São
classificadas entre as sete maravilhas do mundo de origem portuguesa
A Igreja
e Convento de São Francisco são importantes edificações históricas da cidade de Salvador,
na Bahia, Brasil.
Localizadas
no coração da cidade, as estruturas foram erguidas entre os século XVII e XVIII
e são consideradas uma das mais singulares e ricas expressões do Barroco brasileiro, apresentando, em especial a igreja, uma faustosa decoração interior.
Foram tombadas pelo Iphan,
classificadas como uma das Sete
Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo, e fazem parte do Centro
Histórico de Salvador,
que hoje é Patrimônio
da Humanidade.
O
convento foi fundado em 1585 pelo frei franciscano Melchior
de Santa Catarina, Custódio de Olinda, em Pernambuco, após receber autorização do papa Sisto V. No local já havia uma pequena capela e algumas
habitações provisórias. No mesmo ano, a convite do bispo Dom Antônio Barreiros, o Custódio enviou dois irmãos para a Bahia, os freis Antônio da Ilha e
Francisco de São Boaventura, com a responsabilidade de providenciar a
instalação do convento e dar início às obras, que só começaram de fato em
1587. Em 1675 foi decidida uma reconstrução, sob a administração do
Provincial frei Vicente das Chagas, que autorizou o frei Daniel de São
Francisco a angariar donativos para as obras. Como a congregação havia
crescido, os novos edifícios foram projetados em uma escala mais ampla.
As
obras tiveram início oficial em 20 de dezembro de 1686, quando lançou-se a
pedra fundamental. O claustro foi construído primeiro, com projeto de
Francisco Pinheiro. Em 1701 foi dada autorização para que a Ordem Terceira
construísse sua
própria igreja, cemitério e outras
dependências. A partir de 1705 foram colocados revestimentos no claustro e
erguido o altar da enfermaria, e entre 1710-1710 foram concluídos os muros e
lançados os pilares. Sua decoração de azulejos pintados foi realizada entre
1749 e 1752. Entrementes outras partes do conjunto foram sendo edificadas. Em
1708 foi iniciada a capela-mor da igreja. Como o terreno apresentava um
forte declive nos fundos, foi preciso aterrá-lo e lançar fundos alicerces. As
obras foram supervisionadas por Manoel Quaresma, sucedido a partir de 1710 por
frei Hilário da Visitação. Não se sabe ao certo quem foi seu
arquiteto, talvez tenha sido o mesmo Francisco Pinheiro. Contudo, o
projeto teve de ser modificado, prescindindo da galilé, já que o síndico do convento, Francisco
Oliveira Porto, iniciara a construção de umas casas junto de onde ela deveria
ficar.
A
capela-mor, o arco do cruzeiro e as paredes até onde ficariam os púlpitos estavam prontos em 1713, já podendo
abrigar o culto, sendo consagrado este trecho em 3 de outubro. O restante do
corpo da igreja, incluindo a fachada em arenito, foi terminado em 1720, data gravada no frontispício.
No mesmo ano foi instalado o cadeiral do coro, reaproveitado da edificação
anterior, e em seguida iniciaram as obras de decoração interna.
Em
1729 o frei Álvaro da Conceição providenciou à conclusão dos pilares do
claustro, e a partir de 1733 iniciaram as pinturas do teto da igreja, obra do
frei Jerônimo da Graça. Em 1737 foram colocados azulejos na capela-mor, no ano
seguinte começou o arremate dos pilares do claustro, o douramento da capela-mor
e altares laterais da igreja, e a execução do retábulo de São Luís ao lado do arco do cruzeiro.
Em 1741 o frei Manoel do Nascimento iniciou o revestimento do piso e foi
encomendado um grande retábulo de Nossa
Senhora da Glória, instalado também ao lado do
cruzeiro. Entre 1749 e 1752 foram finalizadas as obras do claustro, incluindo a
biblioteca, e a partir de 1752 foram sendo terminadas a portaria e seu altar.
Em 1782 foram colocados azulejos na portaria. As torres foram concluídas
entre 1796 e 1797, instalando-se os sinos e o relógio, mas o revestimento de
pedras azuis e brancas nos coruchéus teve de esperar ainda cerca de um século
para ser instalado.
