sábado, 3 de agosto de 2013

OITO SONETOS

                                                 de Cláudio Manoel da Costa



I

Para cantar de amor tenros cuidados, 
Tomo entre vós, ó montes, o instrumento; 

Ouvi pois o meu fúnebre lamento;
Se é, que de compaixão sois animados:

Já vós vistes, que aos ecos magoados
Do trácio Orfeu parava o mesmo vento;
Da lira de Anfião ao doce acento
Se viram os rochedos abalados.

Bem sei, que de outros gênios o Destino,
Para cingir de Apolo a verde rama,
Lhes influiu na lira estro divino: 

O canto, pois, que a minha voz derrama,
Porque ao menos o entoa um peregrino,
Se faz digno entre vós também de fama. 


II

Leia a posteridade, ó pátrio Rio,
Em meus versos teu nome celebrado;
Por que vejas uma hora despertado
O sono vil do esquecimento frio: 

Não vês nas tuas margens o sombrio,
Fresco assento de um álamo copado;
Não vês ninfa cantar, pastar o gado
Na tarde clara do calmoso estio.

Turvo banhando as pálidas areias 
Nas porções do riquíssimo tesouro 
O vasto campo da ambição recreias.

Que de seus raios o planeta louro 
Enriquecendo o influxo em tuas veias,
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.
III

Pastores, que levais ao monte o gado,
Vêde lá como andais por essa serra;
Que para dar contágio a toda a terra,
Basta ver se o meu rosto magoado:

Eu ando (vós me vêdes) tão pesado; 
E a pastora infiel, que me faz guerra,
É a mesma, que em seu semblante encerra 
A causa de um martírio tão cansado.

Se a quereis conhecer, vinde comigo, 
Vereis a formosura, que eu adoro; 
Mas não; tanto não sou vosso inimigo:

Deixai, não a vejais; eu vo-lo imploro; 
Que se seguir quiserdes, o que eu sigo, 
Chorareis, ó pastores, o que eu choro.
IV

Sou pastor; não te nego; os meus montados 
São esses, que aí vês; vivo contente 
Ao trazer entre a relva florescente 
A doce companhia dos meus gados;

Ali me ouvem os troncos namorados, 
Em que se transformou a antiga gente; 
Qualquer deles o seu estrago sente; 
Como eu sinto também os meus cuidados.

Vós, ó troncos, (lhes digo) que algum dia
Firmes vos contemplastes, e seguros 
Nos braços de uma bela companhia;

Consolai-vos comigo, ó troncos duros; 
Que eu alegre algum tempo assim me via; 
E hoje os tratos de Amor choro perjuros.
V

Se sou pobre pastor, se não governo
Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verão, outono, estio, inverno; 

Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes 
Dessa grande fortuna: assaz presentes 
Tenho as paixões desse tormento eterno.

Adorar as traições, amar o engano, 
Ouvir dos lastimosos o gemido, 
Passar aflito o dia, o mês, e o ano;

Seja embora prazer; que a meu ouvido 
Soa melhor a voz do desengano, 
Que da torpe lisonja o infame ruído.


VI

Brandas ribeiras, quanto estou contente 
De ver nos outra vez, se isto é verdade! 
Quanto me alegra ouvir a suavidade, 
Com que Fílis entoa a voz cadente!

Os rebanhos, o gado, o campo, a gente, 
Tudo me está causando novidade: 
Oh como é certo, que a cruel saudade 
Faz tudo, do que foi, mui diferente!

Recebei (eu vos peco) um desgraçado, 
Que andou té agora por incerto giro 
Correndo sempre atrás do seu cuidado:

Este pranto, estes ais, com que respiro, 
Podendo comover o vosso agrado, 
Façam digno de vós o meu suspiro.
VII

Onde estou? Este sítio desconheço:
Quem fez tão diferente aquele prado? 
Tudo outra natureza tem tomado; 
E em contemplá-lo tímido esmoreço.

Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço 
De estar a ela um dia reclinado: 
Ali em vale um monte está mudado:
Quanto pode dos anos o progresso!

Árvores aqui vi tão florescentes, 
Que faziam perpétua a primavera: 
Nem troncos vejo agora decadentes.

Eu me engano: a região esta não era:
Mas que venho a estranhar, se estão presentes 
Meus males, com que tudo degenera!


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