Fernando Alcoforado*
As
ebulições sociais que ocorrem no momento na Ucrânia e na Venezuela já
apresentam sintomas no Brasil como as manifestações populares que aconteceram
no País desde junho de 2013. A ebulição social que se
registra na Ucrânia tem
várias causas destacando-se, entre elas, a resistência de parte da população à
dominação da Rússia que vem desde a época dos czares, a incapacidade dos
governantes de promover a paz e a concórdia entre o Estado e a Sociedade Civil
e o confronto geopolítico entre o Ocidente (União Europeia e Estados Unidos) e
a Rússia pelo domínio da Ucrânia. A ebulição social na Venezuela resulta do
fracasso e da incompetência dos detentores do poder em manter a inflação sob controle
e evitar o desabastecimento de gêneros de primeira necessidade e da
incapacidade dos governantes de promover a paz e a concórdia entre o Estado e a
Sociedade Civil que se encontra profundamente dividida.
Na
Ucrânia, os protestos começaram quando o presidente Yanukovych rejeitou, em
novembro,
um acordo com a União Europeia, preferindo uma aproximação comercial
com a
Rússia. Milhares de pessoas favoráveis à integração com a Europa deram início a
manifestações
pacíficas e à ocupação da Praça da Independência. Desde então, houve
repressão
policial aos protestos, a aprovação de leis restringindo as manifestações e a
prisão de
ativistas, fazendo com que as demonstrações antigoverno se intensificassem.
A crise na
Ucrânia faz parte de um cenário geopolítico maior. O presidente russo,
Vladimir
Putin, quer fazer de seu país uma potência global, que rivalize com Estados
Unidos,
China e União Europeia. Para isso, ele está criando uniões aduaneiras com
outros
países e vê a Ucrânia como parte crucial disso, inclusive pelos profundos laços
históricos
e culturais entre ambos.
Já a União
Europeia defende que a aproximação com a Europa e eventual entrada no
bloco
europeu trariam bilhões de euros à Ucrânia, modernizando sua economia e dando-lhe
acesso ao mercado comum europeu. No leste, muitos ucranianos que trabalham em indústrias
(fornecedoras da Rússia) temem perder seus empregos se a Ucrânia se aproximar
da Europa. Mas, no oeste, muitos anseiam pela prosperidade e pelo estado de direito
que, acreditam, podem ser alcançados com acordos com a União Europeia.
Muito se
fala das divisões linguísticas e culturais entre leste e oeste da Ucrânia. Para
alguns
analistas, isso indica que o país pode rachar ao meio, de forma violenta, caso
não se negocie uma saída pacífica para a crise.
Na
Venezuela, a crise atual tem como principal causa uma insatisfação com as
turbulências
econômicas pelas quais passa o país. Expressões disso são a inflação anual
de 56%, a
escassez de moeda forte (que gera especulação com o dólar) e o
desabastecimento
de alguns produtos básicos. As origens das incertezas estão na crise
internacional,
que cortou o fornecimento de crédito para países da periferia, e em
incapacidades
internas na gestão da coisa pública. Sem crédito e sem divisas, a
Venezuela
passou a depender ainda mais das vendas do petróleo como única fonte de
ingresso
de capitais. A Venezuela hoje vive na boca do caixa da petroleira PDVSA. A
insatisfação
atinge mais fortemente setores de classe média, que veem bloqueados seus hábitos
de consumo. Há falta de gêneros de primeira necessidade, mas nem de longe há fome
ou carências extremadas. As mobilizações buscam catalisar essas carências.
A
Venezuela tem sido palco de graves confrontos desde 15 de fevereiro passado.
Setores de
oposição voltaram a apostar na violência com o objetivo explícito de
derrubar o
presidente Nicolás Maduro, democraticamente eleito no ano passado. Estes grupos,
alguns de conotação fascista, pregam abertamente a deposição do atual
governante.
