Lenda
ou verdade?
Representação medieval da Papisa Joana,
como João VII, gravura constante do livro Crônica de Nuremberg, de 1493 de Hartmann
Schedel
Trechos do livro "De Mulieribus
Claris""Mulheres famosas", de 1362, escrito porGiovanni Boccaccio (1313–1375)
A papisa Joana representada como oAnticristo,
montando a Besta do Apocalipse
Uma ilustração datada de 1560 (aproximadamente)
da Papisa Joana com aTiara Papal, absolvendo um monge em confissão. Do acervo
da Biblioteca Nacional da França.
Página do poema "Le Champion des
Dames", escrito por Martin le Franc,(1410–1461), poeta francês, referindo-se a
Joana.
Lady Godina's Rout;—or—Peeping-Tom spying out
Pope-Joan (caricatura do jogo da Papisa Joana, por James
Gillray, 1796)
Cena do nascimento da lenda do Papa Joan; representação
do períodorenascentista
Escrito por Christian Franz Paullini(1643–1712),
médico, polímata e escritor alemão
A Papisa
Joana teria sido a única mulher a governar
a Igreja durante dois ou três
anos, segundo uma lenda que circulou na Europa por vários séculos. É considerada pela
maioria dos historiadores modernos e estudiosos religiosos como fictícia,
possivelmente originada numa sátira antipapal.
Lenda da Papisa Joana
A
lenda aparece pela primeira vez em documentos do início do século XIII,
situando os acontecimentos em 1099. Outro cronista, também do século XIII,
data o papado de Joana de até três séculos e meio antes, depois da morte
do Papa Leão IV, coincidindo com uma época de crise e confusão na diocese de Roma.
Joana teria ocupado o cargo durante dois ou três anos, entre o Papa Leão IV e
o Papa Bento III (anos de 850 e 858).
Versões
A
história possui várias versões. Segundo alguns relatos, Joana teria sido uma
jovem oriental, nascida com o possível nome de Giliberta, talvez de Constantinopla,
que se fez passar por homem para escapar à proibição de estudar imposta às
mulheres. Extremamente culta, possuía formação em filosofia e teologia. Ao chegar a Roma, apresentou-se como monge e
surpreendeu os doutores da Igreja com sua sabedoria. Teria chegado ao papado
após a morte do Papa Leão IV,
com o nome de João VII. A mesma lenda conta que Joana se tornou amante de um
oficial da Guarda Suíça e
ficou grávida.
Outra
versão - a de Martinho de Opava - afirma que Joana teria nascido na cidade de Mogúncia, na Alemanha, filha de um casal inglês aí residente à época.
Na idade adulta, conheceu um monge, por quem se apaixonou. Foram ambos para
a Grécia,
onde passaram três anos, após o que se mudaram para Roma. Para evitar o
escândalo que a relação poderia causar, Joana decidiu vestir roupas masculinas,
passando assim por monge, com o nome de Johannes Angelicus, e teria então
ingressado no mosteiro de São Martinho.
Conseguiu
ser nomeada cardeal,
ficando conhecida como João, o Inglês. Segundo as fontes, João, em virtude de
sua notável inteligência, foi eleito Papa por unanimidade após a morte de Leão
IV (ocorrida a 17 de julho de 855).
Apesar
de ter sido fácil ocultar sua gravidez, devido às vestes folgadas dos Papas,
acabou por ser acometida pelas dores do parto em meio a uma procissão numa rua
estreita, entre o Coliseu de Roma e
a Igreja de São Clemente, e deu à luz perante a multidão.
As
versões divergem também sobre este ponto, mas todas coincidem em que a multidão
reagiu com indignação, por considerar que o trono de São Pedro havia
sido profanado. João/Joana teria sido amarrada num cavalo e apedrejada até à morte. Neste trajeto depois foi posta uma estátua de uma donzela com uma
criança no colo com a inscrição "Parce Pater Patrum, Papissae Proditum
Partum", conforme mais tarde 1375 atestado pelo "Mirabilia Urbis
Romae".
Noutro relato, Joana teria morrido devido a
complicações no parto, enquanto os cardeais se ajoelhavam clamando:
"Milagre, milagre!".
Publicações
A
história foi publicada pela primeira vez no século XIII pelo
escritor Estêvão de
Bourbon (m. 1261), frade
dominicano e historiador, reportando-se a lenda ou história espalhada pelos
séculos que o precederam (porém sem provas cabais).
Em
1886, voltou a ser difundida pelo escritor grego Emmanuel
Royidios no romance A
Papisa Joana, traduzido para inglês em 1939 pelo escritor Lawrence Durrell.
Marianus
Scoto (1028-1086), historiador
alemão e monge beneditino, recluso da abadia de Mogúncia, referindo-se a ela em
sua "storia sui temporis clara, segundo ele:
“o papa Leão morreu nas calendas de agosto e foi sucedido por Joana, uma
mulher, que reinou durante dois anos, cinco meses e quatro dias".
