terça-feira, 29 de outubro de 2013

CONSUELO NOVAIS SAMPAIO

Por JOACI GÓES
É empresário e Membro da Acadêmia de letras da Bahia


A consternação geral pela morte da historiadora Consuelo Novais Sampaio refletiu, com fidelidade, a
expressão do seu valor como intelectual e cidadã.

As personalidades ilustres que compareceram ao funeral, como os membros da Academia de Letras da Bahia a que pertenceu, desde 1992, ocupando a cadeira de n° 40, destinaram a ela as mesmas palavras prenhes da admiração e afeto com que João Ubaldo Ribeiro, de Berlim, nos telefonou para dizer do significado dela para as lides universitárias para cujo brilho tanto contribuiu, com sua obra e carisma que a todos fascinava.

    

Consuelo nasceu em Jequié, Bahia, no dia 16 de fevereiro de 1936. Era a segunda filha de Alarico Sampaio de Sousa, comerciante, e de Dulce Novais, estilista de moda feminina, filha de pecuaristas. Dos três netos que deixou, Felipe e Marcela, nascidos do casamento da filha Andréa com Marcos, e Samantha, do casamento do filho Paulo com Iana, coube à última, no verdor dos seus doze anos, proferir emocionante discurso que levou todos às lágrimas, no momento que antecedeu a derradeira visão do sarcófago que baixava ao crematório.

Entre lágrimas e soluços comoventes, a pequena Samantha sintetizou o amor que destinava à ilustre avó dizendo que sua maior aspiração na vida era vir a ser uma mulher como ela. Consuelo era viúva do segundo marido, Ralph Kirby Davidson, economista e ex-diretor da Fundação Rockfeller, falecido em dezembro de 2002.
  
Mais apropriado do que dizer que o câncer a matou, seria reconhecer que a longa cronicidade da doença não foi capaz de abater o seu espírito rico de otimismo e entrega, referência e suporte da ampla família consanguínea e afetiva que gravitava em torno do seu magnetismo. Por ironia do destino, ela que superou um câncer de mama, aos 40 anos, um linfoma, aos 50, contra o qual lutou e venceu, 17 anos depois, um terceiro na bexiga, aos 70, tenha sucumbido, aos 77, a uma carência vitamínica, indispensável para cicatrizar suturas do intestino.
  
O aguçado espírito crítico e responsavelmente iconolátrico de Consuelo conduziu-a para a desassombrada investigação de temas palpitantes da vida das pessoas e dos povos. A abortada viagem para Praga, no próximo ano, acompanhada de toda a família, é apenas um desdobramento de sua vocação, a um só tempo, doce, romântica e inquieta.

Explica-se porque suas sobrinhas guardam como relíquias os cartões carregados de mensagens carinhosas que ela, infalivelmente, lhes escrevia nas datas dos seus aniversários, tendo sido o último escrito no leito de morte. Com as irmãs Aida, Niva e Ieda, Consuelo formava um quarteto famoso que encantava, desde sempre, pela inteligência, simpatia e beleza.
  
Com mestrado, doutorado e pós-doutorado, em História, respectivamente, pela Universidade Federal da Bahia, The Johns Hopkins e University of Califórnia, Los Angeles, Consuelo deixou vasta produção intelectual, a exemplo de Canudos: Cartas para o Barão; Pinto de Aguiar - Audacioso Inovador; O Poder Legislativo da Bahia - Primeira República 1889-1930; Os Partidos Políticos da Bahia na Primeira República; Poder e Representação; o Legislativo da Bahia na Segunda República, uma Política de Acomodação; Memória da Fazenda na Bahia, 1895-2005; 50 Anos de Urbanização: Salvador da Bahia no Século XIX; Otávio Mangabeira - Cartas do 1° Exílio (1932-1934), e 70 anos de lutas e Conquistas: Liga Bahiana Contra o Câncer, publicação que organizou, pelo Centro da Memória da Bahia. 
Escreveu, ainda, vários prefácios, entre os quais “Rui e Seabra”, para o volume Campanha na Bahia, das Obras Completas de Rui Barbosa, além de muitos artigos, alguns de cunho historiográfico como “A Justiça Revolucionária na Bahia de 1930”; “Movimentos Sociais na Bahia de 1930: Condições de Vida do Operariado”; “A Bahia na II Grande Guerra Mundial”, e outros livros como “Vargas, o Amante” e “Entre o Medo e o Pecado”, “Ópera em Viena”. Recebeu, ainda, inúmeras distinções, como a de membro da Phi Beta Kappa-Alpha Chapter of Maryland e da Latin American Studies Association –LASA, o prêmio pesquisador do ano da FAPEX-UFBA, e uma  Moção de Aplauso, por seus trabalhos historiográficos da Assembleia Legislativa da Bahia. 
Foi, também, condecorada com a Medalha Comemorativa do Centenário de Nascimento de Rui Barbosa, “por sua valiosa contribuição ao desenvolvimento da cultura brasileira”.
Mereci a honra de escrever o prefácio do seu último livro, ainda inédito, sobre Francisco Mangabeira, morto no verdor dos 25 anos, irmão mais velho de João e Otávio Mangabeira, e patrono de sua cadeira acadêmica. Ela foi também diretora do Centro de Memória da Bahia, unidade da Fundação Pedro Calmon, de 2003 a 2011, quando coordenou eventos destinados a divulgar a história e a memória da Bahia, como o curso “Conversando com a História da Bahia”, e o “Memorial dos Governadores Republicanos da Bahia”. 

Entre suas conquistas, destaca-se o Prêmio Clarival do Prado Valladares, em 2005, destinado a estimular projetos de pesquisa de temas inéditos da História do Brasil.
    
Tem razão a reitora da UFBA, Dora Leal Rosa, ao declarar que “apesar da morte, Consuelo continua viva. Tenho certeza que as marcas que deixou  ficaram para sempre e para todos nós”.    
    
Se contém verdade o provérbio italiano que ensina que “coincidência é o meio utilizado por Deus para permanecer oculto”, haverá alguma imperscrutável razão para que Consuelo tenha partido na mesma data em que o poetinha Vinícius de Moraes veio ao mundo?

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