Eugênia Câmara
Mas voltemos às minhas dores: em 1866, eu, que já
era semi-órfão, tornei-me órfão por inteiro. Assisti a morte de papai em
janeiro, na Bahia, durante as férias da Faculdade. Procurei não transportar o
peso de tantas perdas para a minha poesia. Particularmente, achava exagerado o
gosto pelo doentio que os poetas da geração anterior à minha desenvolveram. Eu
queria apostar na vida, mas vivia perdendo a aposta... De vez em quando, porém,
eu ganhava. E o prêmio, no caso, não foi pequeno: o amor de Eugênia Câmara.
Após um longo período de
indecisões e recuos, que nunca soube com clareza se eram meus ou dela,
finalmente consegui arrancá-la do empresário com quem vivia, e levei-a, junto
com a filha, para morar comigo num subúrbio do Recife. Dediquei-lhe muitos
poemas, alguns recitados em público, e que, na paixão do amor ou no desespero
da perda, testemunham a intensidade da nossa relação: "Dalila", "Meu
segredo", "Amemos", "O voo
do gênio", "A uma
atriz", "Fatalidade", "O
'adeus' de Teresa", "O
gondoleiro do amor". Para ela escrevi, no
fim do ano, o drama Gonzaga ou
a revolução de Minas, onde falo de liberdade, escravidão, traição,
paixões... em suma, de tudo que atormentava ou deliciava minha existência, e se
confundia com a própria Eugênia, para quem, é evidente, eu havia reservado o
papel principal. Sonhava vê-la em cena interpretando meu texto com seu talento
fulgurante, decerto bem superior ao da concorrente Adelaide Amaral, atriz
aclamada pelo poeta
Tobias Barreto. Durante algum
tempo, aliás, minha sina foi entrar em conflito com Tobias. Começamos como
amigos - temos inclusive
poesias dedicadas um ao outro; passamos a colegas,
tornamo-nos rivais e acabamos inimigos. Intrigas pessoais e literárias. O
Tobias era feio, velho, escrevia mal e declamava pior ainda. Nos recitativos
ficava nervoso, tinha um jeito desastrado, não controlava a voz. Já eu, que
possuía domínio cênico, entrava vestido de negro, com uma flor na lapela, óleo
nos cabelos, madeixas minuciosamente espontâneas e pó-de-arroz no rosto, para
parecer mais pálido. Por modéstia, não direi que frequentemente as moças
ficavam tão próximas do delírio quanto os rapazes, da inveja. Mas nem depois de
morto eu descansei do Tobias: um historiador literário, Sílvio Romero,
sergipano como o poeta, resolveu promovê-lo postumamente às minhas custas,
afirmando a superioridade do conterrâneo sobre mim. Até hoje, todos só se
lembram de Barreto por isso, naturalmente para discordar de Romero (aqui, sou o
primeiro da fila).
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