Crônica
de Mario de Almeida*
Sento-me diante do computador para escrever esta
coluna. Assunto? Diversos: a falta de comida para os miseráveis (comida existe,
o que não existe é a distribuição para os miseráveis); a oferta de educação
para todas as classes sociais; o excesso de automóveis nas ruas, ou a falta de
ruas para tantos automóveis, enfim, assuntos não faltam, o que falta é apetite
para escolher um e mergulhar no jogo de palavras. O desaparecimento do Amarildo
poderia gerar uma bela crônica, como fez Drummond no poema O desaparecimento de Luísa Porto.
Drummond? Peraí: Onde não há jardim, as flores
nascem de um secreto investimento em formas improváveis. Esses
versos do poeta maior em Campo de flores sugerem
o caminho das pedras.
Salta uma crônica sobre versos que impregnam a admiração do colunista,
sem ideia de antologia ou coisa parecida. Versos, apenas versos, poemas ou
fragmentos de poemas. Versos...
Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos.
(Soneto - Mário Quintana)
Desconjuntam os ossos doloridos.
(Soneto - Mário Quintana)
Liberdade – essa palavra,
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!
(Cecília Meireles – Romanceiro da Inconfidência)
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!
(Cecília Meireles – Romanceiro da Inconfidência)
A praça, a praça é do Povo!
Como o céu é do Condor!
(A Praça – Castro Alves)
Como o céu é do Condor!
(A Praça – Castro Alves)
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!...
Silêncio!... Musa! chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto...
(Navio Negreiro – Castro Alves)
Que impudente na gávea tripudia?!...
Silêncio!... Musa! chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto...
(Navio Negreiro – Castro Alves)
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena! Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
(Erro de português – Oswald de Andrade)
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena! Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
(Erro de português – Oswald de Andrade)
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
(No meio do caminho tinha uma pedra – Carlos Drummond)
Tinha uma pedra no meio do caminho
(No meio do caminho tinha uma pedra – Carlos Drummond)
Era preciso que um poeta brasileiro,
não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa,
girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver
como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,
era preciso que esse pequeno cantor teimoso,
de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior
onde nem sempre se usa gravatas mas todos são extremamente polidos
e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia,
não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa,
girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver
como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,
era preciso que esse pequeno cantor teimoso,
de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior
onde nem sempre se usa gravatas mas todos são extremamente polidos
e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia,
era preciso que um antigo rapaz de vinte anos,
preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersos no tempo,
viesse recompô-los e, homem maduro, te visitasse
para dizer-te algumas coisas, sobcolor de poema.
(Canto ao homem do povo Charlie Chaplin – Carlos Drummond)
preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersos no tempo,
viesse recompô-los e, homem maduro, te visitasse
para dizer-te algumas coisas, sobcolor de poema.
(Canto ao homem do povo Charlie Chaplin – Carlos Drummond)
Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.
(Campo de flores – Carlos Drummond)
secreto investimento em formas improváveis.
(Campo de flores – Carlos Drummond)
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
(Irene no céu – Manuel Bandeira)
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
(Irene no céu – Manuel Bandeira)
Tu queres ilha: despe-te das coisas,
das excrescências, tira de teus olhos
as vidraças e os véus, sapatos de
teus pés, e roupas, calos, botões e
também as faces que se colam à
tua, e os braços alheios que te abraçam
e os pés que querem ir por ti, e as moças
que querem te esposar, e os ais (não ouças!)
(Invenção de Orfeu – Jorge de Lima)
das excrescências, tira de teus olhos
as vidraças e os véus, sapatos de
teus pés, e roupas, calos, botões e
também as faces que se colam à
tua, e os braços alheios que te abraçam
e os pés que querem ir por ti, e as moças
que querem te esposar, e os ais (não ouças!)
(Invenção de Orfeu – Jorge de Lima)
Amor chovia
Choveriscou
Tava lavando roupa maninha
quando boto me pegou
Ó Joaninha Vintém
Boto era feio ou não?
Ai era um moço loiro, maninha
tocador de violão
Me pegou pela cintura...
Depois o que aconteceu?
Gente!
Olhe a tapioca embolando nos tachos
Mas que Boto safado!
(Cobra Norato – Raul Bopp)
Choveriscou
Tava lavando roupa maninha
quando boto me pegou
Ó Joaninha Vintém
Boto era feio ou não?
Ai era um moço loiro, maninha
tocador de violão
Me pegou pela cintura...
Depois o que aconteceu?
Gente!
Olhe a tapioca embolando nos tachos
Mas que Boto safado!
(Cobra Norato – Raul Bopp)
Ouve como o silêncio
Se fez de repente
Para o nosso amor
Se fez de repente
Para o nosso amor
Horizontalmente...
(Oxford – Vinicius de Morais)
(Oxford – Vinicius de Morais)
Hora de comer — comer!
Hora de dormir — dormir!
Hora de vadiar — vadiar!
Hora de dormir — dormir!
Hora de vadiar — vadiar!
Hora de trabalhar?
— Pernas pro ar que ninguém é de ferro!
(Filosofia – Ascenso Ferreira)/
— Pernas pro ar que ninguém é de ferro!
(Filosofia – Ascenso Ferreira)/
Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora.
(Dualismo – Olavo Bilac)
Um demônio que ruge e um deus que chora.
(Dualismo – Olavo Bilac)
Foi em março, ao findar das chuvas, quase à entrada
Do outono, quando a terra, em sede requeimada,
Bebera longamente as águas da estação,
– Que, em bandeira, buscando esmeraldas e prata,
À frente dos peões filhos da rude mata,
Fernão Dias Pais Leme entrou pelo sertão.
(O Caçador de Esmeraldas – Olavo Bilac)
Do outono, quando a terra, em sede requeimada,
Bebera longamente as águas da estação,
– Que, em bandeira, buscando esmeraldas e prata,
À frente dos peões filhos da rude mata,
Fernão Dias Pais Leme entrou pelo sertão.
(O Caçador de Esmeraldas – Olavo Bilac)
Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.
(O Relógio – João Cabral de Melo Neto)
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.
(O Relógio – João Cabral de Melo Neto)
A porta do barraco
Era sem trinco
E a lua, furando o nosso zinco
Salpicava de estrelas
O nosso chão...
E tu
Tu pisavas nos astros distraída
Sem saber que a ventura desta vida,
É a cabrocha,
O luar
E o violão...
(Chão de estrelas – Orestes Barbosa/Sílvio Caldas)
Era sem trinco
E a lua, furando o nosso zinco
Salpicava de estrelas
O nosso chão...
E tu
Tu pisavas nos astros distraída
Sem saber que a ventura desta vida,
É a cabrocha,
O luar
E o violão...
(Chão de estrelas – Orestes Barbosa/Sílvio Caldas)
Sou Flamengo e tenho uma nega chamada Tereza
(Paraíso Tropical – Jorge Ben Jor)
(Paraíso Tropical – Jorge Ben Jor)
Inté.
*Mario
de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio's,
caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "O Comércio no Brasil –
Iluminando a Memória" (Confederação Nacional do Comércio),
"Confederação Nacional do Comércio - 60 Anos" (CNC); co-autor, com
Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos);
um dos autores de “64 Para não esquecer” (Literalis) e do “Almanaque do
Camaleão” (Léo Christiano Editorial). Reside no Rio e há anos é diretor-editor
de AciBarra em revista.
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