Fernando
Alcoforado*
A Síria enfrenta, desde março de
2011, uma guerra civil que já deixou em torno de 100
mil mortos, destruiu a
infraestrutura do país e gerou uma gigantesca crise humanitária.
Devido ao conflito, mais de 2
milhões de sírios deixaram o país rumo aos países
vizinhos provocando uma imensa
crise de refugiados. O presidente sírio Bashar al-
Assad, da minoria muçulmana
alauíta, enfrenta uma rebelião armada que tenta derrubá-lo.
No início, a rebelião tinha um
caráter pacífico, com a maioria muçulmana sunita e a
população em geral reivindicando
mais democracia e liberdades individuais. Mas, aos
poucos, com a repressão violenta
das forças de segurança, ela foi se transformando em
uma revolta armada.
O presidente Bashar al-Assad
argumenta que a rebelião é insuflada por terroristas
internacionais, entre os quais a
rede terrorista Al-Qaeda, contando com o apoio das
potências ocidentais e que está
apenas se defendendo para manter a integridade
nacional. É muito grande o perigo
de, caso o regime de Assad seja derrubado, o poder
cair em mãos dos fundamentalistas
islâmicos ligados à Al Qaeda que compõem, a maior
força militar dentro do país
depois do Exército sírio. Os Estados Unidos ainda estão
reticentes em intervir na região
uma vez que a rebelião é cada vez mais dominada por
militantes islâmicos com vínculos
com a rede terrorista Al-Qaeda. A guerra civil síria
está revivendo as tensões da
Guerra Fria entre Ocidente e Oriente porquanto os Estados
Unidos, as demais potências
ocidentais e alguns países árabes como a Arábia Saudita
apoiam os rebeldes, enquanto a
Rússia e a China dão sustentação a Bashar al-Assad.
Não há dúvidas de que muitas
ações violentas e repressões brutais estão sendo
praticadas na Síria pelo regime
de Bashar al-Assad em contraposição às manifestações
da população contra a ditadura e
a ação de grupos opositores armados pelas potências
ocidentais lideradas pelos
Estados Unidos. Entre os grupos opositores armados do
ditador sírio Bashar al-Assad,
encontram-se antigos militares, desertores, que se uniram
aos combatentes, além de
terroristas internacionais, seguindo-se ao que ocorreu na
Líbia, quando parte dos ministros
abandonaram o governo e levaram consigo muitos
militares, que reforçaram a base
de oposição a Kadafi e se constituíram nos principais
aliados internos da OTAN
(Organização do Tratado do Atlântico Norte), o que terminou
por levar à destruição do regime
de Muamar Kadafi.
Da mesma forma que houve a
justificativa para a intervenção militar no Iraque sob a
alegação não confirmada da
existência de armas de destruição em massa, a intervenção
na Síria pode acontecer sob a
justificativa de que o governo de Bashar al-Assad teria
realizado recentemente ataque
químico matando mais de 300 pessoas, muitas delas
crianças, na periferia da capital
do país, Damasco. Rebeldes acusam o governo do
presidente Bashar al-Assad de
estar por trás da operação. Assad, por sua vez, contesta
afirmando que a responsabilidade
pelo uso de armas químicas é dos rebeldes para
criarem a motivação para uma
intervenção militar estrangeira em apoio a eles e
acrescenta que não faria sentido
para o seu governo usar armas químicas naquela
situação, já que não existe uma
linha de frente definida entre as forças leais ao regime e
os rebeldes.
Os rumores de uma intervenção
armada dos países ocidentais na Síria são cada vez mais
2
insistentes na imprensa
internacional. O chanceler britânico, William Hague, afirmou
que o Reino Unido e as potências
ocidentais podem intervir militarmente na Síria
mesmo sem ter o aval de todos os
membros do Conselho de Segurança da ONU, como
aconteceu no Iraque e na Líbia.
Sob o pretexto de combate a um regime desumano
como o da Síria, os Estados
Unidos e outras potências ocidentais buscam atingir a dois
objetivos estratégicos, não
apenas no que concerne ao controle das principais fontes
produtoras de petróleo do mundo,
mas também para assegurar a sobrevivência do
Estado de Israel, ponta de lança
dos seus interesses na região.