Características
Igreja
Situada
diante de uma praça, o Largo do Cruzeiro, que se articula com o Terreiro de Jesus, a igreja mostra influência da edificação jesuíta, austera no exterior mas decorada com luxo no
interior. O edifício foi construído em pedra calcária nas partes aparentes, e arenito nas partes rebocadas. A simplicidade
dos campanários quadrangulares,
coroados com pirâmides azulejadas, contrasta com o bloco central mais
ornamentado, com aberturas em arco na base e um frontão no topo decorado com grandes volutas. Leslie Bethell identificou influência dos
modelos arquitetônicos de Sebastiano Serlio na fachada. Sua planta é incomum entre os projetos
franciscanos do Nordeste brasileiro, pois tem três naves, ao passo que o desenho mais usual conta com
apenas uma, embora as naves laterais sejam baixas, estreitas e cobertas por uma
galeria, e funcionem mais como um deambulatório entre
as capelas secundárias. Além da capela-mor, dedicada a São Francisco de Assis a igreja possui oito capelas secundárias, duas delas nos braços
do transepto.
A do lado esquerdo é dedicada a Nossa
Senhora da Glória, e a direita, a São
Luís de Toulouse.
A
igreja é especialmente preciosa pela sua exuberante decoração interna. Todas as
superfícies do interior - paredes, colunas, teto, capelas - são revestidas de
intrincados entalhes e douraduras, com florões, frisos, arcos, volutas e
inúmeras figuras de anjos e pássaros espalhadas em vários pontos.
Calcula-se que foi usada uma tonelada de ouro nos douramentos. Não
se conhece o autor da talha.
De ambos os lados existem grandes púlpitos, também ricamente decorados.
Na
capela-mor se destaca o importante grupo escultórico do altar-mor, que ilustra a aparição do Cristo estigmatizado para São Francisco. É
produção moderna, de dimensões acima do natural, inspirada em tela de Bartolomé Murillo, célebre pintor espanhol. Foi talhado e instalado em 1930 pelo
baiano Pedro Ferreira seguindo a estética e as técnicas barrocas, sob encomenda do
conselheiro Francisco da Silva Pedreira. Antes de ser entronizado, o conjunto
foi exposto em uma galeria de Salvador, atraindo grande público e despertando
elogios generalizados, inclusive de mestres da Escola de Belas
Artes. Diante do grupo pende um lampadário de prata de quase dois metros
de altura, pesando 80 quilos, datado de 1758-1761, doado pelo capitão Antônio
André Torres.12 1 Na
mesma capela há pinturas sobre a vida do santo, produzidas por Bartolomeu
Antunes em Lisboa em 1737,
possivelmente a pedido do frei Manuel das Mercês. As capelas secundárias não
possuem dedicação fixa, os santos que honram passaram por um rodízio desde a
fundação do complexo, substituindo-se periodicamente a estatuária nos seus respectivos
altares.
O
teto da nave possui pinturas sobre o ciclo mariano atribuídas
por Augusto Telles ao frei Jerônimo
da Graça, realizadas entre 1733 e
1737. O cadeiral entalhado do coro e a estante para o missal, bem como as grades entre as capelas
secundárias, são obra do frei Luís de Jesus, conhecido como "irmão
Torneiro", e são os elementos decorativos mais antigos da igreja, datando
do século XVII, reaproveitados da primeira igreja edificada no local. Sobre o
parapeito do coro existe ainda um rico oratório com um crucifixo e dez pequenos nichos para relíquias de vários santos, entre elas um crânio de
um mártir não
identificado, a quem se atribuiu o nome de São
Fidélis Mártir, doado pelo papa Inocêncio XII. Entre suas jóias estão também uma estátua
de São Pedro
de Alcântara criada pelo santeiro
baiano Manuel
Inácio da Costa, outra de Santo Antônio,
possivelmente encomendada por Garcia d'Ávila, e
uma série de painéis de azulejo pintados com cenas da vida do
padroeiro, criados em 1737 por Bartolomeu
Antunes de Jesus, artista lisboeta. As pias
de água benta debaixo
do coro, à entrada, foram doadas, segundo a tradição, por Dom João VI,
e o piso tem revestimento decorado acompanhando o padrão dos entalhes do teto.
A sacristia também é ricamente decorada. O corredor
que a interliga à igreja tem o teto e azulejos pintados com cenas bíblicas.
