Conto de Clotilde Tavares, escritora
paraibana
Ilustração de Flavio Morais
Era
meio-dia e a caatinga brilhava à luz incandescente do Sol. O pequeno Calango
deslizou rápido sobre o solo seco, cheio de gravetos e pedras, parando na
frente do majestoso Mandacaru, que apontava para o céu seus espinhos, os
grandes braços abertos em cruz.
- Mandacaru! Mandacaru! Eu ouvi os homens conversando lá adiante e eles estavam
dizendo que, como a caatinga está muito seca e cor de cinza, vão trazer do
estrangeiro umas árvores que ficam sempre verdes quando crescem e estão sempre
cheias de folhas.
- Mas que novidade é essa? - falou a Jurema.
- Coisa de gente besta - disse o Cardeiro, fazendo um muxoxo irritado e
atirando espinhos para todo lado.
- Eu é que não acredito nessas novidades - sussurrou o pequeno e tímido Preá.
A velha Cobra, cheia de escamas de vidro e da idade do mundo, só fez balançar a
cabeça de um lado para o outro e, como se achasse que não valia a pena falar,
ficou em silêncio.
E no outro dia, bem cedinho, os homens já haviam plantado centenas de
arvorezinhas muito agitadas, serelepes e faceiras, que falavam todas ao mesmo
tempo na língua lá delas, reclamando de tudo: do Sol, da poeira, dos bichos e
das plantas nativas, que elas achavam pobres, feias e espinhentas. Enquanto
falavam, farfalhavam e balançavam os pequenos galhos, que iam crescendo,
ganhando folhas e ficando cada vez mais fortes.
Enquanto isso, as plantas da caatinga, acostumadas a viver com pouca água,
começaram a notar que essa água estava cada vez mais difícil de encontrar. As
raízes do Mandacaru, da Jurema e do Cardeiro cavavam, cavavam e só encontravam
a terra seca e esturricada.
O Calango então se reuniu com os outros bichos e plantas para encontrar uma
solução. E foi a velha Cobra quem matou a charada:
- Quem está causando a seca são essas plantinhas importadas e metidas a besta!
Eu me arrastei por debaixo da terra e vi o que elas fazem: bebem toda a nossa
água e não deixam nada para a gente.
- Oxente! - gritou o Calango. - Então vou contar isso aos homens e pedir uma
solução.
Mas logo o Calango voltou, triste e decepcionado.
- Os homens não me deram atenção - disse. - Falaram que eu não tenho instrução,
não fiz universidade e que eu estou atrapalhando o progresso da caatinga.
E todos os bichos e plantas ficaram tristes, mas estavam com tanta sede que nem
sequer puderam chorar: não havia água para fabricar as lágrimas. Por muitos
dias ficaram assim e quando estavam à beira da morte houve um movimento: era o
Preá, que levantou o narizinho, farejou o ar e, esquecendo a timidez, gritou:
- Estou sentindo cheiro de água!
- É mesmo! - gritaram todos.
- O que será que aconteceu? - perguntou a Jurema.
- Eu vou ver o que foi - e o Calango saiu veloz, espalhando poeira para todos
os lados.
O Mandacaru estirou os braços, espreguiçou-se e sorriu:
- Estou recebendo água de novo! Hum... É muito bom! Mas vejam! O Calango está
de volta com novidades!
E espichando meio palmo de língua de fora, morto de cansado pela carreira, o
Calango contou tudo.
- As pequenas bandidas verdes, depois de beber quase toda a água da caatinga,
estavam ameaçando a água dos rios e dos açudes perto das cidades. Os homens
então viram o perigo e deram fim a todas elas. Estamos salvos!
E todos ficaram alegres, sentindo a água subir pelas raízes. Olharam para o céu
azul da caatinga, aquele céu claro, o Sol brilhante, olharam uns para os outros
e viram que eram irmãos, na mesma natureza, no mesmo tempo, na mesma Terra.
E a velha Cobra, desenroscando-se toda lentamente, piscou o olho e concluiu:
- É como dizia minha avó: cada macaco no seu galho!
FONTE: SITE Nova Escola
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