Como é do conhecimento do povo de Salvador, o dia 4
de dezembro dedicado a Santa Bárbara, abre o ciclo das festas de largo desta
cidade, sendo programados vários eventos no
Centro Histórico. É dia
de vestir vermelho e branco, cores do orixá e, este
ano, a festa acontece na quarta-feira, dia dedicado a seu culto.
É um festejo alegre e colorido, que se inicia às 5
horas da matina com a Alvorada, seguida de queima de fogos de artifício no Pelourinho. Na mesma
manhã, às 8 horas, ocorre missa campal no mesmo lugar, nas proximidades da
Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, seguida de procissão pela Baixa
dos Sapateiros até o Corpo de Bombeiros, na Praça dos Veteranos. Não sei como
andam os preparativos para o caruru dos Mercados de Santa Bárbara e São Miguel,
outrora pujantes, e dos que acontecem nos seus arredores.
Guindado à categoria de Patrimônio imaterial, desde
2008, por meio de decreto do governador do estado, Jaques Wagner, a festa
baiana remonta a muitos anos, sendo o sincretismo religioso uma das marcas mais
fortes da devoção à Santa Bárbara (Igreja Católica)
e Iansã (Candomblé). Curiosamente, Santa Bárbara, mulher de grande beleza,
viveu na antiga província romana da Bitínia, na Ásia Menor, tornou-se cristã,
sendo, por isso mesmo, martirizada por seu próprio pai. Conta a lenda
que, ao ser degolada, um raio atingiu Dióscoro (pai) e o reduziu a cinzas.
Convém mencionar que a devoção a Santa Bárbara na Bahia foi trazida pelos
portugueses, existindo, outrora, no bairro do Comércio (Cidade Baixa) um
mercado administrado por um português.
Tenho
impressão de que o folclorista Luís da Câmara Cascudo desconhecia a devoção do
caruru de Iansã, orixá sudanês muito cultuado na Bahia, pois a ele não se
refere no seu Dicionário do Folclore Brasileiro. Isto porque, só trata do
caruru dos Ibeiji, gêmeos identificados como Cosme e Damião, oferecido, na
Cidade do Salvador, no dia 27 de setembro e em outros pontos do país.
Quanto ao
étimo caruru é de origem tupi. Teodoro Sampaio consigna: corruptela de
caá–ruru, a folha grossa, inchada, aquosa; a planta mucilaginosa, mas aventa a
possibilidade de proceder de caá – rerú, o prato de ervas, feito de folhas,
nome usado na Bahia. No Vocabulário Tupi – Português, o Pe. Lemos Barbosa
traduz o termo caruru por bredo (planta).
Ao dicionarizar Caruru, Câmara Cascudo define:
“Iguaria indígena , constando de um esparregado de bredos, hera vulgar caruru,
referindo-se à descrição de Piso , médico de Maurício de Nassau (1638-1644),
nos seguintes termos: “Come-se esse bredo como legume e cozinha-se em
lugar de espinafre; é do mesmo sabor e eficácia, juntando-se suco de limões
para condimento ...é de facílima digestão“. Faz menção também ao fato de o
poeta Gregório de Matos, antes de 1693, referir-se a moqueca, petitinga e
cararu. Cararu, caroru, caruru foram variantes gráficas usadas no século XVII.
Vai mais além, descreve a viagem da planta para a África, seu uso em outros
lugares, enfim, tratando dela e do seu uso, sem qualquer nota devocional.
Quanto ao
vocábulo Iansã, Câmara Cascudo assinala: “Orixá sudanês dos ventos e das
tempestades, uma das mulheres de Xangô. Chamam-no também Oiá: na Bahia, Oiá é o
orixá do rio Oiá (Niger).
Citando
Nina Rodrigues (Os Africanos no Brasil) diz:” Convém advertir, porém, que
entre nós, os negros mais o designam pelo nome de Yansã (Oiá), a deusa do
rio Níger, identificada com Santa Bárbara. Edison Carneiro (Negros Bantos) diz
que no sincretismo religioso foi confundida com a defensora dos raios e das
tempestades.
Na
“Iconografia dos Deuses Africanos no Candomblé da Bahia” livro que tem
introdução de Jorge Amado, estão publicados: 128 aquarelas de Carybé
(1940-1980) e textos antropológicos de Pierre Fatumbi Verger e Waldeloir
Rego dos Santos, edição projetada por Emanoel Araújo, cuja impressão foi
concluída em dezembro de 1980, contém elenco precioso de contribuição para o
estudo da religião africana na Bahia.
O caruru
que vem sendo oferecido aos associados e convidados especiais, no IGHB, desde
1997 (salvo engano), foi instituído por Manoel Cosme de Jesus, antigo e querido
funcionário da Casa da Bahia, que presenteou sua presidente com uma imagem da
santa, por associá-la ao arquétipo do Orixá. As tradições se firmam pela
continuidade da celebração. Não se sabe se, no IGHB, o caruru se manterá nos
anos vindouros. Somente Santa Bárbara poderá garantir a sua realização nos anos
que se seguem.
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