quinta-feira, 19 de setembro de 2013

QUASE BIOGRAFIAS DE JAGUNÇOS

Texto de José Calasans*

Os vencidos também merecem um lugar na História. Não devem ficar no anonimato. Precisam desfrutar da situação definida do “quem era quem”. Assim pensando, julgamos que a gente humilde que lutou, matou e morreu na guerra fratricida de Canudos, o Belo Monte de Antonio Conselheiro, faz jus a ingressar num texto de caráter biográfico. Recolhemos dados para tal fim em livros, jornais, manuscritos e, sobretudo, ouvindo vários sertanejos, alguns sobreviventes do séquito do Bom Jesus Conselheiro, podendo arrumar, como o fazemos no presente trabalho, nomes de jagunços conselheiristas, famosos uns, pouco conhecidos outros,
que acreditaram na missão e nos conselhos de Antonio Vicente Mendes Maciel, Antonio Conselheiro de alcunha, também apelidado Antonio dos Mares, Santo Antonio Aparecido, Santo Conselheiro, Bom Jesus.
Durante mais de 30 anos, desde 1951, vimos estudando o Conselheiro e sua época, aprendendo muita coisa a respeito dos sertões de antanho e de hoje, parecidos, em muitos aspectos, com seu povo sofredor e messiânico. Dir-se-ia até que nos familiarizamos com a jagunçada do século passado de tanto ouvir história e estórias, escritas e faladas, sobre a época do Santo Conselheiro. Ficamos conhecendo o modo de ser e de atuar de muitos e muitos jagunços. O autoritarismo de João Abade, o “chefe do povo”, “comandante da rua”, responsável pela segurança pessoal de Antonio Conselheiro e pela defesa do Belo Monte; a coragem do filho de Macambira, que tentou tomar, “na unha”, a “matadeira”, poderoso canhão da tropa do general Artur Oscar; as invencionices de José Félix, o “taramela", que “punha cartas” e imaginava coisas; o senso econômico de Antonio Vilanova, cearense astuto, alma de mercador; o desprendimento de Marciano de Sergipe, homem de posses; as sentenciosas palavras de Pedrão; o desenganado heroísmo de Timotinho, o sineiro; as bravatas do negro Pajeú; as mezinhas de Manuel Quadrado, o tratador do Conselheiro; a voz melodiosa de José Beatinho, que sabia tirar rezas; o prestígio de Joaquim Macambira entre os comerciantes das redondezas de Canudos; os recursos econômicos de Antonio da Mata, negociante de couro e de balcão, natural do povoado; José Venâncio, acusado de muitos crimes de morte; a ação da velha Benta, parteira e mulher de negócios; o papel de Leão Ramos, também conhecido por Leão de Natuba, escrevendo os textos ditados pelo chefe carismático; o preto Vicentão, com fama de malvado; mestre Faustino, entalhador de primeira; Norberto, proprietário e comerciante; Ana, que preparava a frugal alimentação de Antonio Conselheiro; Antonio, o Beatinho, que se fez conhecido da soldadesca no ocaso do império do Belo Monte. Conhecedor de informações várias, resolvemos alinhar nomes de conselheiristas no maior número que nos foi possível, algumas vezes apenas em duas ou três linhas, numa despretensiosa apresentação de achegas ao estudo do episódio Canudos, que tanto tem merecido a atenção dos historiadores, dos sociólogos, dos romancistas, dos teatrólogos, dos cordelistas,  dos escultores populares, dos pintores, numa inequívoca demonstração do seu ignificado na vida brasileira. Antes, porém, de uma possível contribuição de caráter histórico, queremos que estas linhas constituam uma homenagem à memória dos sertanejos aqui em nominata, que representam os milhares de jagunços, homens e mulheres, crianças e velhos, caboclos, negros, mulatos e brancos, os seguidores do Nosso Pai Conselheiro. A gente do seu séquito.

NR/ Entre meus guardados possuo este texto enviado por José Calazans, datado e assinado pelo autor, e com breve recado pessoal. Reproduzo-o, com a finalidade de mostrar a grandeza de Calazans em toda a sua capacidade de pesquisador consumado, aliada a de sua excelência narrativa. Pena que o câncer que o consumiu tenha abortado o seu desejo de deixar uma obra marcante sobre os seus estudos da gente nordestina. LCFACÓ

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