Martino de
Troppan, ou Martinus Polonus,
padre dominicano, do século XIII, capelão papal, em Roma, em sua
"Chronica Pontificoram et Imperatorum", diz que:
"Depois do papa Leão veio João Anglius,
nascido em Mogúncia, que foi papa durante dois anos, sete meses e quatro dias e
morreu em Roma após o que houve uma vacân¬cia no papado por um mês."
Sigeberto
de Gemblours, monge beneditino
(1030-1113), em sua "Chronica", escreveu:
“Houve rumores de que esse João era uma mulher e
era conhecida como tal apenas por um companheiro que teve relações com ela e a
deixou grávida. Ela deu à luz quando era papa. Por isso alguns historiadores
não a incluem na lista dos papas".
Otto de
Frisingen (m. 1158), da realeza
alemã e bispo de Frisingen, em dos seus sete livros de crônicas narra:
“Há uma interrogação a respeito de um certo
papa, ou melhor, papisa, que não é incluído na lista dos papas de Roma porque
era uma mulher que se disfarçava de homem. Um dia, quando montava a cavalo, deu
à luz uma criança”.
Godofredo
de Viterbo, secretário na corte
imperial, lá pelo ano de 1185, diz o seguinte:
"Joana, a papisa, não é contada depois de
Leão IV".
Jean de
Mailly, dominicano francês da cidade
de Metz,
no ano de 1250,
em seu "Chronica Universalis Mettensis", diz:
"Há uma interrogação a respeito de um certo
papa, ou melhor, papisa, que não é incluído na lista dos papas de Roma porque
era uma mulher que se disfarçava de homem e a motivo de seus grandes talentos
tornou-se secretário curial, cardeal e papa. Um dia,quando montava a cavalo,
deu à luz uma criança".
Donna
Woolfolk Cross; em seu "Pope
Joan", editado pela Geraçao Editorial em 496 páginas,
traz uma minuciosa narrativa sobre a história, os fatos antecedente e
posteriores.
Martin le
Franc, (1410-1461), poeta francês, originário da Normandia, reitor em Lausanne e um secretário do papa Nicolau V (1447-1455) e do antipapa Félix V,
em seu poema "Le Champion des Dames", faz referência aos
paramentos litúrgicos empregados por Joana.
Dennis Barton, em seu "Pope Joan", em uma descrição narrativa e pormenorizada.
Rosemary e Darroll
Pardoe; em seu "A papisa
Joana" "The female Pope: Ths mistery of Pope Joan" -
The First Complete Documentation of the Facts behind the Legend; editado
pela Ibrasa: São Paulo: 1990. Biblioteca Histórica, etc; vol. 38; traz uma
narrativa pormenorizada, com fontes épocas e ligações históricas.
Alain
Boureau; "The myth of
Pope Joan", editado pela "University of Chicago",
em 05 de janeiro de 2001 -
385 Páginas.
Alexander
Cooke, escritor protestante
de Oppenheim,
em seu "Johanna Papissa toti orbi manifestata", de 1616, que, em defesa à sua memória, voltou a
enunciá-la nas calendários papistas, de onde ela até então era (e continua sendo)
excluída.
Entretanto,
à base dos fatos, o teólogo David
Blondel, de Amsterdam em um escrito de 1647 (ver nota e o filósofo alemão Wilhelm Leibnitz,
além de enciclopedistas franceses, rotularam a história como falsa. Além
destes, seguiram-se outros, como John
Thurmaier, o “Aventino” (?-1534), de Abensberg, Baviera, em seu "Annales Boiorum"; Onofre
Panvínio (?-1568), de Venenza, em seus escritos datados de 1557; Florimundo
de Rernond, em seu livro '"Erreur
populaire de la papesse Jeanne", editado em Paris em (1558), que aponta e enuncia as contradições
relativas aos fatos sobre a existência histórica do papa Joana e o doutoIgnaz
von Doellinger e Joan
Lockwood O'Donovan,
em consideração ao fato consumado de "ser uma lenda", questiona o "onde" e o "por
quê" dela ter surgido.
Investigação
Existem
muitas controvérsias sobre esta história. Alguns historiadores tornaram-se
partidários de sua veracidade, outros contestaram-na como pura invenção.
Alguns
céticos afirmam que o mito pode ter surgido em Constantinopla,
devido ao ódio da Igreja Ortodoxa contra
a Igreja Católica. O objetivo seria desmoralizar a igreja rival.
Outra
vertente é de que este papa seria, na verdade, um eunuco que, por ser castrado, não foi eleito, mas
antes rotulado de «mulher».
Outra
hipótese é que, no século XIII,
o papado tinha um grande número de inimigos, especialmente entre a Ordem dos
Franciscanos ou a dos Dominicanos,
descontentes com as diversas restrições a que eram submetidas. Para se vingar,
teriam espalhado verbalmente a história da papisa.
