quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O ENCONTRO ENTRE FREUD E JUNG

Colaboração de Conrado Matos*

SIGMUND FREUD                                           CARL GUSTAV JUNG

  
            Antes do encontro mais marcado da história da psicanálise entre Freud e Jung em 1907, os dois já trocavam cartas discutindo assuntos pertinentes à nova ciência do inconsciente e as condições de Jung chegar até Viena, mês e data.


            Jung ao fazer sua tese de doutorado cita a segunda obra de Freud, “Interpretações de Sonhos“, publicada em 1900, porém, tendo Freud seu primeiro trabalho a ser reconhecido e aceito por um razoável numero de acadêmicos. A psicanálise já dava seus primeiros passos.

            Infelizmente, Freud em sua primeira obra “Estudos Sobre a Histeria” editada em 1895 em parceria com Josef Breuer, ainda não lhe dava fama suficiente como psicanalista, ao contrario, era criticado, inclusive tratado como charlatão, por vários estudiosos, principalmente, por filósofos e médicos.

            Mas, lá pela Suíça tinha quem o defendia – o psiquiatra Carl Gustav Jung do Hospital Psiquiátrico Burgholzli, um dos hospitais mais famosos da Europa. Foi também considerado a cidadela da psicanálise, o único hospital do mundo em que o sistema terapêutico de Freud era utilizado no tratamento de doentes.
            Jung percebeu em Freud a pessoa mais importante que ele tinha conhecido. Certamente, Jung procurava um pai, um mentor, um guia espiritual que ele pudesse confiar. Sigmund Freud ficou tão entusiasmado com Jung, que o convida para comparecer na sua casa em Viena, na Áustria. Carl aceita o convite e vai até Freud. Aí estaria nascendo uma amizade rica, algo também que Freud estava procurando, uma pessoa que pudesse ser uma herdeira da psicanálise e que assumisse a liderança do movimento psicanalítico. Carl Jung tinha todo esse perfil pelo gênio que era, enquanto Freud como pai simbólico aproveitava para conseguir um filho submisso – onde Jung lutara para nunca ser. Em razão disso, deixava Freud extremamente irritado e decepcionado durante seis anos com esse filho teimoso, que desejava frequentemente modificar o conceito de libido e teoria sexual, diferenciando da teoria psicanalítica. Quando finalmente a paciência dos dois se esgota e rompem com o relacionamento amigável em 1913. Freud fica desencantado com Jung pelo resto da vida, sentindo-se traído pelo seu melhor filho. Freud tivera uma raiva de Jung que não acabara nunca mais. Segundo um filho de um discípulo de Jung, que estudava em Viena, a quem Freud conhecia, dizia que quando Freud passava por ele virava a cara num gesto discórdia, por saber que o rapaz fazia parte da laia de Jung. O orgulho de Freud ainda o torturava amargamente.

            Em 1937, quando Freud estava sendo castigado pela guerra no comando de Adolf Hitler, o deixara numa carência financeira bastante crítica, em consequência da falta de pacientes estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos, que pagavam as sessões de psicanálise em dólar. Muitos colegas, discípulos e pacientes o ajudaram com alimentos, inclusive vindo de navios dos Estados Unidos, e também em dinheiro.

            Na sua saída forçada de Viena imposta pelos nazistas, que já ocupavam a Áustria, queimando toda sua obra em praça pública, Freud foi obrigado a deixá-la correndo depois de resistir até à ultima esperança – Freud adorava Viena.

            Para os preparativos da triste partida, Freud precisava de dinheiro para seguir até ao exílio em Londres na Inglaterra. Jung sabendo do sofrimento e da dificuldade financeira do seu ex-amigo e mestre, mandar por um portador uma boa quantia em dinheiro para desafogá-lo do desespero, e quando Freud confere a tal encomenda que partiria de Jung, um amigo ingrato, devolve o dinheiro ao portador e envia friamente um recado para Jung com toda velha mágoa latente que ainda lhe amargurava de ódio, dizendo: “Diz para Jung, que quando mais precisei dele, nunca esteve do meu lado. Agora nesta hora está querendo me ajudar. Diga que rejeito a sua ajuda”. Freud ainda sofria muito com a perda daquele que seria seu melhor discípulo.

            Freud e Jung, jamais pensaram que este relacionamento fosse terminar em tragédia, em decepção e raiva, como tantos outros no passado. Pela firmeza de Freud e empolgação de Jung, a amizade seria para sempre.

            Mais tarde, Freud investiga pela psicanálise, que a transferência, provoca uma forte relação de amizade que resultara em laços infantis, porém de dependência, inocência e admiração pelo outro, principalmente na pessoa do analista. Isso ficou claro que ocorreu com Jung em relação a Freud. Depois Freud afirma em suas descobertas psicanalíticas que a transferência era perigosa e que os sentimentos transferenciais devem ser interpretados e analisados de acordo com a técnica psicanalítica.

            Um fato curioso foi um sonho claro e nítido de Jung 24 horas antes do maravilhoso contato pessoal, o tema edípico do desejo do filho de destruir o pai deu todo o parecer. E iria obsedá-los pelos próximos seis anos. O filho e o pai se uniam com toda força para compartilharem com a evolução de uma ciência, mas que depois o filho se sentindo vencedor do pai, ambos se rejeitam e se tornam dois verdadeiros rivais. Se a interpretação desse sonho tivesse levada a séria pelos dois, a decepção tinha sido menor, ou talvez evitada.

            Através de Carl Gustav Jung, a psicanálise em 1906 na Suíça já começava a ganhar partidários, e Freud sendo bastante respeitado e cortejado. Freud via uma conquista mais importante de grande esperança. Ali na Suíça a psicanálise tinha liberdade de respirar sem censura, para por fim ser reconhecida e se espalhar por toda a Europa e o mundo. Jung em três anos já decorridos de amizade com Freud é escolhido para ser o presidente da Associação Psicanalítica Internacional, no dia da sua fundação em 1910 em Zurique. Cargo este, influenciado por Freud. Era em Jung que Freud dava todo comando e confiança. Posição esta, gerava fofocas e inveja por parte dos demais discípulos de Freud.

            Jung era sedutor, e com seu comportamento de galanteador soube muito bem seduzir Freud, assim também era de costume namorar algumas de suas pacientes, como por exemplo, o caso de Sabina Spielrein, foi uma delas. Encaminhada para Jung em decorrência de uma psicose, acaba no decorrer do tratamento se apaixonando por ele, e fantasiava diversas vezes que estava grávida dele. Essa moça que no futuro se torna uma médica e psicanalista procura Freud para descarregar a angústia que sentia em função de Jung, e se analisar um pouco mais, já que com Jung sua análise foi contaminada pela relação íntima amorosa. Por coincidência, Sabina foi a psicanalista do famoso biólogo Jean Piaget.

            Mais tarde, Sabina em retorno para Rússia, seu país de origem, com o objetivo de trabalhar como psicanalista naquele país, em um destino infeliz durante o percurso da viagem, é arrebanhada pelos nazistas, com suas duas filhas e um grupo de judeus, durante a Segunda Guerra Mundial, e foram todos fuzilados. Sabina Spielrein morre com um pouco mais de 50 anos de idade. Sabina, com toda mágoa da ingratidão de Jung, de vez em quando se confidenciava para Freud, dizendo que ainda o amava.

            Pelo que se sabe, Jung tivera cinco amantes, todas foram suas pacientes. Sua esposa Emma Jung tinha conhecimento. No começo não concordava, mas, a vida e o  ensinou a aceitar tal convivência. Emma Já sabia viver com tudo isso, para não perder o marido.

            Depois de muitas cartas entre Jung e Freud, finalmente ele desembarca em Viena, no dia 03 de março de 1907, numa ânsia para ver o gênio da psicanálise. Lembra o filho de Freud, Martin Freud, que no primeiro dia da visita de Jung, ele levara horas e horas conversando sem parar, sem se dar conta do horário do almoço e a atenção às demais pessoas da casa. Tamanha era sua alegria diante do mestre. Entretanto, Freud levara quase todo tempo em silêncio como costumava ser.

            Assim que Freud soube da chegada de Jung, se dirigiu ao hotel com um buquê de flores para Emma Jung. Freud, um homem de 50 anos se desculpou, dizendo: “ Infelizmente não lhes posso oferecer uma verdadeira hospitalidade. Não tenho nada em casa, salvo uma mulher de certa idade. Ele se referia a  Martha Bernays, a sua esposa.

            Na noite do primeiro encontro de Jung com Freud, ele tivera um sonho. Desta vez Freud e ele caminhavam pelas ruas de Viena, como tinha feito horas antes do sonho. Mas no sonho de Jung, Freud parecia diferente. Parecia mais idoso, frágil e de saúde delicada, como se não tivesse muito tempo de vida.

            Ao amanhecer Jung contou o sonho a Freud e pediu-lhe que o interpretasse. Freud interpretou e comentou o simbolismo do sonho. Disse para Jung que da parte dele revelava um desejo inconsciente de morte, que tinha Freud como alvo. Jung desejava destronar Freud para que pudesse tomar-lhe o lugar. Um Édipo a fim de destruir de vez com o pai, tomado por uma forte rivalidade.

            Em 31 de março de 1907, Jung escreve uma correspondência para Freud confessando ser fiel a psicanálise, assumindo de vez em um juramento e defende-la em favor de Freud, escreve Jung: “Espero que meu trabalho em prol da sua causa mostre ao senhor a profundidade da minha gratidão e veneração. Espero e até sonho que possamos recebê-lo em Zurique no próximo verão ou outono. Uma visita do senhor seria para mim pessoalmente o sétimo céu. As poucas horas que me foi permitido passar com o senhor foram fugazes demais”.

            Freud se sentiu lisonjeado com a postura de Jung, e em resposta a sua lealdade, escreveu Freud em 7 de abril: “Não podia imaginar que houvesse alguém mais qualificado para substituir-me um dia á frente do movimento psicanalítico, levando adiante e completando a minha obra”. Freud apelava para que Jung não abandonasse a psicanálise, exigindo mais confiança, e que Jung viesse superar as objeções em relação à sexualidade. O crescente apego de Freud a Jung era não apenas emocional, mas também intelectual e profissional.

            Cada vez mais a admiração de Jung a Freud desvairava sob uma acentuada dependência. Em setembro, num tom de bajuladora adoração, Jung disse a Freud de seu “desejo longamente acariciado e constantemente reprimido. Estimaria muito ter uma fotografia do senhor, não como o senhor era antes, mas como era quando eu o conheci. Jung implorava em um dos imensos desejos e dizia que ficaria eternamente grato porque é imensa a falta que me faz o seu retrato”. E Freud pediu a mesma cordial retribuição de Jung, que também enviasse para ele uma foto.

            Os dois formaram um pacto de inteira confiança e fidelidade. Mas, no futuro esse contrato é mergulhado e afundado no poço, no poço da traição. Freud se sentiu traído por seu discípulo predileto, “ O príncipe da psicanálise”. Jung o abandona como também a sua tão defendida teoria da sexualidade. Freud o condena e nunca mais lhe dar o perdão. Jung sozinho com as suas próprias pernas e genialidade cria sua própria psicologia, porém fundamentada nos princípios da psicanálise e com outros conceitos psicológicos, inconsciente coletivo, e os tipos psicológicos, como atitudes introvertidas e extrovertidas, que denomina de “Psicologia Analítica”, a qual Freud radicalmente sempre criticou o tempo inteiro, assim mesmo Jung sobreviveu. 


*Conrado Matos é Psicanalista, Licenciado em filosofia, Bacharel em Teologia e Escritor.
E-mail: psicanaliseconrado@hotmail.com – Tels: (71) 8717-3210/9910-6845.     

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