Fernando Alcoforado*
O
apagão do sistema elétrico brasileiro de 4 de fevereiro passado que impediu
três
linhas
de transmissão de operar na interligação entre o Norte e o Sudeste do país
mostrou
haver mais do que uma sobrecarga na transmissão de eletricidade mas,
sobretudo,
a redução da margem de reserva entre a carga demandada e a capacidade de geração
instantânea disponível. A necessidade em ajustar a carga em 11 estados e que levou
até cerca de duas horas para ser restabelecida a frequência do sistema
interligado decorreu da falta de capacidade de geração no Sudeste para atender
a demanda instantânea. De acordo com as informações fornecidas pelo ONS
(Operador Nacional do Sistema Elétrico), nas linhas que deixaram de operar esta
semana havia capacidade suficiente para transmitir mais energia. O problema é
que a terceira linha de transmissão não conseguiu enviar a energia da UHE
Tucuruí de 8.370 MW para o Sudeste por ultrapassar sua capacidade de transmissão.
O
Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informou que os reservatórios do
Nordeste
operam com 31,61% da capacidade, e os do Norte, com 41,24%. Para suprir a
demanda
de energia elétrica, todas as usinas termelétricas estão em operação. Os
reservatórios
das hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste estão no mais baixo nível para o
mês de janeiro desde 2001, ano do último racionamento de energia elétrica no
país. A capacidade armazenada atual nos lagos das usinas do Sudeste e
Centro-Oeste é de 28,9%. O risco de déficit de energia elétrica no Brasil em
2014 está em torno de 20%, situação que ultrapassa bastante o risco aceitável
que é de 5%. O baixo nível dos
reservatórios
nas principais hidrelétricas do país está contribuindo para o governo
brasileiro
aumentar a produção das usinas termelétricas de custo de geração mais
elevado.
A possibilidade de racionamento depende do comportamento das chuvas, que são
esperadas com mais força até março. Se este evento não ocorrer, nem mesmo as termelétricas
evitarão novos apagões no sistema elétrico brasileiro. O grave é que o
custo
adicional com o uso das termelétricas aumentará ainda mais o custo da
eletricidade
no Brasil que tem atualmente o quarto maior valor de energia elétrica
do
mundo.
Os
sucessivos apagões do setor elétrico brasileiro de 2001 até o presente momento
demonstram
que sua ocorrência resulta não apenas da falta de chuvas que leva à redução do
nível da água nos reservatórios das usinas hidrelétricas. Uma das marcas dos governantes
brasileiros desde o início da década de 1990 tem sido a incompetência na condução
dos destinos do Brasil. O setor elétrico é um excelente exemplo da incompetência
que domina o atual governo. A má gestão, obras atrasadas e o uso político das
empresas estatais do setor elétrico explicam por que a ameaça de
racionamento
de energia não está afastada. Apesar de o governo negar o risco de um
apagão,
como o de 2001, o baixo nível dos reservatórios tornou evidentes as falhas de
gestão
e planejamento e as velhas práticas de uso das empresas estatais para
finalidades políticas em nada relacionadas com a produção de energia.
A
incompetência do governo federal na operação do setor elétrico é caracterizada
pelas falhas no monitoramento dos reservatórios das usinas hidrelétricas cujos
níveis caíram abaixo do nível de segurança e chegaram ao menor patamar dos
últimos dez anos, a má gestão das obras porque, das 38 usinas térmicas
leiloadas entre 2007 e 2009 que deveriam estar em operação, apenas 14 foram
inauguradas e estima-se em mais de 600 megawatts o total de energia eólica à
espera de linhas de transmissão, o uso político das empresas estatais do setor
elétrico com a lei que promete abrir caminho para uma redução de 20% na tarifa
de eletricidade, uma promessa de campanha eleitoral, e o custo adicional da
geração de energia com as usinas térmicas, abastecidas por gás, óleo diesel e
bagaço de cana, entre outros combustíveis, representando quase 30% da matriz energética
brasileira.
A
decisão do governo federal tomada em 2013 para reduzir a tarifa de energia
elétrica
que
contribuiu para incentivar o aumento do consumo de eletricidade e o aumento do
custo
do suprimento de energia elétrica com o uso das termelétricas para evitar o
racionamento
trarão impactos econômicos negativos sobre a saúde financeira das
empresas
do setor elétrico haja vista que terão menor receita e aumento de custo
resultando
em problemas de caixa. No primeiro momento, o prejuízo das empresas foi
coberto
com recursos do Tesouro Nacional. Em 2014, as distribuidoras de eletricidade
podem
ter prejuízo de R$ 15 bilhões, segundo cálculos da Abradee (Associação
Brasileira
de Distribuidores de Energia Elétrica). Este custo altíssimo para as
distribuidoras
vai chegar fatalmente para o consumidor se for incorporado à tarifa ou
para
o contribuinte se o Tesouro Nacional cobrir os prejuízos das empresas.
A
opinião de muitos especialistas é a de que algo precisa ser feito no setor
elétrico, a
fim
de torná-lo mais seguro e menos suscetível ao “efeito dominó”. Para o Professor
José
Goldemberg, uma das maiores autoridades em energia do Brasil, a solução é
descentralizar
e diversificar o sistema. Para ele, as soluções são duas: maior
descentralização
do sistema e aumentar a redundância do sistema de proteção porque
em
sua opinião está faltando um sistema de proteção duplo. Goldemberg explica
ainda
que
podem ser tomados exemplos de outros países que conseguiram interligar
eficientemente
a rede elétrica, como é caso da Espanha que possui fontes
descentralizadas
de energia. Lá se utiliza muita energia eólica, por exemplo. E existem
mais
de 10 mil fontes de energia espalhadas pelo país. Por isso, a vulnerabilidade
do
sistema
diminui (Ver o artigo Painel de Mercado - Apagão publicado no site
<http://www.opovo.com.br/app/opovo/brasil/2012/10/05/noticiasjornalbrasil,2931545/s
etor-eletrico-preocupado.shtml>).
Quando
o sistema é interligado em anel, como o brasileiro, há uma interdependência
muito
grande das regiões. Assim, quando há alguma falha, ela pode ser sentida em
diversas
outras regiões. Em sistemas interligados como o do Brasil, consegue-se tirar o
máximo
proveito da capacidade de uma usina hidrelétrica. Esse é o lado bom. Mas o
lado
ruim é que quando falha um sistema, dá uma sobrecarga em todos os outros,
provocando
o “efeito dominó”. Assim, receber menores quantidades de energia de
diversas
fontes de menor potência, ou seja, ao invés de construir obras grandes, como
Itaipu,
que gera a maior parte da energia do País, e Belo Monte em construção na
Amazônia,
o melhor, mais seguro e mais eficaz seria fazer pequenas usinas que
abastecem
pouco, mas que, somadas, totalizam muitos MW, completando a necessidade de
consumo brasileira.
Para
fazer frente a futuros “apagões”, o governo brasileiro deveria investir também
na
construção
de linhas e sistemas de produção redundantes, que funcionariam como uma espécie
de "reserva" ao sistema interligado existente, sobretudo em suas
áreas mais vulneráveis. Operar o SIN (Sistema Interligado Nacional) com o
máximo de
confiabilidade
ou segurança e ao menor custo é um desafio cada vez maior no Brasil.
Sem
a adoção deste conjunto de soluções, estaremos ameaçados de sofrer novos
“apagões”.
*Fernando Alcoforado, 74, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos
livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo,
1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São
Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese
de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento(Editora
Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e
Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The
Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the
State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia
Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena-
Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores
Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012), entre outros.
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