Barônio considera a papisa um monstro que os ateus
e os heréticos tinham evocado do inferno por sortilégios e malefícios. Florimundo
Raxmond compara Joana a um
segundo Hércules enviado
do céu para esmagar a Igreja romana, cujas abominações tinham excitado a cólera
de Deus. Contudo, a papisa foi defendida por um historiador inglês
chamado Alexander
Cook.
No
seu libelo, o padre Labbé acusava João
Hus, Jerônimo de Praga, Wiclef, Lutero e Calvino de serem os inventores da história da
papisa, mas provou-se que, tendo Joana subido à Santa Sé perto
de seis séculos antes do nascimento do primeiro daqueles personagens, era
impossível que eles tivessem imaginado tal fábula; e que, em todo o caso,
Mariano, que escrevera a vida da papisa mais de 50 anos antes deles, não
poderia tê-la copiado das suas obras. Eis uma asseveração transcrita de Labbé:
"Dou o mais formal desmentido a todos os
heréticos da França, da Inglaterra, da Holanda, da Alemanha, da Suíça e de
todos os países da Terra para que possam responder com a mais leve aparência de
verdade à demonstração cronológica que publiquei contra a fábula que os
heterodoxos narraram sobre a papisa Joana, fábula ímpia cujas bases destruí de
um modo invencível".
Crônicas
contemporâneas investigam a época do reinado de Joana. O principal argumento é
que esses historiadores, sendo prelados, padres e monges, todos zelosos
partidários da Santa Sé, tinham interesse em negar a ascensão escandalosa de
uma mulher ao trono de São Pedro, devido à intensa misoginia característica da
Igreja medieval.
Um
dos sinais mais interessantes da existência de Joana é um decreto publicado
pela corte de Roma, proibindo que se colocasse Joana no catálogo dos papas:
"Assim, acrescenta o sensato Launay, não é
justo sustentar que o silêncio que se lançou sobre essa história, nos tempos
imediatamente posteriores ao acontecimento, seja prejudicial à narrativa feita
mais tarde. É verdade que os eclesiásticos contemporâneos de Leão IV e de Bento
III, por um zelo exagerado pela religião, não falaram nessa mulher notável; mas
os seus sucessores, menos escrupulosos, descobriram afinal o mistério…"
Genebrardo,
arcebispo de Aix,
afirma que, durante perto de dois séculos, a Santa Sé foi ocupada por papas de
um desregramento tão espantoso que eram dignos de serem chamados apostáticos e
não apostólicos, e acrescenta que as mulheres governavam a Itália e que a cadeira pontifical se transformara
numa roca (armação de madeira das imagens dos santos-de-roca). E, com efeito,
as cortesãs Teodora e Marózia dispunham, segundo o seu capricho, do
lugar de vigário de Jesus Cristo e colocavam no trono de São Pedro os seus
amantes ou filhos ilegítimos.
Outras lendas de mulheres na Igreja
Além
da fábula da Papisa Joana, circulam diversas lendas sobre mulheres que teriam
vestido o hábito sacerdotal. Uma cortesã chamada Margarida ter-se-ia disfarçado
de padre e entrado para um convento de homens, onde tomou o nome de Frei
Pelágio; Eugênia, filha do célebre Filipe, governador de Alexandria no reinado
do imperador Galiano, dirigia um convento de frades, e não descobriu o seu sexo
senão para se desculpar de uma acusação de sedução que lhe fora intentada por
uma jovem.
A
crônica da Lombardia,
composta por um monge de Monte Cassino, refere igualmente, segundo um padre
chamado Heremberto (que escrevia trinta anos depois da morte de Leão IV), a
história de uma mulher que fora patriarca de Constantinopla:
«Um
príncipe de Benevento, chamado Archiso, diz, teve uma revelação divina na qual
um anjo o advertia de que o patriarca que ocupava então a sede de
Constantinopla era uma mulher. O príncipe apressou-se a informar o imperador
Basílio, e o falso patriarca, depois de despojado de todas as suas vestes
diante do clero de Santa
Sofia, foi reconhecido por uma
mulher, expulso vergonhosamente da Igreja e encerrado num convento de
religiosas.»
Tarot
Misteriosamente,
a história foi imortalizada num arcano do Tarot, a segunda lâmina, «A
Papisa», carta que representa a
sabedoria, o conhecimento, a intuição e a chave dos grandes mistérios.
Cultura popular
Papisa Joana é o nome de um
jogo de cartas britânico. A mais antiga referência ao «Jogo da Papisa Joana»
aparece no Dicionário Oxford de Inglês em 1732, embora não se tornasse verdadeiramente popular
até ao século XIX.
Henry Mayhew atesta em sua London Labour and the London Poor (1851)
que este jogo se tornou «hoje raro».
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