Mary Stuart Rainha da Escócia
Lançado em 1971, o filme traz na pele da protagonista a belíssima e
talentosa Vanessa Redgrave, que também já transpareceu seu brilho no papel de
outras soberanas, tais como Ana Bolena (A Men For All Seasons – 1966) e mais recentemente como Elizabeth I em Anonymous (2011). Redgrave foi exímia em demonstrar todo o drama psicológico
que a Rainha da Escócia enfrentou desde o primeiro momento do longa-metragem,
quando ela não passava de uma doce e inexperiente jovem, vivendo um conto de
fadas com seu marido, o Rei da França. A candura destas cenas iniciais só é
interrompida pela doença de Francisco II (vivido por Richard Denning), que
padece de fortes dores de cabeça, causando assim alvoroço entre os membros da
família real. Talvez uma das figuras mais fortes nessa fase “francesa” do filme
seja a de Catarina de Médicis, uma mulher que detestava a sua nora e que não
via o momento de expulsá-la da corte para assim governar. Apesar de aparecer
pouco, Katherine Kath faz uma bela representação desta rainha viúva, amargurada
e gananciosa pelo poder.
Sob
esse aspecto, uma das coisas mais interessantes de se notar é que Kath deveria
falar com um forte sotaque italiano, dada à nacionalidade de sua personagem, ao
passo que Redgrave poderia ter se expressado no mesmo tom afrancesado da real
Mary Stuart, a exemplo dos atores que interpretam seus tios, Raf De La Torre
(Cardeal de Lorena) e Vernon Dobtcheff (Duque de Guise). Entretanto, as
referidas atrizes conversam tranquilamente com sotaque inglês nas cenas em que
atuam, contrariando assim as expectativas daqueles que, como eu, esperavam
assistir a um filme com a rainha da Escócia conversando abertamente na língua
de sua pátria de adoção. Mas, acredito, essa tenha sido uma pequena falha da
produção, perfeitamente eclipsada pela delicadeza e perfeição dos figurinos: o
vestido de viúva que Vanessa Redgrave usa no velório de Francisco II, a saber,
constitui-se numa ótima recriação da obra executada por François Couet de Mary
trajando luto branco. Poucos foram os filmes que conseguiram se sair impecáveis
nesse quesito, e Mary Queen of Scots é um deles.
Após
a morte do rei, nada mais restara para a jovem Marie em
França, a não ser o esquecimento. Deveria então retornar para a Escócia
navegando pelo canal da Mancha e para isso precisava da autorização de sua
prima Elizabeth. A escolha da atriz para interpretar a “rainha virgem” não
podia ser mais adequada: Glenda Jackson, que já vestira este mesmo papel na
série da BBC “Elizabeth R”, transmitida pela primeira vez em Março de 1971
(mesmo ano de lançamento do presente longa-metragem). As falas e movimentos de
Jackson já demonstravam tenramente à exímia política que um dia viria a ser.
Ela não se porta como a tola apaixonada por seu Mestre de Cavalaria, Robert
Dudley (Daniel Massey), mas sim como uma mulher calculista e capaz de
sacrificar os desejos de seu coração pela segurança da Inglaterra. Porém,
quando o assunto é Mary Stuart, ela se mostra em toda a sua raiva e faz de tudo
para atrapalhar o retorno dela, mas sem sucesso.
Mary
consegue aportar com segurança em seu reino, acompanhada de um prelado católico
inglês, Padre Ballard (Tom Fleming) e de um agente papal, o cantor italiano
David Rizzio (Ian Holm). Mas a recepção que recebe dos lordes da congregação,
chefiada por seu meio-irmão James Stewart, Conde de Moray (Patrick MacGoohan),
era nada digna de uma ex-rainha consorte da França ou muito menos de uma
Soberana da Escócia. Na verdade, e o filme expõe muito bem esse fato, Moray
estava associado com a Inglaterra para derrubar qualquer influência que sua
irmã pudesse exercer em seus próprios domínios. Como era um filho bastardo de
Jaime V, jamais herdaria o trono, mas poderia governar por trás da autoridade
da rainha de direito. Entretanto, Mary Stuart não se mostraria tão flexível e
percebeu que só um novo casamento conseguiria anular a influência de James. É
nesse espaço que entra em cena ninguém menos que Henry Lorde Darnley, a arma
secreta de Elizabeth.
A
rainha inglesa, ardilosa como sempre, concebera um maquiavélico plano para
fazer sua rival aceitar aquele rapaz em vez de Robert Dudley, o pretendente que
enviara para Mary junto com a promessa da sucessão ao trono da Inglaterra após
sua morte. Ela sabia que a prima nunca aceitaria o homem que fora acusado de
ser seu amante, e em vez disso desposaria aquele patético e irresponsável
jovem, propício a todo tipo de vício. Por traz de Lorde Darnley, está Timothy
Dalton, que com bastante competência interpreta o segundo esposo da Rainha da
Escócia. De acordo com Stefan Zweig, é provável que Darnley fosse bissexual e
mantivesse um relacionamento com David Rizzio. Em Mary Queen of Scots esse
aspecto é fielmente retratado, assim como as pretensões de Henry de governar a
Escócia em detrimento de sua esposa. Não demoraria muito, e Mary começaria a se
enojar de seu consorte, apesar de estar grávida do mesmo.
