Por
CONSUELO PONDÉ
Campo muito especializado de
conhecimento, do qual poucos são os verdadeiros cultores, o estudo das línguas indígenas
do Brasil é uma das mais árduas tarefas da Linguística no país.
Com efeito, a investigação das línguas indígenas deveria contar com
maior número de estudiosos, a fim de que se não desapareçam, para sempre, os
informes que falam a favor dessa imensa pluralidade. Sabe-se que muitas línguas
se perderam definitivamente, como é o caso do Akróa–mirim, mas outras tantas
estão em fase de extinção.
Há alguns anos, precisamente em 1985, Ruth Montserrat assinalou a
existência de 170 línguas indígenas então faladas no território brasileiro,
sendo que, em menos de sessenta delas havia sido iniciado estudo de índole
linguística, sendo muito poucos os trabalhos completos de alguns desses
idiomas.
O mais devotado desses atuais estudiosos brasileiros é, até quanto tenho
conhecimento, o Professor Aryon Dall ´Igna Rodrigues, Emérito da Universidade
de Brasília, que fez alguns discípulos dedicados, na tentativa de salvar ainda
alguns idiomas e darem prosseguimento a esses árduos estudos.
Regra geral, os brasileiros
desconhecem que os índios do Brasil não constituem num só povo, mas são muitos
povos diferentes entre si, com costumes específicos, habilidades e técnicas
particulares, organização social diversa e línguas diferentes.
Aliás, o mesmo nível de desinformação existe entre os povos do continente africano, tomados como se fossem genericamente um só povo, naturalmente, por muitas pessoas pouco esclarecidas.
A exemplo das seis mil línguas existentes no mundo, registradas no
clássico trabalho: “Les Langues du Monde“, as línguas indígenas brasileiras têm
a mesma especificidade quanto ao fato de serem suficientes para a comunicação
entre os seus falantes. Isto é, são todas elas, inteiramente, adequadas às
necessidades desses povos. Essa, aliás, é uma capacidade humana, que
possibilita o domínio de qualquer língua por um grupo humano, facultando à
criança desenvolver essa posse quando exposta ao contato com a língua do meio
em que se criam ou se desenvolvem.
Outro equívoco lamentável, em que incorrem muitos dos nossos patrícios,
é denominar língua tupi- guarani, como se tratasse de uma unidade, quando, na
realidade, conforme assinalou Edelweiss em seu livro: “Tupís e Guaranís“ (1947)
são suas línguas distintas.
Temos como verdade indiscutível, a família linguística Tupi – Guarani,
que se reconhece como aparentada, porque descendente de uma protolíngua
anterior, pré-colombiana, mas não registrada historicamente. Algo semelhante ao
que se tem entre línguas bem conhecidas, a exemplo das línguas românicas da
Península Ibérica: Português, Galego, Espanhol e Catalão.
É absolutamente certo que, à chegada dos portugueses ao Brasil, há mais
de quinhentos anos, teriam existido muito mais línguas indígenas do que
atualmente. Muitas delas desapareceram nas áreas que foram colonizadas há mais
tempo e com mais intensidade, nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul do Brasil. Na
grande região oeste sobrevivem algumas línguas indígenas, bem assim na
Amazônia.
A Língua tradicionalmente mais conhecida é a Tupi, graças à
predominância dos contatos entre portugueses e índios durante os séculos XVI e
XVII. Sua grande difusão também foi feita por ter-se tornado a língua da
expansão bandeirante no sul e de ocupação do norte.
Tão amplo era o seu uso pela população luso-brasileira que, no século
XVIII, o governo português baixou decretos proibindo o seu uso. Todavia, a
prolongada convivência entre portugueses e índios tupinambá resultou na
incorporação de consideráveis vocábulos indígenas ao português do Brasil.
Algumas outras línguas resistiram à extinção promovida pelos
colonizadores a exemplo: Yaté, dos índios Fulniô (sul de Pernambuco); Maxacali
(nordeste de Minas Gerais); a língua dos índios Xokléng (oeste de Blumenau).
Outra exceção diz respeito aos grupos falantes do Guaraní (dialetos Nhandeva e
Mbiá) – no leste paulista e no litoral dos estados do Paraná, Rio de janeiro e
Espírito Santo, que têm migrado durante os últimos cem anos, do vale do Paraná
para o litoral.
Lamentavelmente, o Kiriri ou kariri, que era uma língua bem documentada
no final do século XVII, depois desapareceu inteiramente. Seus descendentes
vivem hoje no norte da Bahia, falando o português. Restaram as seguintes obras:
“Catecismo da doutrina christã na língua brasílica da nação Kiriri”, do padre
Luiz Vicencio Mamiani (Lisboa 1698); Katecismo índico da língua Karirís, de
frei Bernardo de Nantes (Lisboa-1709).
Por último, quero sublinhar que, tendo lecionado Tupi durante 31 anos na
Ufba, vez por outra, tenho saudades da sala de aula e do convívio com os
estudantes.
Não sei se alguns deles retiveram as noções que lhes passei, porque tem
que existir aptidão para esse ramo de conhecimento tão especializado. Em razão
desse culto, por mim, herdado do Professor Frederico G. Edelweiss, um dos mais
competentes estudiosos do Tupi Antigo do país, vez por outra revivo esses
assuntos, não só para repassá-los a algum interessado, mas, principalmente,
para matar as saudades do meu tempo de professora.
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