segunda-feira, 15 de julho de 2013

A FARSA DO PLEBISCITO APROFUNDA O DIVÓRCIO ENTRE O ESTADO E A SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL

                                                                               

                              Fernando Alcoforado*


Os acontecimentos que abalam a nação brasileira no momento demonstram o divórcio
profundo que existe entre o Estado e a Sociedade Civil no Brasil porque os detentores
do poder político não podem governar como antes e a Sociedade Civil rebelada não
aceita ser governada como antes. Ao invés de adotar medidas que contribuam para a
convergência entre os interesses do Estado e da Sociedade Civil, o governo federal
procura ganhar tempo com medidas diversionistas como a da convocação do plebiscito para a reforma política visando arrefecer a revolta popular contra o Estado brasileiro.


A presidente Dilma Rousseff enviou no dia de ontem (2/7/2013) ao Congresso Nacional
mensagem propondo a realização de um plebiscito sobre a reforma política. Há cinco
pontos centrais na proposta de consulta popular sugerida pela presidente: 1) forma de
financiamento de campanhas (público, privado ou misto); 2) definição do sistema
eleitoral (voto proporcional, distrital, distrital misto, "distritão", proposta em dois
turnos); 3) continuidade ou não da existência da suplência no Senado; 4) manutenção ou não das coligações partidárias; e, 5) fim ou não do voto secreto no Parlamento. Foi
sugerido pela presidente que o Congresso Nacional realize uma consulta popular, na
forma de plebiscito, para que o povo se pronuncie sobre as linhas mestras que devem
balizar a reforma política para o País.

A proposta de plebiscito para reforma política enviada pela presidente Dilma Roussef ao Congresso Nacional mostra a estreiteza na sua formulação ao não considerar, por
exemplo, o controle do Parlamento pelos cidadãos e a criação de partidos autênticos no Brasil. A ação do governo federal na conjuntura atual mostra, sobretudo, a falta de visão estratégica ao não perceber que o tempo conspira contra ele próprio na medida em que não venha a atender as demandas da população rebelada e tenha que se defrontar com o paulatino agravamento da situação econômica nacional. O governo federal agiria de forma inteligente se adotasse, de imediato, medidas que levassem, por exemplo, à redução de gastos públicos supérfluos e dos tributos e à melhoria dos sistemas de mobilidade urbana, de educação e saúde do País exigidas pela nação e promovesse uma reforma administrativa que tornasse o Estado brasileiro eficiente e eficaz.

Através da reforma do Estado e da Administração Pública no Brasil, será possível
corrigir as distorções atuais na ação administrativa dos governos em todos os níveis e
reduzir a carga tributária beneficiando empresas e trabalhadores. A reforma do Estado
nos respectivos níveis, federal, estadual e municipal deveria ser processada a fim de que ele venha a realizar com eficiência e eficácia suas atribuições constitucionais e reduzir os seus custos de operação para minimizar a carga tributária sobre os contribuintes.
A capacidade futura do Estado brasileiro de investir na expansão da economia e de
executar programas na área social depende, em grande medida, da reestruturação
administrativa que seja nele processada. Grande parte da ineficiência e ineficácia do
Estado no Brasil resulta da falta de integração dos governos federal, estadual e
municipal na promoção do desenvolvimento nacional. Associe-se a este fato, a
existência de estruturas organizacionais inadequadas em cada um dos níveis federal,
estadual e municipal que inviabilizam o esforço integrativo nessas instâncias de
governo.

A implantação de um modelo de gestão eficiente e eficaz para o Estado brasileiro fará
com que a sua capacidade de arrecadação de impostos seja ampliada. A corrupção e a
evasão de impostos, que hoje se verifica no Brasil, são devidas em grande medida à
ineficiência da máquina administrativa do Estado. O novo modelo de gestão baseado na racionalização dos processos de trabalho levará inevitavelmente à redução dos custos de operação do Estado e, consequentemente, da carga tributária sobre os contribuintes.

Sem colocar em prática este conjunto de medidas o Estado brasileiro não adquirirá a
capacidade de investir na expansão da economia e de adotar políticas de compensação
social no nível necessário para mitigar os desníveis sociais no Brasil.
A revolta popular que eclodiu recentemente no Brasil revela uma nítida crise de
representatividade que se manifesta quando a sociedade não se sente efetivamente
representada pelas pessoas que ela mesma elegeu democraticamente. O Brasil enfrenta simultaneamente duas crises: 1) de governança; e, 2) de governabilidade. A crise de governança resulta do fato de o governo em todos os seus níveis ter demonstrado incapacidade operacional para formular e executar suas políticas de gestão das finanças públicas, administrativa e técnica. A crise de governabilidade resulta, por sua vez, da incapacidade do Estado de agregar os múltiplos interesses dispersos na Sociedade Civil e apresentar-lhes um objetivo comum para o curto, médio e longo prazo.

O não atendimento das demandas da população somado ao agravamento da situação
econômica do Brasil ampliará ainda mais o fosso que separa o Estado brasileiro da
Sociedade Civil que atuarão como indutores de novas e crescentes manifestações
populares contra o estado de coisas reinante no País. Ressalte-se que um Estado é
legítimo se existe um consenso entre os membros da Sociedade Civil para aceitar a
autoridade vigente. Em Ciência Política, legitimidade é o conceito com que se julga a
capacidade de um determinado poder para conseguir obediência sem a necessidade de recorrer à coerção, que supõe o uso da força como aconteceu em todas as localidades onde houve manifestação contra os detentores do poder político no Brasil.
Os fatos ocorridos no Brasil demonstram a perda de legitimidade dos detentores do
poder político junto à Sociedade Civil. O risco da estratégia do governo de
simplesmente não atender as demandas populares com a farsa do plebiscito é o de ter
que recorrer cada vez mais à coerção até, no caso extremo, com a decretação do estado de sítio, inclusive com a instauração do toque de recolher. Na prática, a frágil
democracia que existe no Brasil seria profundamente golpeada com a
institucionalização do estado de exceção pelos atuais detentores do poder. Este é o
cenário que pode acontecer no curto prazo no Brasil com o governo tentando manter a ordem a todo o custo.

Pode-se afirmar que, além de representar um verdadeiro embuste para manter o “status quo” a todo o custo, a proposta para reforma política da presidente Dilma Roussef é irresponsável porque pode colocar em xeque as instituições democráticas vigentes no Brasil na medida em que tendo que recorrer ao uso da força para manter a ordem, pode abrir caminho para a volta dos militares ao poder. Esta possibilidade pode se materializar na prática se os detentores do poder não conseguirem manter a ordem e os militares tiverem de intervir.

A atual crise política no Egito demonstra a falta de legitimidade do presidente da
República, Mohamed Mursi, que se defronta com a oposição de parcela ponderável da
Sociedade Civil egípcia que exigia sua renúncia. No Egito, estabeleceu-se o impasse
entre o Estado e a Sociedade Civil. Como este impasse não foi resolvido, o Exército
depôs o Presidente Mursi através de um golpe militar apoiado por grande parte da
população. Se o impasse político entre o Estado e Sociedade Civil no Brasil não for
resolvido pela falta de visão estratégica do governo federal, é possível que o cenário
imperante no Egito venha a ocorrer, também, no Brasil.


*Fernando Alcoforado, 73, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos

livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,  http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller  Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.

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