Todavia,
tal como na história original, na verdade a rainha estava apaixonada por outra
pessoa: James Hepburn, 4º conde de Bothwell. A paixão entre Mary e Bothwell é
uma dessas que não despertam no primeiro encontro, mas quando explode é com
tamanha força, capaz de afetar a todos que estejam envolvidos. Na pele daquele
que viria a ser o terceiro e último marido da soberana, está Nigel Davenport.
Sua atuação é uma das mais perfeitas de todo filme, e confere perfeitamente com
o perfil de homem bruto e sedutor característico do verdadeiro conde. Só depois
de descobrir que seu marido estivera ativamente envolvido na conspiração dos
lordes para assassinar David Rizzio diante de seus olhos, é que Mary obtém a
absoluta certeza de que não era a cama de Lorde Darnley que queria partilhar,
mas sim a de Bothwell. Entretanto, ela deveria se livrar de seu segundo
casamento de uma forma que não prejudicasse a legitimidade do filho do casal, e
a solução mais adequada era apenas uma: o assassinato do rei consorte.
Enquanto
isso, na corte inglesa Elizabeth recebe com bastante exasperação a notícia de
que sua prima dera à luz um herdeiro varão, na medida em que ela “não passava
de um trono estéril”. Mais uma vez é preciso tirar o chapéu para Glenda Jackson
nessa cena. A forma como cai ao chão com as mãos no rosto vermelho de inveja é
tão convincente, que dá pra sentir a frustração da verdadeira rainha quando
recebeu tal notícia. Elizabeth nada poderia fazer a não ser esperar que Mary
desse um passo em falso, provocando assim sua própria destruição. Esta, por sua
vez, viria a partir de seu envolvimento na morte de Lorde Darnley. Até hoje
persistem dúvidas acerca da cumplicidade de Mary Stuart na conspiração que
assassinou seu segundo esposo, mas no filme vemo-la inteirada de todos os
pormenores da trama de Bothwell para executá-lo, ao explodir a casa em que
estava repousando, a fim de se curar da sífilis que havia contraído.
Com o
rei morto pelo assentimento da rainha, o conde de Moray tinha então o argumento
perfeito para escandalizá-la aos olhos do povo, devido ao fato de esta ter
contraído terceiras núpcias com o provável assassino de Darnley. Era o que
também Elizabeth precisava para provar que era uma monarca mais preparada que sua
prima. Em Mary Queen of Scots, notamos a constância de alguns
poucos erros de precisão histórica, assim como em outros tantos filmes desse
gênero. Mas a expressividade deles é tão patética, que seria uma verdadeira
lástima macular a análise de uma produção tão apaixonante como esta, ao
citá-los. Apenas no final é que o enredo segue uma linha de pequenos equívocos,
especialmente no que diz respeito à abdicação de Mary Stuart do trono da
Escócia e sua fuga para a Inglaterra. Aqui, mais uma vez, o cinema exerce toda
a sua magia ao promover um encontro do qual a História não dispõe de qualquer
registro, o de duas rainhas rivais e ao mesmo tempo complacentes do peso que
cada uma carrega em seus próprios ombros: Mary, a prisioneira, e Elizabeth, sua
carcereira.
Nigel
Davenport no papel de James Hepburn, 4° conde de Bothwell.
Os
anos passam, e no rosto de nenhuma das duas soberanas mora a juventude que
brilhara em seus corpos de outrora. William Cecil (Trevor Howard), ministro de
Elizabeth conseguira provas da participação de Mary em um plano para assassinar
a rainha da Inglaterra. Só que esta, por um acesso de misericórdia, teme
ordenar a execução de uma rainha ungida por Deus e incorrer em mau julgamento
aos olhos da posteridade. Novamente as rivais se encontram, e a partir dessa
entrevista é que os papeis que ambas deveriam desempenhar daí para frente, se
definem. Mary Stuart, apesar de ter a possibilidade de se salvar ao assinar um
documento no qual pedia desculpas à prima, recusa tal caminho e decide morrer em
nome da fé em que fora criada, como uma verdadeira mártir do catolicismo. Não
tenho nem palavras para descrever aqui a vivacidade de Vanessa Redgrave
(indicada ao Oscar de melhor atriz por esse filme) e Glenda Jackson nestas
cenas finais. Ali estão duas rainhas, amaciadas pela idade, só que orgulhosas
demais em suas resoluções para cederem aos caprichos uma da outra. Porém, na
hora do acerto de contas, é Elizabeth quem pagará caro aos olhos do mundo por
sua decisão de executar a prima, enquanto só na morte Mary consegue sua tão
sonhada liberdade, mostrando de uma vez por todas que no fim era onde residia o
seu começo.
Fonte: Rainhas Trágicas,
Henry Thomas e Stefan Zweig
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