Texto de Conrado Matos*
Os supermercados parecem que não têm
muita noção da realidade do bolso do brasileiro. Existem
supermercados que
vendem um mesmo produto com uma disparidade na diferença do preço, que é muito
grande em relação a outro supermercado, às vezes, até da mesma rede. Além do
mais, continuam sem empacotadores. Em alguns casos, sem gerentes para dar
determinadas explicações para o cliente, quando o mesmo precisa, com um péssimo
atendimento, formando filas quilométricas que, até parece que estamos na fila
de um desses hospitais públicos, esperando, já quase morto, para ser atendido.
Está chegando a hora da volta das antigas bodegas, vendas, armazéns e
botequins, que eram instaladas bem pertinho de nós. Em cada esquina tinha uma
bodega, e nos atendiam muito bem.
Lembro que quando me dirigia para
comprar, por exemplo, na bodega do Seu Barriquinha, ele me dava um ótimo
atendimento. E, mais ainda, quando o freguês pedia um quilo de requeijão, o
velho, Seu Barriquinha, dava uma lasca de requeijão para provar a qualidade.
“Se gostar, o freguês leva”. “Se não gostar, o freguês não leva”. Assim falava
Seu Barriquinha. Enquanto os supermercados só querem ganhar, e bom atendimento
e preço bom, nem pensar.
As bodegas de antigamente nos faz
muita falta. O atendimento na mercearia do espanhol, Seu Pepe, era direto no
balcão. Havia mortadela, carne-seca e linguiça, penduradas nos ganchos,
chamando atenção dos olhos do freguês. As prateleiras eram bem arrumadinhas e
limpinhas. As latas de óleo, de sardinha, de quitute, e as garrafas de bebidas,
ficavam nas prateleiras em total organização – tudo em seu devido lugar. Só era
apontar o dedo, e pedir 500g de carne-seca e 100g de toucinho, 100g de
manteiga, 300g de café, um ovo e 500g de açúcar, e, rapidinho leva pra casa.
Até prego, Seu Pepe tinha na sua mercearia. Não faltava nem uma agulha. A
mercadoria era empacotada na hora, nem que fosse embrulhada em papel de jornal.
Nós escolhíamos a mercadoria e o peso que desejávamos, que não é como ocorre
hoje nos supermercados, onde a mercadoria já é pesada e empacotada pelo próprio
estabelecimento, que nos impõe a levar a quantidade que, às vezes, não nos
agrada. A única opção é ainda as feiras livres, mas que estas nem sempre estão
perto de nós, e muitas se encontram sem infraestrutura apropriada para
atendimento ao público, precisando de sérias limpezas e organização de toda
ordem. No passado, existia uma bodega em cada esquina. Só era dar um passo, e
estar dentro de uma bodega. Também, com a violência, assaltos e falta de
segurança, quem poderia se arriscar em abrir uma bodega.
As bodegas, no passado, eram também
locais de encontros para bate-papos entre amigos, onde falavam de si e da vida
alheia. As conversas de botequins, às vezes, eram enriquecedoras, porém, em
determinado momento, eram desagradáveis, ocorrendo brigas, principalmente,
quando se tratava de alguém direcionar um apelido ou chamar o outro de corno.
Nos grandes supermercados, chamados de
hipermercados, as pessoas não têm mais tempo para uma conversa boa, a não ser
se queixar na fila sobre o atendimento, que é estressante.
Em Nossa Senhora de Lourdes, no sertão
de Sergipe, cidade onde vivi quando menino, existia bem no centro da cidade,
numa esquina, a bodega de Antônio Cruz, primo do meu avô. A noitada nessa
bodega era para falar da vida dos outros. Tinha um tal de Zé Gavião que falava
a noite inteira, e fedia feito um bode mau lavado e, sempre no início da noite,
ele tinha uma lorota pra contar. Diziam as más línguas que, Zé Gavião virava
num lobisomem em noite de lua cheia, e pulava, na madrugada, a cerca dos
quintais dos moradores dessa cidade, para roubar bode e galinha. Certa feita,
numa dessas aventuras malditas, Zé Gavião tomou um balaço de espingarda
(garrucha) em uma das pernas, ou sei lá, patas.
