terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

NOTAS SOBRE O DIA DE SANTA BÁRBARA



Por Consuelo Pondé

Como é do conhecimento do povo de Salvador, o dia 4 de dezembro dedicado a Santa Bárbara, abre o ciclo das festas de largo desta cidade, sendo programados vários eventos no Centro Histórico. É dia
de vestir vermelho e branco, cores do orixá e, este ano, a festa acontece na quarta-feira, dia dedicado a seu culto.

É um festejo alegre e colorido, que se inicia às 5 horas da matina com a Alvorada, seguida de queima de fogos de artifício no Pelourinho. Na mesma manhã, às 8 horas, ocorre missa campal no mesmo lugar, nas proximidades da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, seguida de procissão pela Baixa dos Sapateiros até o Corpo de Bombeiros, na Praça dos Veteranos. Não sei como andam os preparativos para o caruru dos Mercados de Santa Bárbara e São Miguel, outrora pujantes, e dos que acontecem nos seus arredores.

Guindado à categoria de Patrimônio imaterial, desde 2008, por meio de decreto do governador do estado, Jaques Wagner, a festa baiana remonta a muitos anos, sendo o sincretismo religioso uma das marcas mais fortes da devoção à Santa Bárbara (Igreja Católica) e Iansã (Candomblé). Curiosamente, Santa Bárbara, mulher de grande beleza, viveu na antiga província romana da Bitínia, na Ásia Menor, tornou-se cristã, sendo, por isso mesmo, martirizada por seu próprio pai.  Conta a lenda que, ao ser degolada, um raio atingiu Dióscoro (pai) e o reduziu a cinzas. Convém mencionar que a devoção a Santa Bárbara na Bahia foi trazida pelos portugueses, existindo, outrora, no bairro do Comércio (Cidade Baixa) um mercado administrado por um português.

Tenho impressão de que o folclorista Luís da Câmara Cascudo desconhecia a devoção do caruru de Iansã, orixá sudanês muito cultuado na Bahia, pois a ele não se refere no seu Dicionário do Folclore Brasileiro. Isto porque, só trata do caruru dos Ibeiji, gêmeos identificados como Cosme e Damião, oferecido, na Cidade do Salvador, no dia 27 de setembro e em outros pontos do país. 
Quanto ao étimo caruru é de origem tupi. Teodoro Sampaio consigna: corruptela de caá–ruru, a folha grossa, inchada, aquosa; a planta mucilaginosa, mas aventa a possibilidade de proceder de caá – rerú, o prato de ervas, feito de folhas, nome usado na Bahia. No Vocabulário Tupi – Português, o Pe. Lemos Barbosa traduz o termo caruru por bredo (planta). 
Ao dicionarizar Caruru, Câmara Cascudo define: “Iguaria indígena , constando de um esparregado de bredos, hera vulgar caruru, referindo-se à descrição de Piso , médico de Maurício de Nassau (1638-1644), nos seguintes termos: “Come-se esse bredo como legume e cozinha-se em lugar de espinafre; é do mesmo sabor e eficácia, juntando-se suco de limões para condimento ...é de facílima digestão“. Faz menção também ao fato de o poeta Gregório de Matos, antes de 1693, referir-se a moqueca, petitinga e cararu. Cararu, caroru, caruru foram variantes gráficas usadas no século XVII. Vai mais além, descreve a viagem da planta para a África, seu uso em outros lugares, enfim, tratando dela e do seu uso, sem qualquer nota devocional.
Quanto ao vocábulo Iansã, Câmara Cascudo assinala: “Orixá sudanês dos ventos e das tempestades, uma das mulheres de Xangô. Chamam-no também Oiá: na Bahia, Oiá é o orixá do rio Oiá (Niger). 
Citando Nina Rodrigues (Os Africanos no Brasil)  diz:” Convém advertir, porém, que entre nós, os negros  mais o designam pelo nome de Yansã (Oiá), a deusa do rio Níger, identificada com Santa Bárbara. Edison Carneiro (Negros Bantos) diz que no sincretismo religioso foi confundida com a defensora dos raios e das tempestades.
Na “Iconografia dos Deuses Africanos no Candomblé da Bahia” livro que tem introdução de Jorge Amado, estão publicados: 128 aquarelas de Carybé (1940-1980) e textos antropológicos de Pierre Fatumbi  Verger e Waldeloir Rego dos Santos, edição projetada por Emanoel Araújo, cuja impressão foi concluída em dezembro de 1980, contém elenco precioso de contribuição para o estudo da religião africana na Bahia.
O caruru que vem sendo oferecido aos associados e convidados especiais, no IGHB, desde 1997 (salvo engano), foi instituído por Manoel Cosme de Jesus, antigo e querido funcionário da Casa da Bahia, que presenteou sua presidente com uma imagem da santa, por associá-la ao arquétipo do Orixá. As tradições se firmam pela continuidade da celebração. Não se sabe se, no IGHB, o caruru se manterá nos anos vindouros. Somente Santa Bárbara poderá garantir a sua realização nos anos que se seguem.

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