Texto de José Calasans*
Os vencidos
também merecem um lugar na História. Não devem ficar no anonimato. Precisam
desfrutar da situação definida do “quem era quem”. Assim pensando, julgamos que
a gente humilde que lutou, matou e morreu na guerra fratricida de Canudos, o
Belo Monte de Antonio Conselheiro, faz jus a ingressar num texto de caráter
biográfico. Recolhemos dados para tal fim em livros, jornais, manuscritos e,
sobretudo, ouvindo vários sertanejos, alguns sobreviventes do séquito do Bom
Jesus Conselheiro, podendo arrumar, como o fazemos no presente trabalho, nomes
de jagunços conselheiristas, famosos uns, pouco conhecidos outros,
que
acreditaram na missão e nos conselhos de Antonio Vicente Mendes Maciel, Antonio
Conselheiro de alcunha, também apelidado Antonio dos Mares, Santo Antonio
Aparecido, Santo Conselheiro, Bom Jesus.
Durante mais
de 30 anos, desde 1951, vimos estudando o Conselheiro e sua época, aprendendo
muita coisa a respeito dos sertões de antanho e de hoje, parecidos, em muitos
aspectos, com seu povo sofredor e messiânico. Dir-se-ia até que nos
familiarizamos com a jagunçada do século passado de tanto ouvir história e
estórias, escritas e faladas, sobre a época do Santo Conselheiro. Ficamos
conhecendo o modo de ser e de atuar de muitos e muitos jagunços. O
autoritarismo de João Abade, o “chefe do povo”, “comandante da rua”,
responsável pela segurança pessoal de Antonio Conselheiro e pela defesa do Belo
Monte; a coragem do filho de Macambira, que tentou tomar, “na unha”, a
“matadeira”, poderoso canhão da tropa do general Artur Oscar; as invencionices
de José Félix, o “taramela", que “punha cartas” e imaginava coisas; o
senso econômico de Antonio Vilanova, cearense astuto, alma de mercador; o
desprendimento de Marciano de Sergipe, homem de posses; as sentenciosas
palavras de Pedrão; o desenganado heroísmo de Timotinho, o sineiro; as bravatas
do negro Pajeú; as mezinhas de Manuel Quadrado, o tratador do Conselheiro; a
voz melodiosa de José Beatinho, que sabia tirar rezas; o prestígio de Joaquim
Macambira entre os comerciantes das redondezas de Canudos; os recursos
econômicos de Antonio da Mata, negociante de couro e de balcão, natural do
povoado; José Venâncio, acusado de muitos crimes de morte; a ação da velha
Benta, parteira e mulher de negócios; o papel de Leão Ramos, também conhecido
por Leão de Natuba, escrevendo os textos ditados pelo chefe carismático; o
preto Vicentão, com fama de malvado; mestre Faustino, entalhador de primeira;
Norberto, proprietário e comerciante; Ana, que preparava a frugal alimentação
de Antonio Conselheiro; Antonio, o Beatinho, que se fez conhecido da soldadesca
no ocaso do império do Belo Monte. Conhecedor de informações várias, resolvemos
alinhar nomes de conselheiristas no maior número que nos foi possível, algumas
vezes apenas em duas ou três linhas, numa despretensiosa apresentação de
achegas ao estudo do episódio Canudos, que tanto tem merecido a atenção dos
historiadores, dos sociólogos, dos romancistas, dos teatrólogos, dos cordelistas, dos escultores populares, dos pintores, numa
inequívoca demonstração do seu ignificado na vida brasileira. Antes, porém, de
uma possível contribuição de caráter histórico, queremos que estas linhas constituam
uma homenagem à memória dos sertanejos aqui em nominata, que representam os
milhares de jagunços, homens e mulheres, crianças e velhos, caboclos, negros,
mulatos e brancos, os seguidores do Nosso Pai Conselheiro. A gente do seu
séquito.
NR/ Entre meus guardados possuo este texto enviado por José
Calazans, datado e assinado pelo autor, e com breve recado pessoal.
Reproduzo-o, com a finalidade de mostrar a grandeza de Calazans em toda a sua
capacidade de pesquisador consumado, aliada a de sua excelência narrativa. Pena
que o câncer que o consumiu tenha abortado o seu desejo de deixar uma obra
marcante sobre os seus estudos da gente nordestina. LCFACÓ
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