Rodrigo Constantino, em o O GLOBO
O ano é 2030. Cheguei aqui com minha
DeLorean, na esperança de encontrar um país mais próspero e livre. Qual não foi
minha surpresa quando dei logo de cara com uma enorme estátua de Lula!
Curioso, perguntei a um transeunte do
que se tratava. Um tanto incrédulo com minha ignorância, o rapaz explicou que
era a homenagem ao São Lula, ex-presidente e “pai dos pobres”. Havia uma
estátua dessas em cada cidade grande do país. Afinal, tínhamos a obrigação de
celebrar os 150 milhões de brasileiros incluídos no Bolsa Família.
Após o susto inicial, eu quis saber
quem pagava por tanta esmola, e se isso não gerava uma nefasta dependência do
Estado. O rapaz parece não ter compreendido minha pergunta. Disse que estava
com pressa para entrar na fila do pão, e que seu cartão de racionamento ainda
dava direito a uns bons cem gramas.
Em seguida, vi na televisão de uma
loja um rosto conhecido, ainda que envelhecido. Era o ministro Guido Mantega! E
pelo visto ele ainda era o ministro. Ele estava explicando o motivo pelo qual
sua previsão de crescimento de 5% não se concretizou. A queda de 3% do PIB
havia sido culpa da crise em Madagascar. Mas tudo iria melhorar no próximo ano.
Notei então o preço do aparelho de
TV: 100 mil bolívares. Assustado, perguntei ao vendedor do que se tratava,
explicando que eu era de fora. O homem disse que, em 2022, após a inflação
chegar em 20% ao mês, o governo cortou três zeros da moeda. Pensei logo no
bigodudo. Como isso não funcionou, o governo decidiu adotar o bolívar, moeda
comum do Mercosul.
Descobri que os países “bolivarianos”
chegaram a adotar o escambo, depois que suas respectivas moedas perderam quase
todo o valor frente ao dólar. A moeda comum foi uma medida urgente, pois estava
difícil efetuar as trocas. O criador de gado argentino precisava encontrar um
produtor de soja brasileiro disposto a trocar o mesmo valor de gado por soja.
Era um caos!
Levantei ainda alguns dados no jornal
“Granma Brasil” (parece que o “controle democrático” da imprensa havia
finalmente passado, e o governo se tornou o dono do único jornal no país). A
inflação oficial era de “apenas” 30%, mas todos sabiam nas ruas que ela era ao
menos o triplo disso. Um centenário Delfim Netto desqualificava os críticos do
Banco Central como “ortodoxos fanáticos”.
Não havia mais miserável no Brasil,
pois a linha de pobreza era calculada com base no mesmo valor nominal de 2010.
Mas havia mendigos para todo lado. Um desses mendigos me pareceu familiar. Eu
poderia jurar que era o Mr. X! Mas não poderia ser. Afinal, ele era um dos
homens mais ricos do país, e tinha ótimo relacionamento com o governo. O BNDES
era um grande parceiro seu.
Foi quando decidi ver que fim tinha
levado o banco estatal. Soube que, após o décimo aumento de capital na
Petrobras (que agora importava toda a gasolina vendida), e vários calotes dos
“campeões nacionais”, o BNDES tinha se unido ao Banco do Brasil e à Caixa, esta
falida nos escombros do Minha Casa Minha Vida, para formar o Banco do Povo. O
símbolo era uma estrela vermelha.
O Tesouro já tinha injetado mais de
US$ 2 trilhões no banco, para tampar os rombos criados na época da farra
creditícia. Especialistas gregos foram chamados para prestar consultoria.
Com fome, procurei um restaurante.
Todos eram muito parecidos, e tinham a mesma estrela vermelha na entrada. Soube
então que era o resultado de um decreto do governo Mercadante em 2018. Em nome
da igualdade, todos os restaurantes teriam que fornecer o mesmo cardápio pelo
mesmo preço. Frango era item de luxo, e custava muito caro. Continuei faminto.
Veio em minha direção uma multidão de
mulheres desesperadas protestando. Quis saber o que era aquilo, e me explicaram
que, em 2014, quase todas as empregadas domésticas perderam seus empregos por
causa de mudanças nas leis. Havia ficado proibitivo contratá-las. Desde então,
elas vagam pelas ruas protestando e mendigando, sem oportunidades de emprego.
“O inferno está cheio de boas intenções”, pensei.
Um rebuliço começou perto de mim, e
uma tropa de choque surgiu do nada e arrastou um sujeito até a cadeia. Descobri
que ele foi acusado de homofobia e enquadrado na Lei Jean Willys, pegando 10
anos de prisão por ter dito abertamente que preferia um filho heterossexual a
um filho gay. A pena foi acrescida de 2 anos pelo uso do termo gay, em vez de
“homoafetivo”.
Desesperado com tudo, eu ajustei
minha máquina de volta para 2013, decidido a fazer o que estivesse ao meu
limitado alcance para impedir um futuro tão maldito do meu país.
Colaboração Rodrigo Constantino
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