sábado, 3 de agosto de 2013

CHARNECA EM FLOR 1931

Florbela Espanca

NR/ Ousada e irreverente, Florbela Espanca foi a maior poetisa portuguesa.


Amar, amar; amar; amar siempre y con todo 
El ser y con la tierra y con el cielo,


Com lo claro del sol y lo obscuro del lodo.
Amar por toda ciencia y amar por todo anhelo.

Y cuando la montana de la vida 
Nos sea dura y larga, y alta, y llena de abismos, 
Amar la inmensidad, que es de amor encendida, 
Y arder em la fusión de nuestros pechos mismos...

Rubén Darío

CHARNECA EM FLOR
Enche o meu peito, num encanto mago,
O frêmito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E nesta febre ansiosa que me invade, 
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E, já não sou, Amor, Sóror Saudade...

Olhos a arder em êxtases de amor, 
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!


VERSOS DE ORGULHO
O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém!

Porque o meu Reino fica para Além!
Porque trago no olhar os vastos céus,
E os oiros e os clarões são todos meus!
Porque Eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!

O mundo! O que é o mundo, ó meu amor?!
O jardim dos meus versos todo em flor,
A seara dos teus beijos, pão bendito,

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços...
São os teus braços dentro dos meus braços:
Via Láctea fechando o Infinito!...


RÚSTICA
Ser a moça mais linda do povoado.
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.

Um vestido de chita bem lavado, 
Cheirando a alfazema e a tomilho... 
- Com o luar matar a sede ao gado, 
Dar às pombas o sol num grão de milho...

Ser pura como a água da cisterna, 
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à "terra da verdade"...

Deus, dai-me esta calma, esta pobreza! 
Dou por elas meu trono de Princesa, 
E todos os meus Reinos de Ansiedade.


REALIDADE
Em ti o meu olhar fez-se alvorada,
E a minha voz fez-se gorjeio de ninho,
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho.

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada,
E a minha cabeleira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho.

Minhas pálpebras são cor de verbena, 
Eu tenho os olhos garços, sou morena, 
E para te encontrar foi que eu nasci...

Tens sido vida fora o meu desejo, 
E agora, que te falo, que te vejo, 
Não sei se te encontrei, se te perdi...


CONTO DE FADAS
Eu trago-te nas mãos o esquecimento 
Das horas más que tens vivido, Amor! 
E para as tuas chagas o ungüento 
Com que sarei a minha própria dor.

Os meus gestos são ondas de Sorrento... 
Trago no nome as letras de uma flor... 
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento...

Dou-te o que tenho: o astro que dormita, 
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é d'oiro, a onda que palpita.

Dou-te comigo o mundo que Deus fez! 
- Eu sou Aquela de quem tens saudade, 
A Princesa do conto: “Era uma vez...”



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