quarta-feira, 27 de novembro de 2013

LETÍCIA ALVAREZ UCHA - IRMÃS GÊMEAS

Porto Alegre / RS


As gêmeas

Eram gêmeas univitelinas. Idênticas. Até seus pais trocavam quem era Melina, que era Melissa. Acostumadas a serem vestidas iguais desde crianças, elas faziam questão de ter opiniões opostas sobre tudo, numa tentativa de busca pela individualidade. Mesmo assim, eram muito amigas.
Elas só gostavam mesmo de ser gêmeas quando uma ia fazer a prova da outra no colégio. Melina, ótima em matemática, às vezes, na hora do teste, assumia o lugar da irmã sem que ninguém percebesse. Já Melissa salvava a sua gêmeas das terríveis provas de português da professora Gertrudes.


Um dia Melina, chegou à casa com umas revistas sobre cirurgia plástica. Pesquisou em sites sobre o assunto e verificou opiniões de quem já havia feito.
- Essas revistas sobre cirurgia plástica são de quem? – indagou Melissa.
- Mas tantas revistas sobre o assunto?
- É que na verdade estou pensando em fazer uma plástica.
- Plástica? Como pensa em algo assim e nem me fala nada?
- A vida é minha, eu não tenho que dar satisfações.
- Como não? Além de você ser minha irmã, nós iguais ora. Onde você pretende fazer a plástica, alguma lipo?

Melina disse que pensava em operar o nariz, em afiná-lo um pouco, diminuí-lo quem sabe. Disse que primeiro teria que consultar um médico. O fato, enfatizou a jovem, é que a decisão já fora tomada. Agora era apenas definir detalhes.
- Eu não acredito no que estou ouvindo. – gritou Melissa. – Você quer quebrar a união das gêmeas.
- Mas isso não tem nada a ver com a nossa amizade. Além disso, nós nunca gostamos de ser iguais. Gostamos?
- Você não percebe, Melina, que é muito mais complexo? Durante toda a vida fomos iguais e, de repente, aquela irmã idêntica quer ser diferente?
Melina não entendia aquele drama todo que a irmã estava fazendo: era só uma plástica, queria ficar mais bonita.
- Você acha simples assim? E nem me pergunta se eu também gostaria de fazer?
Melina não queria acreditar. Ah, mas era só o que faltava: a irmã também operar e as duas continuarem iguais.
- Nem pensar, Melissa, a ideia foi minha.
A irmã olhava visivelmente contrariada.
- Por que só você pode fazer retoques no perfil?
Olha, essa história já deu o que tinha que dar. Vou sair, respirar ar fresco.
Melina saiu, batendo a porta. A irmã atirou-se sobre a cama, tentando entender o que se passava, afinal. Neste instante a mãe das duas entrou.
- O que aconteceu, Melissa, por que você está triste?
- A Melina quer fazer uma plástica no nariz, mãe. Ela pode quebrar a identidade que existe entre a gente. Não pode.
- Nem se preocupe, a Melina é fogo de palha, entusiasma-se com algo e depois passa e, além disso, ela só poderá fazer a plástica se pagarmos. E nos já temos muitos gastos, ainda mais agora, que o irmão de vocês entrou para faculdade de Medicina.
Melissa agradeceu à mãe. E, quando ela saiu, ficou um tempo parada, apenas olhando para o teto. Até que seus olhos avistaram o computador. Decidiu levantar e pesquisar sobre cirurgia plástica: valores, métodos, tempo de recuperação. Viu várias fotos de pessoas que se submeteram aos procedimentos cirúrgicos e ficou impressionada com as mudanças. Havia pessoas completamente diferentes em relação ao antes e ao depois. Será que aquilo não lhes provocava uma crise de identidade?
No início da noite, Melina retornou ao quarto das duas.
- Visitei hoje duas clínicas de cirurgia. Uma delas era aquela em que a Márcia fez a lipo.
- Lipo é diferente, lipo não muda a cara de ninguém.
- Não dramatiza, Melissa! Na vida temos que buscar o que consideramos melhor. Se eu vou ser feliz com um nariz novo por que não?
- Você está esquecendo que deve ser caro e nossos pais estão com muitos gastos com o Henrique.
- Aqui em casa é sempre assim, tudo para o Henrique. E nós duas, não temos lugar?
- Não é bem assim - falou Melissa.
- É assim, sim. Aliás nossos pais nem se referem a nós pelos nossos nomes, é sempre as gêmeas. Parece até que não temos nome.
- Eles fazem isso somente para simplificar, porque nossos nomes são parecidos ele se confundem.
- Viu só que coisa ridícula? Tantos nomes no mundo e tinham que colocar nomes que só diferenciam por uma letra.

Melina estava exaltada. Já não aguentava mais as comparações com sua irmã gêmea. Elas até tentaram ser diferentes. Houve uma época em que uma pintava o cabelo de loiro e outra usava o natural. Depois discutiram porque uma tinha que sacrificar os cabelos com a tintura. Então fizeram um acordo: as duas pintariam o cabelo uma de loiro e a outra de ruivo. Mas tal acerto durou pouco. Como aliás, duraram pouco todas as tentativas de serem diferentes. Mas agora, Melina estava decidida. Tinha certeza disso.

No dia seguinte, Melissa estranhou que Melina já havia saído de casa. Foi tomar café e acessar seus e-mails. E para sua surpresa, encontrou uma mensagem de Melina dizendo à irmã que usara o dinheiro que havia ganho como guia de viagem da Disney para pagar a rinoplastia. E não adiantava ela tentar impedir, pois a cirurgia já estaria sendo realizada no momento em que ela lesse o e-mail.

Melissa chorou, ficou desesperada, não sabia a reação que teria ao ver sua irmã gêmea de repente diferente dela. Olhou-se no espelho. Agora, somente ali ela poderia ver-se, não mais no rosto da irmã.


Um comentário:

  1. Olá,

    Vi que vc publicou meu conto no seu blog.
    Fico contente que tenha gostado.
    Divulgarei seu blog no meu face.
    Att,
    Letícia Alvarez Ucha

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