Início da Industrialização
do Brasil
Francesco Matarazzo chegou ao Brasil
para abrir um armazém de secos e molhados. Transformou-se no maior industrial
do país.
Ronaldo
Costa Couto*
Francesco desembarcou no Brasil disposto a fazer
bons negócios. Mas logo recebeu uma péssima notícia: as duas toneladas de banha
de porco que trouxera da Itália haviam naufragado a bordo de uma barcaça na
Baía de Guanabara. A carga, seu maior investimento para recomeçar a vida no
novo país, não tinha seguro.
Um prejuízo como esse seria capaz de desanimar qualquer um. Mas ele não era qualquer um. Era Francesco Matarazzo, e se tornaria o maior empreendedor da história do Brasil.
Um prejuízo como esse seria capaz de desanimar qualquer um. Mas ele não era qualquer um. Era Francesco Matarazzo, e se tornaria o maior empreendedor da história do Brasil.
família devido à morte precoce do pai, o médico
Costabile Matarazzo. A família enfrentaria tempos difíceis. Recém-unificada, a
Itália sofria os efeitos da crise econômica europeia, especialmente em sua
região sul. A ideia de emigrar amadureceria aos poucos. Tinha boas referências
do Brasil, país grande, quase inexplorado, de vasto potencial e muitas
oportunidades. Em visita aos Matarazzo, o amigo Francisco Grandino, radicado em
Sorocaba, interior paulista, trazia notícias animadoras. O Brasil era o lugar
ideal para “fazer a América”. Em 1881, com a ajuda da mãe, Mariangela, e de
toda a família, o mais velho de nove irmãos cruzou o Atlântico com o objetivo
inicial de tornar-se comerciante de secos e molhados.
Chegou com a mulher, Filomena, um filho de três
anos e outro de colo. A custosa carga de banha de porco fora escolhida por ser
um produto essencial, que o Brasil importava dos Estados Unidos. Mas estava
perdida. E agora, Francesco? Não é doutor, não conhece o país, não fala a
língua. Segue para Sorocaba a fim de se encontrar com o amigo Grandino,
estabelecido como pequeno comerciante, mas de muito prestígio na nascente colônia
italiana. Simpático e trabalhador, Matarazzo é bem acolhido por todos.
Resta-lhe um milhar de liras, quantia apenas
razoável, que usa na compra de quatro mulas e alguma mercadoria. Aventura-se
como tropeiro comercial, zanzando pelas fazendas da região, tudo vendendo e
tudo comprando. Em meados de 1882, abre modesto armazém de secos e molhados em
Sorocaba. Comercialização de farinha de trigo, sal, fubá, arroz, feijão e
outros alimentos. Especialmente banha de porco. “Abri um botequim, ou venda, como
se diz aqui no Brasil. Eu lhe faço notar que não tive jamais, nem procurei ter,
o que se chama patrão”, escreve a um amigo.
A estratégia rende rápidos lucros. Não demora a instalar pequenas fábricas de banha de alta qualidade na região, já com o apoio dos irmãos Andrea, o principal parceiro, Giuseppe e Luigi. Depois virão também Nicola e Costabile. Como a industrialização brasileira era incipiente, tenta produzir quase tudo de que precisa: fabrica não só a banha, mas as latas, as embalagens para acomodá-las, e assim por diante. Essa engenhosa verticalização leva o grupo a atuar em cadeias completas de insumo-produto: das matérias-primas ao produto acabado, transporte e comercialização final.
Em 1890, troca Sorocaba por São Paulo e dispara de vez. Atua principalmente no
comércio interno e na importação, no setor financeiro e no industrial, em
transporte. Na Rua 25 de Março, monta a Matarazzo & Irmãos, praticamente um
empório, importador e distribuidor de farinha de trigo, arroz, óleos
comestíveis, banha e muito mais. Mantém ainda duas fábricas de banha em
Sorocaba e uma terceira em Porto Alegre. A Matarazzo & Irmãos tem vida
breve: Francesco a dissolve em 1891 e cria a Companhia Matarazzo S.A., com 41
acionistas, quase todos italianos, e tendo como sócio de família só o irmão
Andrea. Atividade principal: importação de farinha de trigo e algodão dos
Estados Unidos.A estratégia rende rápidos lucros. Não demora a instalar pequenas fábricas de banha de alta qualidade na região, já com o apoio dos irmãos Andrea, o principal parceiro, Giuseppe e Luigi. Depois virão também Nicola e Costabile. Como a industrialização brasileira era incipiente, tenta produzir quase tudo de que precisa: fabrica não só a banha, mas as latas, as embalagens para acomodá-las, e assim por diante. Essa engenhosa verticalização leva o grupo a atuar em cadeias completas de insumo-produto: das matérias-primas ao produto acabado, transporte e comercialização final.
A guerra entre Estados Unidos e Espanha (1898) – em torno da independência das colônias da América Central – compromete as importações de farinha, e Matarazzo vê aí uma nova oportunidade. É hora de produzir farinha de trigo no Brasil. Embarca para a Inglaterra e lá compra um moinho de última geração. Nasce assim, em 1900, o Moinho Matarazzo, maior unidade industrial paulista da época. Produzirá 2.500 sacos de 44 quilos por dia.
O empresário mantém-se fiel à prática de investir em toda a cadeia produtiva: a partir da oficina de manutenção de máquinas do moinho, abre uma metalúrgica para fabricar latas de embalagem; da seção de sacaria do moinho cria uma tecelagem de algodão, e assim por diante. Em 1911, funda as Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM), em forma de sociedade anônima. Lema: Fides, Honor, Labor. Fé, Honra, Trabalho.