Pode-se afirmar que a intervenção
das potências ocidentais no Oriente Médio, ao lado
de grupos rebeldes apoiados pela
CIA, se explicaria também pela pretensão dos Estados
Unidos, da Grã-Bretanha e da
França de reforçar o papel das potências ocidentais na
região, bem como impor limites ao
processo de democratização dos países árabes.
Ressalte-se que a Síria tem uma
importância estratégica fundamental porque é a última
pedra do xadrez geopolítico
existente na região, cuja queda levaria ao cerco do Irã,
possibilitando aos aliados
ocidentais atingirem o território deste país pelo Mar
Mediterrâneo e pelo Iraque que
garantiria passagem para tropas aliadas atingirem
fronteiras iranianas.
A Síria, que faz fronteira com
Israel, sempre foi importante no Oriente Médio e,
sobretudo hoje, faz parte de um
xadrez geopolítico muito delicado porque é um país
aliado do Irã, junto com quem
patrocina movimentos terroristas extremamente
agressivos, como o Hezbollah e o
Hamas em oposição ao Estado de Israel. A Síria não é
o alvo final. A queda do regime
da Síria tem como objetivo conter o fortalecimento do
Irã, cuja capacidade de produzir
armas nucleares o tornaria praticamente inatingível no
Oriente Médio e o transformaria
numa potência regional com condições de controlar a
região detentora das maiores
reservas de petróleo do mundo. Enfim, é tudo isso que está
em jogo. Muito provavelmente, se
ocorrer o fim do regime de Bashar al-Assad na Síria
em consequência das revoltas
populares e das ações de agentes infiltrados, somente
aumentará mais ainda a
instabilidade na região como ocorreu no Iraque, Afeganistão,
Líbia, Egito e Iêmen.
Por sua vez, a Rússia tem grandes
interesses na região, porque há muito tempo, desde a
década de 1950, tem uma aliança
com a Síria. Com a ajuda da Rússia, a Síria tem
recebido grandes carregamentos de
armas e implantou uma ampla rede de defesa aérea,
que poderia tornar difícil a
manutenção de uma zona de exclusão aérea imposta pela
ONU, caso fosse implementada no
futuro. Há que se considerar também o fato que é
através da Síria que a Rússia
consegue monitorar o Mediterrâneo, com a base militar de
Tartur, ali instalada, a única da
marinha que ela possui fora de seu território. Trata-se,
portanto, de um confronto
geopolítico muito amplo de vários matizes existente na
região. Ressalte-se que a Síria
tem um Exército poderoso, equipado com armamentos
fornecidos principalmente pela
Rússia e pelo Irã. A Síria possui aviões comandados por
controle remoto, fornecidos pelo
Irã. A Síria conta também com dois poderosos aliados,
a Rússia e a China no Conselho de
Segurança da ONU. Levando em conta os resultados
catastróficos da intervenção da
OTAN na Líbia, Rússia e China resolveram endurecer
suas posições no Conselho de
Segurança da ONU e dificultar as tentativas dos Estados
Unidos e demais aliados
ocidentais de repetir a mesma estratégia na Síria.
É praticamente impossível aprovar
uma nova resolução no Conselho de Segurança para
intervir militarmente na Síria.
Enquanto isso cresce a impaciência de Israel, que passa a
ver dificuldades para um possível
ataque das potências ocidentais ao Irã com a anuência
da ONU. Caso não se dê
rapidamente a queda do governo da Síria, impossibilitando um
cerco seguro ao Irã, a tendência
é que Israel resolva atacar o país persa, acreditando que
o tempo beneficia os iranianos,
dando-lhes condições de aperfeiçoar sua capacidade de
lidar com a energia nuclear. O
receio de que o Irã construa artefatos atômicos que
ameacem Israel, já que possui
mísseis com capacidade de deslocá-los a centenas de
quilômetros, tem muito mais a ver
com a hegemonia geopolítica naquela região.
*Fernando Alcoforado, 72,
engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional
pela Universidade de Barcelona,
professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico,
planejamento empresarial,
planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos
livros Globalização (Editora
Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem
Mundial (Editora Nobel,
São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000),
Os condicionantes
do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento
(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos
Estratégicos na
Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the
Economic and
Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr.
Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (P&A Gráfica
e Editora, Salvador, 2010) e Amazônia Sustentável- Para o progresso do
Brasil
e combate ao aquecimento global (Viena-
Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) ,entre outros.
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