Sumé
Sumé, Pai Sumé ("pajé Sumé"), Zomé ou (em grafia francesa) Sommay é um personagem misterioso, que, antes do
descobrimento teria aparecido entre os indígenas, ensinando-lhes o cultivo da
terra e regras morais. Com sua ajuda os indígenas plantaram sementes variadas e
viram nascer a mandioca, o milho e o feijão. Dotado de poderes extraordinários,
era capaz de abrandar chuvas e secas, dominar as ondas do mar e os animais
ferozes. Mas os pajés, invejosos do seu poder, só queriam afastá-lo. Repelido,
abandonou a região, caminhando sobre as águas do mar. Transpondo distâncias com
uma única passada, Sumé livrava-se das flechas que lhe atiravam, fazendo-as
voltar e atingir o inimigo.
A passagem de Sumé pelo litoral fluminense deixou
relatos de feitos extraordinários. No município de Cabo Frio, numa elevação
chamada Morro da Guia, há um banco e marcas de mãos numa pedra que, segundo a
lenda, seriam vestígios de Sumé. Segundo o missionário jesuíta Manuel da
Nóbrega, em Cartas do Brasil (1549):
Dizem eles que São
Tomé, a quem eles chamam Zomé, passou por aqui, e isso lhes ficou por dito de
seus passados e que suas pisadas estão sinaladas junto de um rio; às quais eu
fui verpor mais certeza da verdade e vi com os próprios olhos, quatro pisadas
mui sinaladas com seus dedos, as quais algumas vezes o rio cobre, quando enche;
dizem também que, quando deixou essas pisadas, ia fugindo dos índios, que o
queriam frechar, e chegando ali, se lhe abrira o rio e passara por meio dele a
outra parte, sem se molhar, e dali foi para a Índia. Assim mesmo contam que,
quando o queriam frechar os índios, as frechas se tornavam para eles, e os
matos lhe faziam caminho por onde passasse.
Escreveu Simão de Vasconcelos, em Crônica da Compañia de Jesu do Estado do Brasil (1663):
Também é tradição
antiga entre eles que veio o bem-aventurado apóstolo São Tomé a esta Bahia, e
lhes deu a planta da mandioca e das bananas de São Tomé; e eles, em paga desse
benefício e de lhes ensinar que adorassem e servissem a Deus e não ao Demônio,
que não tivessem mais de uma mulher nem comessem carne humana, o quiseram matar
e comer, seguindo-o com efeito até uma praia donde o santo se passou, de uma
passagem, à ilha de Maré, distância de meia légua, e daí não sabem por onde.
Devia de ser indo para a Índia, que quem tais passadas dava bem podia correr
todas estas terras, e quem as havia de correr também convinha que desse tais
passadas.
Já para Frei André Thevet, Sommay era apenas um "grande pajé e
caraíba".
O irmão José Gregório, na Contribuição Indígena ao Brasil (1980), disse que:
A crença é
documentada de longa data pelo padre João Daniel, quando se refere a uma pedra
lavrada no Xingu, com uma pegada de gente. Há outras provas de que na América
andou e evangelizou o grande apóstolo São Tomé; nos dão bastante fundamento
para suspeitarmos... que neste altar dizia missa; e para testemunha deixou
estampados no pavimento os vocábulos, que nos índios é muito desculpável pela
falta de livros e memórias, que não têm... Por isso se não deve estranhar em
gente tão rude a pequena mudança de T para S,
especialmente ficando tão semelhante o som das palavras Tomé e Sumé.
Humberto de Campos cita:
Ao penetrar na
região das Minas, os bandeirantes descobriram ali uma pequena cordilheira em
cujas pedras se achavam gravados sinais misteriosos. Perguntados os naturais,
estes informaram que esses sinais haviam sido abertos por um ancião de grandes
virtudes... Esse homem chamava-se Tomé ou Sumé. Daí a denominação geográfica, e
ainda preponderante, da Serra de São Tomé das Letras, em Minas Gerais.
Segundo a versão contada por Hernani Donato
em Sumé e Peabiru, Sumé ao ser perseguido pelos tupinambás,
foi para o Paraguai e dali para o Peru. Para esta travessia, teria aberto a
estrada que ficou conhecida como "Peabiru".
Em alguns lugares, como em São
Gabriel da Cachoeira, no rio Negro (Amazonas), os moradores, ainda hoje,
depositam velas e fazem preces em torno de uma forma de pegada feita em uma
rocha. Uns a atribuem a um anjo, outros a São Tomé, ou Pai Sumé. Nas costas da
Bahia, gente simples do povo, também se recreia a percorrer as escarpas
marinhas, onde se supõe terem ficado os indícios da fuga de Sumé. Petróglifos
no mesmo estilo são encontrados na Bolívia e Peru.