Dali sobe-se por uma escada às tribunas e coro da igreja e ao piso superior do
convento. A passagem é ornada com azulejos mostrando cenas diversas:alegorias dos
sentidos e dos meses do ano, paisagens, combates e cenas pastorais. A
sacristia propriamente dita possui um grande arcaz em madeira entalhada, obra
do irmão Torneiro, com pinturas sobre pequenas placas de cobre encaixadas em
nichos, mostrando cenas da vida de São Francisco. Sobre o móvel, junto ao teto,
está uma série de pinturas de Bartolomeu Antunes com a mesma temática, motivo
que se repete nas pinturas do teto, emolduradas por caixotões. Dividindo o
arcaz ao meio, se ergue um grande altar dourado com um crucifixo em marfim. Nas
duas paredes laterais estão dois grandes armários também entalhados no mesmo
estilo, mas sua autoria é controversa. Na outra parede foi instalado um lavabo
de pedra, de linhas simples, em cujo topo está uma estátua de Santo Antônio.
Convento
O convento, ainda em uso, com dezenas de celas, foi
construído em torno de um claustro quadrado, tem um sub-solo e dois
pavimentos sobre o nível da rua. O nível superior possui um passeio aberto em
forma de galeria com vigamento aparente e coberto por telhas, e os níveis
inferiores são abobadados e
arcados. O modelo se inspira nos claustros portugueses do século XVI. Sua
decoração mostra ricos painéis de azulejo, parte deles criada por Bartolomeu de
Jesus em meados do século XVIII, e que mostram cenas e inscrições moralistas diversas, retiradas do livroTeatro
Moral da Vida Humana e de toda a Filosofia dos Antigos e Modernos,
ilustrado com estampas de Otto van
Veen, que foi mestre de Peter Rubens.
A portaria que dá acesso ao convento possui importante pintura no teto atribuída
a José Joaquim da Rocha, onde se representa uma aula magna universitária
em que se debate o privilégio da isenção da Virgem Maria do pecado original, uma
cena povoada por vários santos, prelados e figuras alegóricas dos quatro continentes, além de um altar
entalhado, azulejos pintados nas paredes com cenas da vida monástica e painéis
com retratos de santos franciscanos.
Outros
espaços dignos de nota são a biblioteca, com um pequeno altar dedicado a São Boaventura,
um teto decorado com grandes pinturas deDoutores da Igreja e estantes coroadas por entalhes; o refeitório, com outros painéis
azulejados datados de c. 1650, pertencentes à primeira igreja construída no
local, e a sala-capela do Capítulo.
Esta última tem o teto decorado com uma grande série de pinturas em caixotões
que representam virgens mártires, mais um imponente altar dedicado a Nossa
Senhora da Saúde, azulejaria pintada e oito
painéis parietais com temática retirada do ciclo mariano, especialmente
as Litaniae
Lauretanae. A fonte iconográfica foi
identificada na obra Elogia Mariana, publicada em Augsburgo em 1732, com ilustrações de August
Casimir Redel e Thomas
Scheffler. O jardim do convento
também serve como pequeno cemitério, onde foram depositados os despojos de
várias personalidades franciscanas, como o frei Vicente do Salvador e o frei
Antônio de Santa Maria.1
Importância estética e
cultural
O
conjunto, especialmente pela riqueza da igreja, é considerado como uma das mais
espetaculares expressões do Barroco no Brasil, tendo sido tombado pelo IPHAN em 1985. Também foi eleito uma
das 7 Maravilhas de Origem Portugesa no Mundo. Anexa fica a Igreja
da Ordem Terceira de São Francisco,
outro monumento notável pela originalidade de sua fachada profusamente
ornamental, com reminiscências maneiristas e única no contexto
brasileiro. O Centro
Histórico de Salvador,
onde os edifícios se localizam, foi declarado Patrimônio
da Humanidade pela Unesco.
Essa
abundância decorativa era parte essencial do estilo Barroco, incentivada pelas determinações do Concílio de Trento, e tinha como objetivo conquistar os fiéis e excitar sua devoção
através da maravilha e do deslumbramento, ao mesmo tempo em que oferecia uma
série de pinturas e estátuas que ilustravam a doutrina católica para a educação do povo analfabeto. Mesmo que a suntuosidade
fosse uma característica comum dos templos barrocos, a riqueza extraordinária
da igreja levantou questionamentos desde o início. No século XVIII o templo foi
visitado por capuchinhos italianos, que ficaram indignados com tanta
ostentação, e elaboraram um documento em que lamentavam o abuso e as constantes
solicitações de esmolas pelos frades para completar a decoração. No século XIX
franciscanos alemães também protestaram, pretendendo eliminar todo o ouro das
igrejas salvo nos aparatos litúrgicos e no tabernáculo do Santíssimo Sacramento, mas a medida não encontrou receptividade. Apesar da grande
homogeneidade da decoração como um todo, o estilo dos elementos em separado, em
seu estado atual, pode variar bastante, mostrando traços maneiristas, rococós e até neoclássicos,
embora o Barroco predomine, o que se explica pelo largo período de tempo
necessário para construir e decorar as estruturas, e pelas reformas, restauros
ou alterações que o conjunto sofreu em sua história
Contrastando
com o luxo dos edifícios, a vida monástica que se desenvolve hoje no convento é
marcada pela austeridade. Os frades seguem ovoto de pobreza,
dedicam-se à oração e às obras pias e, segundo disse o frei Hugo Fragoso,
"a vivência pessoal dos religiosos sempre foi pobre... A cada reforma
católica, há uma tentativa de resgate da maneira de viver de Francisco de Assis, com a substituição de algumas casas suntuosas por eremitérios.
