sábado, 14 de dezembro de 2013

UM NOME PARA A ETERNIDADE

Joaci Góes


Em 22 de julho de 1998 escrevemos, nesta Tribuna da Bahia, um artigo sob o título Mandela: o Deus Negro, que transcrevemos abaixo:

“A cada dia adensa-se o sentimento universal que confere a Nelson Mandela a estatura do maior estadista deste século.
  
Alguns chegam a vê-lo como a maior figura humana de todos os tempos. Algo assim como a síntese de personalidades tão distantes no espaço, no tempo e nos papéis que desempenharam como José do Patrocínio, Marechal Rondon, Che Guevara, Simon Bolívar, Martin Luther King, Lênin, Mahatma Gandhi, São Paulo, Moisés.
  
Razões são o que não faltam para justificar o crescente entusiasmo pelo homem e seus feitos, dentro e fora da África do Sul.
  
Não estranha, pois, que seu nome exceda em interesse e avulte sobre todas as demais personalidades contemporâneas, em campos tão diferentes como a religião, a ciência, a política, os esportes, a literatura, os negócios, as artes em geral.
  
A biografia de Mandela é um destes acontecimentos da realidade que a ficção mais ousada mal consegue tangenciar.
  
Encarcerado aos 44 anos, pelo crime de lutar contra o apartheid, sistema tão odiento quanto a escravatura, Mandela deixa a prisão 27 anos depois, aos 71 anos, para tornar-se, em pouco tempo, o presidente amado do seu país, a África do Sul.
  
Aí já identificamos dois episódios excepcionais:
1) um ex-presidiário assumir a suprema magistratura da nação depois de tão longo encarceramento;
2) um negro presidir uma nação cuja ideologia central baseava-se numa intolerância racial tão extremada que aos negros não era permitido partilhar com os brancos os mais variados ambientes, como escolas, lojas, restaurantes, cinemas, transportes coletivos, praias, áreas residenciais e, até, durante muito tempo, locais de trabalho.
  
O milagre maior, porém, estava por realizar-se.
  
Eleito, Mandela age como se toda uma vida exposta a lutas, humilhações, desenganos, sofrimentos e frustrações não fosse suficiente para permitir que o menor assomo de mágoa se aninhasse em seu coração, façanha que o eleva ao patamar dos Santos.
  
Para dizer à Nação que a África do Sul não poderia sobreviver, convivendo com o ódio ou com a vingança, recepcionou em Palácio o seu acusador, o juiz que o sentenciou e três dos seus carcereiros, além de assegurar a incolumidade física e psicológica dos algozes dos seus irmãos oprimidos.
  
Não há precedente de anistia tão generosa quanto necessária para evitar o mar de sangue apocalíptico que de outro modo inundaria a África do Sul, abortando o seu encontro com o futuro.
  
À frente do governo, Mandela é mais uma Entidade do que um chefe de estado, de tal sorte se reverencia o seu nome, enquanto problemas crônicos, acumulados ao longo de séculos de erros e de opressão, continuam clamando por soluções cuja urgência é incompatível com as possibilidades imediatas da economia.
  
O que preocupa, o que é objeto de especulações e estudos que se multiplicam, como os mais recentes e festejados “Anatomy of a Miracle”, de Patti Valdmei e “When Mandela Goes” de Lester Vander, é o que virá depois que Mandela, por vontade própria, deixar o governo em 1999 quando, segundo as mais consistentes probabilidades, será eleito, como seu sucessor o seu velho discípulo e hoje seu ministro forte, Thabo Mbeki.
    
Praticamente, ninguém questiona seja Mbeki o mais qualificado dentre os possíveis sucessores de Mandela. O que se indaga é se mesmo com sua excelente formação como economista graduado na Inglaterra, com seu proverbial pendor diplomático, com seu poder de diálogo com os da sua cor, com os mestiços e com os brancos, além de sua credibilidade internacional será ele capaz de manter o precário equilíbrio de uma transição que magnificamente inaugurada por Mandela ainda levará muitos anos para completar-se. E o que virá é domínio absoluto do imprevisível.
  
Tacitamente, a consciência universal reconhece o direito de Mandela, passado dos oitenta anos, não aceitar a renovação do seu mandato e buscar um refúgio onde possa descansar o corpo e a mente de uma canseira tão longa.
  
E de lá, quem sabe, possa continuar despejando as messes de paz e de ternura, Anjo Negro guardando o seu povo, exemplo para o mundo”.
  
Hoje, quando todo o mundo reverencia a sua memória e vela o seu corpo, regozijamo-nos com o acerto daquela avaliação. Morto, Mandela é ainda maior do que vivo: uma estrela de incomensurável grandeza na constelação dos maiores nomes da saga humana. 


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