Segundo uma lenda contada pela
população do baixo Amazonas, "Quando São Tomé esteve entre os índios,
meteu-se numa igarité com quatro cablocos reforçados, deu um remo a cada um, ficou
no jacumã (remo de popa que serve de leme) e mandou remar rio acima. De vez em
quando um cabloco cansava e parava de remar. O santo não dizia nada, batia com
o jacumã na traseira dele. E onde o jacuman do santo batia, a carne ia
murchando como por milagre."
Sumé é citado quase sempre em
relação a antigas marcas em pedras, freqüentemente petroglifos intencionalmente
criados por culturas pré-históricas, desde "pegadas" quanto pinturas
diversas interpretadas como "letras". Em alguns casos, podem ser
simples marcas naturais que por acaso assemelham-se a pegadas humanas. Tais
marcas eram muito mais disseminadas quando por aqui chegaram os jesuítas, mas o
costume dos colonos de raspar a laje para guardar seus fragmentos como amuletos
ou talismãs destruiu muitas delas e o progresso acelerou a destruição de
outras. Encontram-se no Piauí em Domingos Mourão, Brasileira, Inhuma, Piripiri,
Pimenteiras; em São Gabriel da Cachoeira (Amazonas); São Tomé das Letras
(Minas); Ingá (Paraíba); Altinho (Pernambuco); Carolina (Maranhão) etc.
Marcas análogas existem em várias
partes do mundo, sendo atribuídas a diferentes autores: Jesus, São Bartolomeu,
São Tomé ou heróis míticos. Na ilha de Sri Lanka (antigo Ceilão), uma montanha
guarda uma marca sagrada de um pé humano. Os budistas dizem que é a marca de
Buda; os cristãos a dizem de São Tomé; os hindus a reputam como de seu deus
Shiva; e os muçulmanos e judeus as atribuem a Adão.
No Brasil, os nativos
atribuíam tais marcas ao misterioso estrangeiro a quem chamavam de Sumé, que um
dia esteve entre eles em missão civilizadora. Por semelhança fonética, os
jesuítas o identificaram a São Tomé, tido como o "Apóstolo das
Índias", concluindo que a palavra de Jesus já fora ouvida nesta terra em
tempos idos.
Mais recentemente, as marcas e a tradição de Sumé
foram interpretadas, de maneira superficialmente mais racionalista, como
evidência da presença de exploradores europeus ou fenícios em tempos
pré-colombianos, ou do uso por Tomé de antigos conhecimentos fenicios para
chegar às Américas. O austríaco Schwennhagen, por exemplo, estudou o "Pé de Deus" encontrado em Oeiras, por volta de 1927 e escreveu: “Mesmo sinal
existe em Oeiras, no Piauí, e o povo sempre venerou esse sinal, desde a
antiguidade. A forma do pé, gravada numa chapa de pedra, é uma placa
comemorativa, usada pelos povos antigos para indicar que naquele lugar esteve
um homem, que foi um benfeitor do povo. A travessia de São Tomé pelo Atlântico
nada tem de milagrosa. Naquela época a população das Canárias e das ilhas do
Cabo Verde tinham ainda bons conhecimentos do Brasil e o zeloso apóstolo
procurou uma caravela para ir com seus amigos pregar a nova religião aos povos
do outro lado do oceano”.
Entretanto, muitas das marcas,
precedem o santo cristão - e mesmo os fenícios - em milhares de anos. Tais
interpretações - aplicadas também a figuras míticas de outras culturas
americanas, como Quetzalcóatl e o andino Viracocha, subestimam sistematicamente
as culturas indígenas e sua antiguidade. Até a primeira metade do século XX e,
ocasionalmente, também depois, estiveram freqüentemente associadas a teorias
sobre a superioridade dos europeus ou "arianos": como estes eram
considerados a única "raça" humana dotada de criatividade, todos os
sinais de cultura encontrados em outras raças deveriam ser atribuídos a
contatos antigos com brancos. Daí a ênfase na suposta descrição de tais heróis
civilizadores pelos indígenas como "brancos e barbudos", às vezes até
como "loiros" - caracerísticas que, na verdade, surgem da
reelaboração do mito após os descobrimentos, ou mesmo de sugestões de
missionários ansiosos por identificar os heróis civilizadores indígenas com o
"Apóstolo das Índias".
Fonte:
Fantastipédia
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