A tensão é permanente ao longo dos séculos.... Ao contrário dos franciscanos do
século de ouro, os de hoje lutam pelo resgate do essencial". O mobiliário
das celas dos
frades se resume em uma cama, um armário e uma escrivaninha.
Em
2009 foi publicado o primeiro levantamento histórico, social e estético
aprofundado sobre os edifícios, o livro Igreja e Convento de São
Francisco da Bahia, após uma pesquisa de 10 anos realizada pela
historiadora Maria Helena Ochi Flexor em conjunto com o frei Hugo Fragoso,
trazendo textos de vários especialistas.
Desde
o século XVIII acontece às terças-feiras, no largo diante da igreja, a
tradicional bênção dos pães de Santo Antônio,
um santo franciscano, com a maior participação popular no dia da sua festa, 13
de junho, e na festa de São Francisco,
17 de setembro, quando chegam a ser distribuídos 15 mil pãezinhos. A celebração
atrai também devotos de Ogun,
num sincretismo com
cultos afrobrasileiros.
Conservação
Entre
1926 e 1930, já com várias partes em avançado estado de degradação, causada
principalmente por cupins, foram realizadas diversas intervenções derestauro sob a direção do frei Próspero Kaufmann e
do mestre-de-obras Eustáquio Gomes, tendo como entalhadores Cassiano de Araújo,
Pedro Luís e Cipriano de Oliveira, com Luís Alves Pereira fazendo os
douramentos. Eles repararam a estatuária, modificaram estruturas e ornamentos
das capelas secundárias e a decoração da capela-mor. Mas como eles não tinham
conhecimento especializado, o trabalho foi de pobre qualidade. O retábulo original da capela-mor, então seriamente
carcomido, foi quase todo modificado, além de serem retiradas estátuas
portuguesas de São Domingos e Santo Antônio.
Desta época data a entronização do grande grupo escultórico no altar-mor, obra
moderna de Pedro Ferreira, e a substituição da antiga estátua de São
Luís de Toulouse na capela direita do transepto por uma representando o Sagrado
Coração de Jesus. Recentemente a troca foi
desfeita, bem como retornou ao seu lugar a imagem de Santa Ifigênia,
também removida anteriormente.
Durante
as obras de revitalização do centro
histórico de Salvador,
há poucos anos, a igreja, o convento e seu largo fronteiro também receberam
atenção conservadora, mas o monumento precisa de cuidados permanentes. Em
2005 os azulejos do claustro foram cobertos por gaze para evitar que a
superfície pintada se desprendesse, o que já se verifica em muitos pontos. Foi
solicitado um restauro emergencial ao Iphan, mas em vista do alto custo da obra
não houve condições de realizá-la. Em 2006 foi realizado um projeto de
pesquisa empregando-se técnicas de fotografia e restauro digital a fim de
preservar pelo menos aiconografia dos
azulejos antes que ela seja perdida inteiramente, a fim de que um futuro
trabalho de restauração possa ter subsídios consistentes. Além disso, por
causa de suas preciosidades a igreja já foi vandalizada várias vezes e teve
várias peças originais roubadas.
A
necessidade de conservação, coisa sempre muito cara em se tratando de
monumentos históricos tão preciosos, também se choca com os interesses da
comunidade franciscana, cujo objetivo central é o trabalho com os pobres. O
frei Hugo Fragoso disse em 2010 que os freis não podem viver para os conventos,
mas para suas obras assistenciais e pastorais. Em que pese sua enorme
importância, são relativamente poucos os turistas que o visitam, e um programa
para tornar o complexo autossustentável ainda está por ser feito; tudo o que se
refere à sua conservação ainda depende basicamente do governo.
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