Nos anos seguintes, alarga rapidamente seus campos de atuação, construindo um império empresarial sem igual na América Latina: alimentos, tecidos, bebidas, transporte terrestre, navegação de cabotagem e transatlântica, portos, ferrovias, metalurgia, energia, agricultura, bancos, imóveis. Espalha mais de 350 plantas industriais médias e grandes pelo Brasil, empregando mais de 30 mil operários. Sua rede comercial abrange o país inteiro, com ramificações em Buenos Aires, Nova York, Londres e Roma.
Em 1914, tenta dar uma pausa no trabalho, que, no entanto, não dura muito. Vai à Itália para cuidar da saúde, deixando o filho Ermelino à frente do conglomerado. Mas é surpreendido pela entrada de seu país na Primeira Guerra Mundial, em maio de 1915. Matarazzo então se oferece para coordenar o serviço de abastecimento das tropas. Articula a importação de alimentos, fornece farinha brasileira à Itália e à França. Também importa do Brasil 10 mil burros das montanhas de Minas para carregarem no lombo canhões da artilharia italiana de montanha, na guerra contra a Áustria. Em reconhecimento aos serviços prestados, receberá do rei da Itália, Vittorio Emanuele III (1900-1946), em 1917, o título hereditário de conde.
Volta ao Brasil no final de 1919. Mais tarde, entusiasma-se com a Nova Roma do ditador Benito Mussolini, que chega a conhecer pessoalmente. Fará duas significativas doações para o fascismo italiano – em 1926, um milhão de liras para a organização da
juventude Opera Nazionale Balilla, e em 1935, dois
milhões de liras para o governo italiano, a essa altura boicotado pela Liga das
Nações por seu ataque à Etiópia. Mas Matarazzo não é favorável à implantação do
modelo fascista no Brasil nem em suas fábricas. Teme o radicalismo político, a
agitação, a violência. Tem muito a perder, inclusive seu ótimo relacionamento
com os operários, grande parte vinda da Itália. Paternalista, compreensivo,
exemplo de sucesso, é respeitado por todos e ídolo da maioria. Para o
historiador Warren Dean (1932-1994), ele se tornou o industrial mais
conceituado do país pela maneira como dirigia os negócios e “por ser, em todos
os sentidos, um homem extremamente encantador”.
Seu pragmatismo político se manifesta de novo durante a Guerra Paulista de 1932, que queria depor Getulio Vargas (1882-1954). Matarazzo mantém relação apenas formal com o presidente, mas resolve não se envolver diretamente na revolução que mobiliza toda São Paulo. Realista, não vê qualquer chance de vitória. Já seu sobrinho Ciccillo Matarazzo, da gigantesca Metalúrgica Matarazzo, fabrica artefatos militares para os revoltosos.
Francesco Matarazzo vira símbolo da industrialização no Brasil. Em 1928, junta-se a outros empresários – como Roberto Simonsen, Jorge Street, José Ermírio de Moraes e Horácio Lafer – para criar o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), do qual será o primeiro presidente. Em 1931, nasce a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), de novo tendo Matarazzo como primeiro presidente.
Principal empresário da República, o italiano mais rico do mundo, morre em 1937, aos 82 anos, deixando como principal legado o maior e mais sólido conglomerado empresarial da história brasileira. Uma fortuna mítica, quinta do planeta em seu tempo, amealhada em 55 anos de trabalho, tecnicamente estimada em mais de 20 bilhões de dólares de 1992. Nas palavras de Assis Chateaubriand (1892-1968), magnata da imprensa, o Brasil ganhara um novo estado: o “Estado Matarazzo”, com faturamento muito superior às receitas de qualquer outra unidade federativa, exceto
Seu pragmatismo político se manifesta de novo durante a Guerra Paulista de 1932, que queria depor Getulio Vargas (1882-1954). Matarazzo mantém relação apenas formal com o presidente, mas resolve não se envolver diretamente na revolução que mobiliza toda São Paulo. Realista, não vê qualquer chance de vitória. Já seu sobrinho Ciccillo Matarazzo, da gigantesca Metalúrgica Matarazzo, fabrica artefatos militares para os revoltosos.
Francesco Matarazzo vira símbolo da industrialização no Brasil. Em 1928, junta-se a outros empresários – como Roberto Simonsen, Jorge Street, José Ermírio de Moraes e Horácio Lafer – para criar o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), do qual será o primeiro presidente. Em 1931, nasce a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), de novo tendo Matarazzo como primeiro presidente.
Principal empresário da República, o italiano mais rico do mundo, morre em 1937, aos 82 anos, deixando como principal legado o maior e mais sólido conglomerado empresarial da história brasileira. Uma fortuna mítica, quinta do planeta em seu tempo, amealhada em 55 anos de trabalho, tecnicamente estimada em mais de 20 bilhões de dólares de 1992. Nas palavras de Assis Chateaubriand (1892-1968), magnata da imprensa, o Brasil ganhara um novo estado: o “Estado Matarazzo”, com faturamento muito superior às receitas de qualquer outra unidade federativa, exceto
São Paulo. Já o amigo e admirador Monteiro Lobato definiu
sua trajetória de maneira mais simples: “um permanente rush para cima”.
E o próprio conde tinha um segredo para o sucesso?
E o próprio conde tinha um segredo para o sucesso?
“Alguma
inteligência, certa capacidade gerencial, muito trabalho e sorte.”
*Ronaldo Costa couto é escritor, doutor em História pela Universidade de Paris-Sorbonne, economista e autor de Matarazzo (Planeta do Brasil, 2004).
*Ronaldo Costa couto é escritor, doutor em História pela Universidade de Paris-Sorbonne, economista e autor de Matarazzo (Planeta do Brasil, 2004).
Extraído: revistadehistoria.com.br/secao/retrato/senhor-industria
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