a dominação política e econômica.
    Em Er Lian, fundada em l953, nosso trem foi substituído pelo russo, pela diferença da bitola dos trilhos até Moscou. Situando-se numa área que envolve um trecho do deserto de Gobi,  Er Lian é um sítio palenteológico, como, aliás, toda a Ásia. Por isso, os chineses lá construíram um gigantesco Parque de Dinossauros, representados em metal, nas dimensões exatas dos seus ancestrais naturais, um assombro. O espectador fica imediatamente paralisado pelo realismo das peças expostas. Todas as espécies estão ali reunidas, dando a impressão de que são animais reais, não esculturas. Com alguma imaginação (e temor), o visitante, tomado de surpresa, pode vê-los andando, rugindo, atacando.
      Os imensos animais, noventa e nove ao todo, em posições diferentes, distantes uns dos outros, foram moldados segundo os detalhes e características das descrições científicas ou das melhores representações no cinema. Mas não é Hollywood ou a Disneylândia, brincadeiras americanas. O grande parque é uma área de respeito e seriedade. É o trabalho de cientistas chineses, expondo o resultado das suas pesquisas. Custa a crer que a poderosa China não tenha ainda divulgado para o mundo o fascinante viveiro metálico dos seus dinos.
    Er Lian, cidade que detém essa preciosidade, possui cerca de 120 mil habitantes, caracterizando-se por longas avenidas, além de sólidos edifícios. Sente-se que está em plena expansão. De lá, rumamos para Ulan Bator, a capital da Mongólia, país de nômades montadores de cavalos, habitantes de tendas, amantes dos grandes espaços naturais e avessos à prisão das cidades. Ainda assim, a capital, fundada em 1639, expandiu-se, e possui hoje cerca de 1 milhão e trezentos mil habitantes. Contemplada do alto de um mirante, dinâmica e irregular, não quer parar de crescer. Seu tráfego é intenso e caótico, seu comércio muito rico, destacando-se um shopping de cinco andares, com belas e elegantes mulheres desfilando sem cessar, mais alvas que as chinesas.
    Se o mundo nivelou-se pela comunicação, a diferença se faz por meio da cultura. E foi nessa área que a visita mais se enriqueceu, diante da exibição do balé da Mongólia e da sua Orquestra Sinfônica, de instrumentos típicos. Sobre a marcante coreografia dos belos dançarinos mongóis, homens e mulheres de excepcional coordenação rítmica, falarei depois. Por ora, cumpre dizer que a Sinfônica da Mongólia fez uma apresentação de gala. Destaque para as vozes dos seus baixos e barítonos interpretando canções budistas. Confesso que tais vozes me elevaram – a mim, pobre homem de pouca fé – às portas do paraíso, às regiões mais diáfanas da espiritualidade humana e da concentração mística.

      Mas, queridos leitores, falta muito do que dizer. No próximo artigo, contarei como dormi nas tendas de Gengis Khan, sob o frio polar da noite.

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