Os
acontecimentos que abalam a nação brasileira no momento demonstram o divórcio
profundo
que existe entre o Estado e a Sociedade Civil no Brasil porque os detentores
do poder
político não podem governar como antes e a Sociedade Civil rebelada não
aceita ser
governada como antes. Ao invés de adotar medidas que contribuam para a
convergência
entre os interesses do Estado e da Sociedade Civil, o governo federal
procura
ganhar tempo com medidas diversionistas como a da convocação do plebiscito para
a reforma política visando arrefecer a revolta popular contra o Estado
brasileiro.
A
presidente Dilma Rousseff enviou no dia de ontem (2/7/2013) ao Congresso
Nacional
mensagem
propondo a realização de um plebiscito sobre a reforma política. Há cinco
pontos
centrais na proposta de consulta popular sugerida pela presidente: 1) forma de
financiamento
de campanhas (público, privado ou misto); 2) definição do sistema
eleitoral
(voto proporcional, distrital, distrital misto, "distritão", proposta
em dois
turnos);
3) continuidade ou não da existência da suplência no Senado; 4) manutenção ou não
das coligações partidárias; e, 5) fim ou não do voto secreto no Parlamento. Foi
sugerido
pela presidente que o Congresso Nacional realize uma consulta popular, na
forma de
plebiscito, para que o povo se pronuncie sobre as linhas mestras que devem
balizar a
reforma política para o País.
A proposta
de plebiscito para reforma política enviada pela presidente Dilma Roussef ao Congresso
Nacional mostra a estreiteza na sua formulação ao não considerar, por
exemplo, o
controle do Parlamento pelos cidadãos e a criação de partidos autênticos no Brasil.
A ação do governo federal na conjuntura atual mostra, sobretudo, a falta de
visão estratégica ao não perceber que o tempo conspira contra ele próprio na
medida em que não venha a atender as demandas da população rebelada e tenha que
se defrontar com o paulatino agravamento da situação econômica nacional. O
governo federal agiria de forma inteligente se adotasse, de imediato, medidas
que levassem, por exemplo, à redução de gastos públicos supérfluos e dos
tributos e à melhoria dos sistemas de mobilidade urbana, de educação e saúde do
País exigidas pela nação e promovesse uma reforma administrativa que tornasse o
Estado brasileiro eficiente e eficaz.
Através da
reforma do Estado e da Administração Pública no Brasil, será possível
corrigir
as distorções atuais na ação administrativa dos governos em todos os níveis e
reduzir a
carga tributária beneficiando empresas e trabalhadores. A reforma do Estado
nos
respectivos níveis, federal, estadual e municipal deveria ser processada a fim
de que ele venha a realizar com eficiência e eficácia suas atribuições
constitucionais e reduzir os seus custos de operação para minimizar a carga
tributária sobre os contribuintes.
A
capacidade futura do Estado brasileiro de investir na expansão da economia e de
executar
programas na área social depende, em grande medida, da reestruturação
administrativa
que seja nele processada. Grande parte da ineficiência e ineficácia do
Estado no
Brasil resulta da falta de integração dos governos federal, estadual e
municipal
na promoção do desenvolvimento nacional. Associe-se a este fato, a
existência
de estruturas organizacionais inadequadas em cada um dos níveis federal,
estadual e
municipal que inviabilizam o esforço integrativo nessas instâncias de
governo.
A
implantação de um modelo de gestão eficiente e eficaz para o Estado brasileiro
fará
com que a
sua capacidade de arrecadação de impostos seja ampliada. A corrupção e a
evasão de
impostos, que hoje se verifica no Brasil, são devidas em grande medida à
ineficiência
da máquina administrativa do Estado. O novo modelo de gestão baseado na racionalização
dos processos de trabalho levará inevitavelmente à redução dos custos de operação
do Estado e, consequentemente, da carga tributária sobre os contribuintes.
Sem
colocar em prática este conjunto de medidas o Estado brasileiro não adquirirá a
capacidade
de investir na expansão da economia e de adotar políticas de compensação
social no
nível necessário para mitigar os desníveis sociais no Brasil.
A revolta
popular que eclodiu recentemente no Brasil revela uma nítida crise de
representatividade
que se manifesta quando a sociedade não se sente efetivamente
representada
pelas pessoas que ela mesma elegeu democraticamente. O Brasil enfrenta simultaneamente
duas crises: 1) de governança; e, 2) de governabilidade. A crise de governança
resulta do fato de o governo em todos os seus níveis ter demonstrado incapacidade
operacional para formular e executar suas políticas de gestão das finanças públicas,
administrativa e técnica. A crise de governabilidade resulta, por sua vez, da incapacidade
do Estado de agregar os múltiplos interesses dispersos na Sociedade Civil e
apresentar-lhes um objetivo comum para o curto, médio e longo prazo.
O não
atendimento das demandas da população somado ao agravamento da situação
econômica
do Brasil ampliará ainda mais o fosso que separa o Estado brasileiro da
Sociedade
Civil que atuarão como indutores de novas e crescentes manifestações
populares
contra o estado de coisas reinante no País. Ressalte-se que um Estado é
legítimo
se existe um consenso entre os membros da Sociedade Civil para aceitar a
autoridade
vigente. Em Ciência Política, legitimidade é o conceito com que se julga a
capacidade
de um determinado poder para conseguir obediência sem a necessidade de recorrer
à coerção, que supõe o uso da força como aconteceu em todas as localidades onde
houve manifestação contra os detentores do poder político no Brasil.
Os fatos
ocorridos no Brasil demonstram a perda de legitimidade dos detentores do
poder
político junto à Sociedade Civil. O risco da estratégia do governo de
simplesmente
não atender as demandas populares com a farsa do plebiscito é o de ter
que
recorrer cada vez mais à coerção até, no caso extremo, com a decretação do
estado de sítio, inclusive com a instauração do toque de recolher. Na prática,
a frágil
democracia
que existe no Brasil seria profundamente golpeada com a
institucionalização
do estado de exceção pelos atuais detentores do poder. Este é o
cenário
que pode acontecer no curto prazo no Brasil com o governo tentando manter a ordem
a todo o custo.
Pode-se
afirmar que, além de representar um verdadeiro embuste para manter o “status quo”
a todo o custo, a proposta para reforma política da presidente Dilma Roussef é irresponsável
porque pode colocar em xeque as instituições democráticas vigentes no Brasil na
medida em que tendo que recorrer ao uso da força para manter a ordem, pode abrir
caminho para a volta dos militares ao poder. Esta possibilidade pode se materializar
na prática se os detentores do poder não conseguirem manter a ordem e os militares
tiverem de intervir.
A atual
crise política no Egito demonstra a falta de legitimidade do presidente da
República,
Mohamed Mursi, que se defronta com a oposição de parcela ponderável da
Sociedade
Civil egípcia que exigia sua renúncia. No Egito, estabeleceu-se o impasse
entre o
Estado e a Sociedade Civil. Como este impasse não foi resolvido, o Exército
depôs o
Presidente Mursi através de um golpe militar apoiado por grande parte da
população.
Se o impasse político entre o Estado e Sociedade Civil no Brasil não for
resolvido
pela falta de visão estratégica do governo federal, é possível que o cenário
imperante
no Egito venha a ocorrer, também, no Brasil.
*Fernando Alcoforado, 73, engenheiro e doutor em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona,
professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento
empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é
autor dos
livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De
Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São
Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000),
Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944,
2003), Globalização e Desenvolvimento(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era
Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic
and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr.
Müller Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A
Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso
do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa
Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do
Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre
outros.
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