MIGUEL REALE JÚNIOR - O
Estado de S.Paulo
Dilma Rousseff estava especialmente inspirada em 12
de outubro, na solenidade sobre mobilidade urbana em Porto Alegre. Fez curiosa
análise sociológica do País.
Iniciou sua fala referindo à "visão dominante"
sobre ser o metrô "coisa de país rico"; assim, por nos
"sentirmos pobres", apenas investíamos em corredor de ônibus. Passou,
então, a fazer digressão motivada por Nelson Rodrigues. "O Nelson
Rodrigues seria um gênio se tivesse escrito em inglês. Agora, ele é um gênio
para nós que falamos a língua portuguesa, o brasileiro, como eles dizem que a
gente fala, no exterior. Porque falam assim: o brasileiro eu entendo, o
português de Portugal eu não entendo, não. Então, nós que falamos e escrevemos
em português, nós temos de saber que tem uma descrição sobre Copa do Mundo, do
Nelson Rodrigues, que é brilhante: o complexo de vira-lata. O complexo de
vira-lata que atingia o nosso país, quando a gente estava prestes a ganhar a
Copa, uma porção de especialistas em futebol dizia que a gente ia perder. Esse
é o complexo de vira-lata." Em face desse complexo, conclui nossa
presidente, em estupenda forma lógica: "E naquela época não aceitaram que
tinha de fazer metrô".
Se não bastasse esse nonsense, abalançou-se a fazer
considerações sobre o Dia da Criança. A seu ver, não apenas da criança, pois
"é dia da mãe, do pai e das professoras, mas também é o dia dos animais.
Sempre que você olha uma criança, há sempre uma figura oculta, que é um
cachorro atrás, o que é algo muito importante". Havia, portanto, um fio
condutor na mente da presidente: da falta de metrô ao vira-latas de Nelson
Rodrigues e deste ao cachorro oculto por detrás de cada criança, o que é, como
salientou, "algo muito importante".
Mas, para ser justo, não foi apenas o Poder
Executivo atingido pela onda de nonsense. O Poder Judiciário também o foi.
Alguns alunos da USP decidiram que deveria o alunado determinar os destinos da
universidade, não bastando ter representação no Conselho Universitário e indicar
a este qual a preferência dos estudantes ante os candidatos a reitor. Impedidos
de entrar em reunião do Conselho Universitário, alunos com notável
"civilidade" invadiram o prédio da Reitoria, para com porretes
quebrarem portas e dependências do prédio público. A USP, diante do ilícito
manifesto, recorreu ao Judiciário solicitando reintegração de posse. Qual não
foi a surpresa ao ver o juiz interpretar o legítimo direito de recorrer a ele,
magistrado, como um ato de autoritarismo, por se pretender retirar à força
(legítima, da lei) quem à força (ilegítima) invadira um próprio público e o
estava a destruir.
O juiz abdicou de suas funções para fazer discurso
ideológico, com digressões de ordem política, ao considerar que o reitor se
recusou a "iniciar um debate democrático a respeito de diversos temas
sensíveis à melhoria da qualidade da universidade" (eleição direta do
reitor). Entendeu ser "de pequena monta" a depredação do patrimônio
público, porque seria "próprio da luta social, para ter pressão, causar transtorno
e alteração da normalidade".
Ao legitimar a violência dos invasores, em discurso
anacrônico, na data em que se comemoravam 25 anos da Constituição Cidadã,
considerou o juiz que a imprensa e a sociedade teriam sido "amalgamadas,
por longos anos, na tradição de um pensamento autoritário". Foi além o
magistrado, pois, a seu ver, a desocupação da Reitoria, com o uso da tropa de
choque, ratificaria mais uma vez "a tradição marcadamente autoritária da
sociedade brasileira e de suas instituições, que, não reconhecendo conflitos
sociais, ao invés de resolvê-los pelo debate democrático, lançam mão da
repressão".
Com esse discurso panfletário o juiz negou
jurisdição, impedindo a aplicação da lei. Admitiu que a ordem de desocupação -
evidentemente, a ser notificada por oficial de Justiça - seria desrespeitada,
devendo recorrer à força policial. Presenteou, então, os invasores com a
proposta de uma audiência de conciliação na qual o poder público deveria, sob a
pressão de estar com sua sede tomada à força, ceder às pretensões de entregar a
universidade aos estudantes e transformar os professores em seus subordinados.
Coerente foi o juiz em sua posição favorável ao
assembleísmo e à proteção da "democrática" pressão por mudanças com
recurso à violência. Incoerente, no entanto, foi a posição do desembargador ao
apreciar o recurso da universidade, porque entendeu que "os ocupantes
devem sair", mas não imediatamente, "pois provisoriamente a reitoria
pode funcionar em outro local", razão pela qual fixou um prazo de 60 dias
para o fazerem.
Contraditoriamente, reconheceu a ilicitude da ação
dos ocupantes, porém legitimou a manutenção da situação ilegal e danosa por 60
dias, indiferente ao transtorno causado à administração e ao bem público. Por
que o prazo de 60 dias para voltarem à legalidade? O Judiciário mostra medo de
impor a lei, cuja eficácia não depende de ação da tropa de choque, a não ser
excepcionalmente. Deu-se autorização judicial à violência dos alunos e se negou
direito certo da universidade. No Natal os invasores devem caminhar para suas
casas à espera do Papai Noel e em seguida gozar merecidas férias de verão.
No Dia do Professor, mestres, que devem ensinar o
respeito à lei, deram apoio incondicional aos black blocs, mascarados cuja
única forma de agir é a violência, posta como um fim em si mesmo. Como
conciliar a posição de educadores da juventude com a passeata ao lado desses
depredadores?
Para um desmemoriado Lula, José Sarney não levantou
um único dedo para criar dificuldades aos trabalhos da Constituinte, quando é
consabido ter conspirado continuamente contra a Assembleia Constituinte, para
no final manobrar de todas as formas por cinco anos de mandato.
É, o nonsense tomou conta do País.
*
ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA
PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

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