Após os conflitos que resultaram em três mortes e 66 pessoas gravemente
feridas, a
Justiça venezuelana decretou a prisão de três líderes da oposição entre eles,
de Leopoldo López, ex-prefeito de Chacao, cidade da região metropolitana de
Caracas que é acusado de incitar a violência e de participar diretamente dos
atos de vandalismo.
Nicolás
Maduro também decidiu apostar na mobilização de rua “contra o fascismo, a
violência
e o golpismo” como ele afirma e reforçou a convocação da “marcha da paz”,
organizada
pelos movimentos sociais e os partidos de esquerda. O clima de
radicalização
política é cada vez mais acirrado e preocupante na Venezuela.
As crises
políticas na Ucrânia e na Venezuela colocam no centro dos debates a questão
da
desobediência civil que ocorre nestes países onde se registra a perda da
autoridade,
incluindo
a autoridade da lei que é um fato notório em várias partes do mundo. A
desobediência
civil é um dos traços de nosso tempo configurando um claro conflito
entre o
poder do Estado e a Sociedade Civil como ocorreu e vem ocorrendo com as
insurreições
no mundo árabe. Segundo Hannah Arendt, “neste mundo de constantes
mudanças,
e quando estas acontecem de forma acelerada, a lei parece sempre uma força repressora
e negativa que contraria a positividade da sociedade” (Ver Arendt, Hannah.
O
que é Política? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1999). De acordo com a visão de
Karl Marx,
toda sociedade é constituída por uma base econômica e por uma
superestrutura
política e jurídica. As contínuas mudanças que ocorrem na base
econômica
da sociedade fazem com que a superestrutura política e jurídica se torne
obsoleta
com o evoluir do tempo exigindo que mudanças ocorram também neste nível.
A
superestrutura política e jurídica de uma nação é baseada em um contrato
social, isto é, um pacto social que guia não o governo, mas notadamente a
própria sociedade. Feito o pacto entre os indivíduos é que se estabelece um
contrato de governo. Portanto, o governo é regido pelo pacto social e não o
contrário, segundo Arendt. Segundo Hannah Arendt, o consentimento à
Constituição pelo povo é completamente fictício que, no atual momento, perdeu
toda a plausibilidade, pois o sistema de governo representativo está em crise.
Em primeiro lugar porque perdeu todas as possibilidades práticas da participação
real do cidadão nas decisões do governo ao longo do tempo e em segundo lugar
porque não representa ninguém mais além da burocrática máquina dos partidos e dos
detentores do poder econômico.
Da
desobediência civil podem resultar 2 cenários: 1) a construção de um novo pacto
social no
qual são estabelecidas as bases de uma nova convivência entre os setores da
Sociedade
Civil e dela com o Estado; e, 2) a guerra civil quando o dissenso inviabiliza a
construção
de um novo pacto social que termina com a conquista do Estado por um dos setores
da Sociedade Civil em conflito que impõe sua vontade aos demais. A construção de
um pacto social exige o consenso na Sociedade Civil quanto aos termos da Constituição
a ser elaborada e das leis que dela resultarem. Trata-se de uma construção difícil
de ser realizada tanto na Ucrânia quanto na Venezuela porque o consenso na Sociedade
Civil é praticamente inviável. Na Ucrânia, para evitar a guerra civil, uma das consequências
seria a divisão do país em duas partes, uma ligada à Rússia e, outra à União
Europeia. Na Venezuela, tudo leva a crer que a guerra civil se torne inevitável
diante da radicalização do processo político lá existente. No Brasil, urge a
reforma do Estado e da Administração Pública com base em uma nova Constituição
para que um novo pacto social viabilize um novo consenso no País.
*Fernando
Alcoforado, 74, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e
Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento
empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é
autor dos
livros Globalização
(Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova
(Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o
Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento(Editora
Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e
Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The
Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the
State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A
Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso
do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa
Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do
Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre
outros.
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