Pode ser considerada como estritamente
feudal
No ano de 1337, teve início um
conflito envolvendo a Inglaterra e a França, a Guerra
dos Cem Anos, que se estendeu até 1453, e que foi a maior guerra europeia medieval,
tendo por efeito uma série de
transformações decisivas para a afirmação do
chamado mundo moderno.
As origens da guerra sintetizam, em vários aspectos, o caráter
transitório do período, de um mundo feudal em decomposição, mas ainda
predominante, em direção a uma nova realidade, marcada pelo crescimento do
comércio, da economia urbana e da riqueza mercantil. Com efeito, tanto os
elementos feudais quanto os interesses mercantis foram decisivos para a
conflagração.
Causas
da guerra
Os atritos entre as monarquias francesa e inglesa remontam ao século 12,
envolvendo uma realidade que, muito mais que nacional, era tipicamente feudal.
O crescimento do poder da monarquia francesa esteve diretamente ligado ao
crescimento do comércio e das cidades.
A afirmação da economia urbana, em meio a uma Europa ainda
essencialmente feudal, não se deu sem pesadas lutas entre as cidades e os
poderes feudais - os quais, ao menos em tese, dominavam as cidades. Foi nesse
contexto que surgiram as comunas, nome dado às comunidades urbanas que buscavam
a carta de franquia (documento que libertava a cidade do domínio senhorial)
pela força das armas.
Os reis franceses perceberam a riqueza gerada pela economia urbana, a
qual, ao contrário dos feudos, possibilitava-lhes a arrecadação de somas
consideráveis em impostos. Assim, foi uma prática comum dos monarcas franceses
apoiarem as cidades em suas lutas contra a nobreza. Essas, em troca, contribuíam
com o rei, fornecendo homens e armas para seu exército, além dos recursos
crescentes gerados pelos impostos.
Felipe
Augusto e a vitória sobre os ingleses
Dessa forma, o poder dos reis da dinastia capetíngia, que governava a
França desde o século 10, foi crescendo consideravelmente. Entretanto, esse
poder estava longe da natureza nacional do Estado à qual estamos habituados.
Persistiam ainda as velhas tradições feudais, com as antigas divisões em
ducados e condados, com senhores locais poderosos, controlando por vezes áreas
mais extensas que os próprios domínios reais.
Era o caso de toda a parte ocidental da França, a qual englobava os
ducados de Anjou, Normandia e Aquitânia (Gasconha). Todas essas regiões, com o
casamento do conde de Anjou, Henrique Plantageneta, com Eleanor de Aquitânia,
foram unificadas sob o domínio de Henrique. Embora vassalo do rei da França
nesses territórios, Henrique Plantageneta foi, em 1154, coroado rei da
Inglaterra, detendo domínios seis vezes maiores que os do rei da França.
Entretanto, pesava contra os plantagenetas o fato de que seus vassalos
na França viam, em sua ausência, a possibilidade de se libertar do seu domínio,
buscando para isso o apoio dos reis franceses. Com isso, eles foram
gradativamente perdendo seus territórios na França. No reinado de Felipe
Augusto (1180-1223), este se apoderou dos ducados de Anjou e Aquitânia,
motivando a reação do rei da Inglaterra, João 1º (João Sem Terra).
Mas a vitória sobre os ingleses consolidou o domínio da monarquia
francesa nesses territórios. Principalmente porque a derrota custou a João Sem
Terra grande parte do seu poder na Inglaterra. Revoltados com os intensos
gastos militares, pagos com tributos que o rei impusera à nobreza, os barões
feudais ingleses se rebelaram e, ameaçando o rei de deposição, obrigaram-no a
assinar a Magna Carta, em 1215, limitando o poder da monarquia e submetendo-a a
um conselho de nobres, embrião do Parlamento, mesmo em questões militares.
Restou aos ingleses apenas um pequeno território no sudoeste da França, o
condado de Tolosa, perdido definitivamente em 1220.
Ao mesmo tempo em que derrotava os ingleses, Felipe Augusto logrou uma
importante vitória sobre o Sacro Império, apoderando-se da Flandres, porção
nordeste da França, hoje Bélgica, e já então um importante pólo comercial e
manufatureiro de tecidos, controlando a rota mais importante para o Oriente, o
mar do Norte. Entretanto, a relação entre a região e a monarquia francesa era
de relativa autonomia, pagando tributos a esta, mas mantendo ampla liberdade,
inclusive comercial.
Interesses
comerciais e crise sucessória
Entretanto, ao longo do século 12, os interesses comerciais das cidades
da Flandres levaram-na a uma aproximação maior com os interesses ingleses.
Grandes produtoras de tecidos, notadamente de lã, essas cidades tinham na lã
inglesa sua principal matéria-prima. Com isso, embora formalmente vinculada à
França, a região era muito mais próxima efetivamente dos interesses ingleses.
Todavia, em 1322, o conde de Nevers, regente de Flandres, prestou juramento de
obediência ao seu suserano, Filipe de Valois. Tratava-se de um dos mais
importantes nobres franceses, primo do rei da França, Carlos 4º, e, portanto,
um dos herdeiros do trono francês.
A situação torna-se mais grave quando, em 1328, Carlos 4º morreu em
Paris. Assim como seus dois irmãos mais velhos, Luís 10º e Felipe 5º, todos
eles filhos de Felipe 4º, o Belo, Carlos morrera sem herdeiros. Criou-se na
monarquia francesa uma crise sucessória. Por um lado, Felipe de Valois, primo
do rei e sobrinho direto de Felipe, o Belo, era o pretendente aparentemente
óbvio.
Mas havia outro pretendente. Isabel, filha de Felipe, o Belo e irmã do
rei morto, Carlos 4º, havia casado com Eduardo 2º, rei da Inglaterra, tendo com
ele um filho, igualmente chamado de Eduardo. Numa avaliação dinástica fria,
Eduardo seria o herdeiro do trono, na condição de filho de Isabel, continuando
a linhagem direta do antigo rei Felipe, o Belo.
Entretanto, sua condição de herdeiro do trono inglês - e dadas as cada
vez mais fortes rivalidades entre as duas monarquias - levou os nobres
franceses a buscarem uma fórmula que detivesse suas pretensões. Essa fórmula
foi encontrada num antigo e obscuro princípio do direito germânico, a Lei
Sálica, segundo o qual nenhuma mulher poderia herdar nem poderia haver herança
por linha materna.
O fato de em momento algum saber-se o que era a chamada Terra Sálica,
citada na lei, ou mesmo que reis na França já haviam ascendido ao trono
alegando sangue real por linha materna (caso, por exemplo, de Pepino, o Breve)
foi deixado de lado pelos franceses. Felipe de Valois foi coroado com o nome de
Felipe 6º, pondo fim à dinastia capetíngia e dando início à dinastia Valois.
Com isso, a região da Flandres passava agora a ser vassala da monarquia
francesa. Contra esse fato se voltavam os mercadores e industriais das cidades
da região, buscando apoio na Inglaterra. Em 1334, Eduardo assume o trono inglês
com o nome de Eduardo 3º. Alegando seus direitos ao trono da França, por sua
condição de sobrinho direto de Carlos 4º e neto de Felipe, o Belo, Eduardo
reclamou para si a coroa francesa. Contou nessa reivindicação com o apoio de
Jacques Artervelde, rico mercador que já havia liderado uma rebelião na cidade
flamenga de Gand.
Em represália, Felipe 6º atacou a Flandres e ordenou uma série de ações
navais sobre o litoral inglês. Era o início da guerra.
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