O que as mulheres fazem
quando estão com elas mesmas
*por Ivan Martins
Ontem eu
levei uma bronca da minha prima. Como leitora regular desta
coluna, ela se queixou, docemente, de que eu às vezes escrevo
sobre solidão feminina com alguma incompreensão.
Ao ler o
que eu escrevo, ela disse, as pessoas podem ter a impressão de
que as mulheres sozinhas estão todas desesperadas e não é
assim. Muitas mulheres estão sozinhas e estão bem. Escolhem
ficar assim, mesmo tendo alternativas. Saem com um sujeito lá e
outro aqui, mas acham que nenhum deles cabe na vida delas.
Nessa circunstância, decidem continuar sozinhas.
Minha prima
sabe do que está falando. Ela foi casada muito tempo, tem duas
filhas adoráveis, ela mesma é uma mulher muito bonita, batalhadora,
independente e mora sozinha.
Ontem,
enquanto a gente tomava uma taça de vinho e comia uma tortilha
ruim no centro de São Paulo, ela me lembrou de uma coisa
importante sobre as mulheres: o prazer que elas têm de estar
com elas mesmas.
Eu gosto de
cuidar do cabelo, passar meus cremes, sentar no sofá com a
cachorra nos pés e curtir a minha casa, disse a prima. Não
preciso de mais ninguém para me sentir feliz nessas horas.
Faz alguns
anos, eu estava perdidamente apaixonado por uma moça e, para
meu desespero, ela dizia e fazia coisas semelhantes ao que
conta a minha prima. Gostava de deitar na banheira, de acender
velas, de ficar ouvindo música ou ler. Sozinha. E eu sentia
ciúme daquela felicidade sem mim, achava que era um sintoma de
falta de amor.
Hoje,
olhando para trás, acho que não tinha falta de amor ali. Eu que
era desesperado, inseguro, carente. Tivesse deixado a mulher em
paz, com os silêncios e os sais de banho dela, e talvez tudo
tivesse andado melhor do que andou.
Ontem, ao
conversar com a minha prima, me voltou muito claro uma
percepção que sempre me pareceu assombrosamente evidente: a
riqueza da vida interior das mulheres comparada à vida interior
dos homens, que é muito mais pobre.
A
capacidade de estar só e de se distrair consigo mesma revela
alguma densidade interior, mostra que as mulheres (mais que os
homens) cultivam uma reserva de calma e uma capacidade de
diálogo interno que muitos homens simplesmente desconhecem.
A maior
parte dos homens parece permanentemente voltada para fora.
Despeja seus conflitos interiores no mundo, alterando o que
está em volta. Transforma o mundo para se distrair, para não
ter de olhar para dentro, onde dói.
Talvez por
essa razão a cultura masculina seja gregária, mundana, ruidosa.
Realizadora, também, claro. Quantas vuvuzelas é preciso soprar
para abafar o silêncio interior? Quantas catedrais para
preencher o meu vazio? Quantas guerras e quantas mortes para
saciar o ódio incompreensível que me consome?
A cultura
feminina não é assim. Ou não era, porque o mundo, desse ponto
de vista, está se tornando masculinizado. Todo mundo está
fazendo barulho. Todo mundo está sublimando as dores íntimas em
fanfarra externa. Homens e mulheres estão voltados para fora,
tentando fervorosamente praticar a negligência pela vida interior
com apoio da publicidade.
Se todo
mundo ficar em casa com os seus sentimentos, quem vai comprar
todas as bugigangas, as beberagens e os serviços que o pessoal
está vendendo por aí, 24 horas por dia, sete dias por semana?
Tem de ser superficial e feliz. Gastando senão a economia não
anda.
Para
encerrar, eu não acho que as diferenças entre homens e mulheres
sejam inatas. Nós não nascemos assim. Não acredito que esteja
em nossos genes. Somos ensinados a ser o que somos.
Homens saem
para o mundo e o transformam, enquanto as mulheres mastigam
seus sentimentos, bons e maus, e os passam adiante, na rotina
da casa. Tem sido assim por gerações e só agora começa a mudar.
O que virá da transformação é difícil dizer.
Mas,
enquanto isso não muda, talvez seja importante não subestimar a
cultura feminina. Não imaginar, por exemplo, que atrás de toda
solidão há desespero. Ou que atrás de todo silêncio há tristeza
ou melancolia. Pode haver escolha.
Como diz a
minha prima, ficar em casa sem companhia pode ser um bom
programa desde que as pessoas gostem de si mesmas e sejam
capazes de suportar os seus próprios pensamentos.
Repasse
para suas amigas, especialmente para as que não sabem fazer sua
"solidão contente!" e para seus amigos entenderem e
valorizarem a riqueza interior de certas mulheres comparada aos
homens.
*Ivan Martins é editor-executivo de ÉPOCA
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário