segunda-feira, 14 de outubro de 2013

OS ÚLTIMOS DIAS DE POMPEIA


Por RENATO M. LELLIS



3 de Janeiro de 79 d.C.


Está um lindo dia em Pompeia, uma próspera cidade do império romano à beira do Mediterrâneo.
O dia está ensolarado, as gaivotas voam sobre o porto, os conspiradores conspiram, os escravos trabalham e uma leve brisa agita as togas os moradores.
  

A cidade está em plena atividade porque ainda não foi inventado o Natal nem o Reveillon. Também não é necessário esperar pelo carnaval, pois ele também não foi inventando ainda, apesar de muitos moradores serem adeptos dos cultos a Baco, chamados de bacanais.
A religião era bem mais divertida naquela época.
Os patrícios (elite romana, mais ou menos como a diretoria de hoje em dia) Caius Flavius e Caius Augustus se encontram na praça do mercado, a caminho de seus escritoriuns.
- Ave, Caius Flavius!
- Ave, Caius Augustus! Como está em uma manhã tão agradável?
- Não muito bem. Lestes as notícias?
- Que notícias?
- Saiu no pergaminho Valorus Economicus. O império pretende vender Pompéia.
- Ah, deve ser um boato...
- Não sei vou ao meu escritorium despachar alguns mensageiros e ver o que eu consigo descobrir.
- Eu não me preocuparia em seu lugar... Habetis bona deum(Tenha um bom dia).

5 de Janeiro de 79dc

- Ave, Caius Flavius. O que o traz ao meu humilde escritorium tão cedo?
- Ave, Caius Augustus, como você pode estar tão calmo? Não lestes as notícias?
- Que notícias?
- Exatamente, não saiu nenhuma notícia!
- A assessoria de imprensa não se manifestou, então fui falar com eles ontem à tarde.
- E o que eles disseram?
- Não entendi muito bem, por que eles estavam a bordo de um barco saindo do porto, mas parece que eles gritaram algo como um “boato recorrente”.
- Barco? Eles foram para alguma convenção?
- Não sei, mas na porta do escritorium da assessoria de imprensa tinha um aviso.
- O que dizia?
- Vende-se.
- Isto me parece um mau augúrio, Caius Flavius...
- A mim também Caius Augustus. Alguma resposta de seus mensageiros?
- Ainda não, mas hoje em dia os mensageiros demoram. Eles são obrigados a tomar banho antes de entrar em qualquer prédio para garantir que não estão trazendo vírus.
- O que é um vírus?
- Não sei. Os microrganismos só serão descobertos no século XIX por Louis Pasteur.
- O que podemos fazer, então?
- E se perguntássemos para o prefeito da província?
Entra um mensageiro (o telefone só seria inventado no século XIX por Alexander Graham Bell).
- Ave patrícios! O prefeito da província os convoca para uma reunião urgente amanhã pela manhã no fórum!
- Parece que as notícias voam, não é mesmo, Caius Augustus.
- Com certeza, Caius Flavius.
 
6 de Janeiro de 79dc

O pequeno auditório está apinhado de patrícios ansiosos por notícias. Os escravos carregam bandejas de um lado para o outro e na medida do possível esticam as orelhas para obter alguma informação que possam passar para frente na hora do café.
O prefeito Ostarun inicia a reunião de emergência. Faz-se um silêncio sepulcral.
- Ave patrícios. Convoquei essa reunião em face das notícias perturbadoras que foram veiculadas nos últimos dias.
...
- Nobre prefeito?
- Sim, Caius Augustus?
- E sobre as notícias?
- Sim?
- O que o nobre prefeito tem a nos dizer sobre as notícias?
- Eu não tenho nada a dizer. Chamei vocês aqui para que vocês me contem o que sabem.
- Mas nobre prefeito, não sabemos de nada concreto. A assessoria de imprensa está ausente e o Valorus Economicus não cita suas fontes.
...
Diversas discussões se iniciaram pelo fórum.
- Nós somos uma província lucrativa, por que vender?
- Mas já estamos aqui há 140 anos, por que vender Pompéia agora?
- Aposto que isto tem a ver com aquele história de “risco província” que os astrólogos do imperador estão pregando agora...
...
Caius Augustus interrompe a discussão:
- Nobre Ostarun o que devemos fazer para descobrir a verdade então? Afinal, o que é a verdade?
O Prefeito Ostarun empertigou-se:
- Sugiro que todos tomemos uma taça de vinho, afinal in vino veritas (no vinho está a verdade).

7 de Janeiro de 79


Caius Flavius e Caius Augustus voltam a se encontrar a caminho de seus escritoriuns.
- Ave, Caius Flavius.
- Ave Caius Augustus. A reunião de ontem não foi grande coisa, não é mesmo?
Spucatum Tauri (excremento bovino).
- Também achei. Alguma resposta de seus mensageiros, Caius Augustus?
- Eles retornaram bastante asseados, mas sem nenhuma novidade.
- Sabe o que eu acho?
- Que as notícias são procedentes...
- Exato.
- O que fazemos então? Vamos pegar o próximo barco para Cartago?
- Não sei ao certo. Por certo o império pensará em seus cidadãos, não? Seremos beneficiados pelo imperador se ele realmente conseguir vender Pompéia.
- Você tem razão. O imperador ama seus fiéis súditos.

10 de Janeiro de 79dc

No meio da manhã um mensageiro com uma escolta armada entra em Pompéia aos gritos:
- Recidite, plebes! Gero rem imperialem! (Saia da frente plebe, eu estou a serviço do imperador).
Ao chegar na praça do mercado ele desenrola um pergaminho de aparência importante:
- Por decisão de sua graça imperial, todos os cidadãos de Pompéia estão proibidos de deixar a cidade.
- Os soldados da guarda pretoriana estarão guardando as saídas da cidade e irão executar quem tentar burlar esta proibição.
- Habetis bona deum (Tenha um bom dia).
- Caius Flavius?
- Sim.
- Acho que isto acaba com o “se”.
- Sim. Acho que devemos rever também aquela história de que o imperador ama seus fiéis súditos.

18 de Janeiro de 79dc

Caius Flavius convocou uma reunião secreta com os patrícios mais iminentes de Pompéia.
- Caros patrícios, acho que não resta dúvida que o império deseja se livrar de Pompéia. A questão é: o que devemos fazer?
Caius Augustus sugeriu:
- Acho que poderíamos tentar dissuadir o imperador, mostrando que Pompéia ainda tem muito a oferecer.
- Como o que? – Perguntou Octavius Salesius, o fabricante de cerâmica.
- Bom...
- Estamos ferrados. – Sentenciou Octavius.
Caius Flavius tentou animar os patrícios.
- Se hoje não temos algo que interesse ao imperador, vamos criar algo que o interesse.
- Como o que? – Perguntou Octavius novamente.
- O que está na moda hoje? Vamos analisar as tendências!
- Muita gente fala da Palestina... – Propôs timidamente Caius Boninus, o líder da liga de pescadores.
- Isso mesmo! O que tem a Palestina que nós não temos? – Animou-se Caius Flavius.
- Alta tecnologia: terrorismo e a religião monoteísta. Coisas para os mercados do futuro. – Sentenciou Octavius novamente.
- Eu já li a respeito deste negócio de religião monoteísta, me parece uma tendência forte. Por que não estudamos o assunto? – Interveio Caius Augustus.
Octavius não melhorou seu humor:
- Precisaríamos de um investimento muito grande em infra-estrutura: desertos, sarças ardentes, maná dos céus, o Mar Vermelho se abrindo... Não temos capital para investir nisso, além do que demora até o negócio engrenar. A concorrência está muito à nossa frente.
- Acho que o Octavius tem razão, além do que precisamos de um projeto de curto prazo.- Admitiu Caius Flavius.
Segue-se um longo silêncio, quebrado apenas quando Vespásio Benvindus, o dono de hospedarias sentenciou solenemente:
- Turismo.
- Como assim, turismo? – Perguntaram vários ao mesmo tempo.
- Vamos tornar Pompéia um centro de turismo. O maior do império! Já temos quase tudo, só precisamos de um diferencial.
- E o que seria? – Perguntaram vários ao mesmo tempo.
- Um vulcão.
- Um vulcão? – Perguntaram vários ao mesmo tempo novamente.
- Sim, existe algum vulcão ativo na Europa?
- Não... – Responderam timidamente alguns.
- Logo... Vai ser um sucesso!
Enquanto os patrícios digeriam a idéia, Caius Flavius perguntou:
- Perdoe-me a ignorância, caro patrício, mas como se faz um vulcão?
- Não é tão difícil quanto parece, basta uma montanha e um pouco de mágica, você sabe, conquistar os favores dos deuses e coisa e tal. Podemos usar o monte Vesúvio, que é aqui pertinho.
Caius Flavius não se animou:
- Acho que não dominamos este tipo de metodologia, precisamos contratar uma consultoria...

27 de Janeiro de 79dc

Por uma incrível coincidência (para quem acredita em coincidências) um mago itinerante estava passando por Pompéia naqueles dias.
Caius Potterus, o mago, hospedou-se com Vespásio Benvindus que compartilhou com ele o seu projeto turístico.
O mago declarou que era possível fazer cumprir os objetivos do projeto, seriam necessários apenas sete meses. Bastaria conquistar os favores de Netuno ou Vulcano, um desses aí, com uma série de rituais que ele dominava totalmente, afinal possuía certificação PMP (Powerful Magician Professional).
Ele propôs cobrar apenas trezentas moedas de ouro e duas escravas (além da hospedagem, alimentação e transporte) – uma pechincha.
Vespásio correu a oferecer a proposta para os outros patrícios que a aprovaram alegremente. Se eles conseguissem implantar o projeto de turismo rapidamente, talvez Pompéia não tivesse que ser vendida! E eles ainda lucrariam bastante com os novos negócios.
A coincidência mais tarde revelou-se um tremendo azar (para quem acredita em azar) para os Pompeienses, mas com consultorias é assim mesmo, na hora da contratação tudo é uma beleza, na hora de executar o projeto...

18 de Maio de 79dc

Apesar de o projeto de turismo estar indo bem, as notícias continuavam a surgir e Caius Flavius demonstra sua preocupação para Caius Augustus:
- Não sei não, você viu a lista de interessados?
- Não. Quem são?
- Ninguém diz ao certo. Mas parece que existem quatro interessados. O mais forte é a Horda Suprema.
- Os vândalos?
- Quase. A da Babilônia e Cítia.
- Mas a Babilônia é do outro lado do mundo.
- Tecnicamente quem fica do outro lado do mundo da península itálica é a Nova Zelândia, mas ela só vai ser descoberta pelo Capitão Cook no século XVIII. Mas entendo o que você quer dizer.
- Achei que eles não queriam mais negócios em território romano...
- Este negócio de globalização é esquisito. Uns saem, outros entram. Não dá para entender. Mas eles são uma Horda, afinal. O negócio deles é crescer na base das aquisições.
- Eu fico preocupado... Quando a Grécia adquiriu Tróia não deixou pedra sobre pedra.
- É, eu me lembro dessa. Pegou mal, né? O mercado ficou falando disso um tempão.
- E se procurássemos uma empresa de recolocação?
- Eu entrei em contato com uma dessas empresas uma vez.
- E aí?
- Quando cheguei no lugar marcado para a entrevista alguém gritou: Catapultam habeo. Nisi pecuniam omnem mihi dabis, ad caput tuum saxum immane mittam (Eu tenho uma catapulta. Dê-me todo o seu dinheiro ou vou atirar uma enorme rocha na sua cabeça).
- Bando de picaretas!
- Pode crer!

24 de Agosto de 79dc

Pode-se que a implantação do projeto de incentivo ao turismo dos cidadãos de Pompéia foi um sucesso. Tecnicamente. O único problema foi um pequeno erro de escala.
Isto nos mostra os problemas que podem advir de um escopo mal definido...
A erupção simbólica que deveria marcar o início das atividades do Vesúvio Resort acabou por soterrar a cidade sob vários metros de lava e cinza.
Caius Flavius e Caius Augustus estavam fora da cidade em uma viagem de negócios tentando fechar parcerias com empresas de transporte.
Apesar dos resultados do projeto não terem atingido o que era esperado, eles puderam usar o que aprenderam em novas iniciativas.
Com o tempo eles abriram um rentável empresa de consultoria (CACF Consultores Associados) e mais tarde eles escreveram em parceria o primeiro livro de gerenciamento de projetos do Império Romano. 
Vespásio Benvindus, infelizmente estava na cerimônia de inauguração e não escapou da erupção. Ironicamente ele tornou-se uma atração turística quando Pompéia começou a ser desenterrada, em 1860.
A Horda Suprema processou o império romano por quebra de contrato, visto que eles não conseguiram tomar posse de Pompéia, apesar de já terem feito o pagamento. O imperador romano mandou entregar ao embaixador da Horda uma pá.
Por incrível que pareça o mago Caius Potterus sobreviveu à erupção sem nenhum arranhão. Na verdade, ele ficou apenas com uma cicatriz na testa. Ele tratou de ficar o mais longe possível de sua obra e mudou-se para a Bretanha, onde as gerações seguintes se deram um pouco melhor no negócio da magia, mas isto é outra história.



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