No dia seguinte, Zé aparece em carne e
osso, já como gente, vendendo como sempre, a carne de bode na feira da cidade,
com uma das pernas ferida. Foi aquele falatório sem fim na cidade, e a história
entra nas noitadas das bodegas. Nessa época não havia energia elétrica, e haja
lampião e candeeiro acesos por toda noite, para fofocarem sobre Zé Gavião.
Dizem que Zé não morrera porque estava virado em um lobisomem, ou em alguma
coisa monstruosa e diabólica. Alguns diziam que, Zé Gavião tinha ido visitar
mulher dos outros, e levou um chumbo-grosso de garrucha, na perna, pra nuca
mais pular cerca. Que lobisomem esperto e de sorte! Não sei se lobisomem morre.
Nessa pequena cidade, do Estado de
Sergipe, tinha poucas bodegas. Lembro-me da bodega de Antônio Cruz, de Zé
Cotinga, de Eribaldo, de Pinguinha e de Seu Manezinho. Seu manezinho era um
católico bem praticante, e sempre que podia frequentava a igreja todos os dias,
e vivia vestido todo a rigor, no terno preto, usando sapato preto e chapéu da
mesma cor. Seu manezinho não vendia pinga em sua bodega, e nem aceitava fofocas
e baixarias. Só tenho lembrança do papagaio do Seu Manezinho, que gostava de
falar palavrões. Eu não sei como foi que esse papagaio aprendeu ser tão imoral,
já que Seu Manezinho não falava palavrão na frente de ninguém. Eu não sei quem
foi o maldito que ensinou tanta coisa feia a esse bicho. Só pode ser coisa do
capeta.
As conversas em bodegas do interior
eram engraçadas, existia um humor bastante familiar, e dávamos muitas risadas
com as lorotas que eram contadas. As pessoas chamadas de loroteiras gostavam de
mentir só para alegrar o ambiente, contavam piadas ingênuas, estórias de mula
sem cabeça e almas assombradas. Diziam que quando chovia, ao mesmo tempo
fazendo sol, era o casamento do leão com a raposa. Imaginem, só! Nem de hiena,
o leão gosta. Imagine, se o leão iria gostar de raposa. Além do mais, o leão
vive na África, e como viria se parar em plena caatinga do sertão nordestino.
Só se for pra morrer de fome. Pelo o que sei o único leão que vive no Brasil, é
o que é casado com o nosso bolso.
Parecia que as pessoas viviam melhor
assim, bem humoradas, dispostas para contar estórias de lobisomem, e outras
coisas mais. Eram companheiras e carismáticas. Sabiam fazer amigos, e gostavam
de conversar sentados nas portas de suas casas, ou sentados nos bancos das
praças do interior.
O que fazemos para diminuir as filas
chatas dos supermercados de Salvador? Pagar mais pelos produtos que já se
encontram tão elevados? Ou vamos ter que voltar a ser atendidos nos balcões das
antigas bodegas? Os nossos serviços públicos são de péssimo atendimento. As
longas filas continuam acomodadas disfarçadamente, com musiquinha, água gelada
e cafezinho – e não mudou nada. É só balela, e ninguém toma providências. Agora
utilizam cadeiras para os clientes dormirem sentados, enquanto esperam ser
atendidos, no caso, de alguns bancos que nada fizeram para diminuir as longas
filas.
*Conrado Matos é Psicanalista,
Licenciado em Filosofia, Bacharel em teologia e Escritor.
E-mail: psicanaliseconrado@hotmail.com –
Tels: (71) 8717-3210/8103-9431.
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