segunda-feira, 10 de março de 2014

AS FAMOSAS NOITES BAIANAS DOS ANOS 50/60

Memórias: Luiz Carlos Facó

Carta do autor para Julival Góes: um curioso.

Dado o seu interesse em relação à vida noturna de Salvador, no meado do século passado, descrevo-a como sendo uma caixa de Pandora. Cheia de surpresas, superlotada de boêmios, notívagos, vagabundos, veados, proxenetas, cafetinas, intelectuais, aproveitadores, uma juventude ansiosa, sobretudo de mulheres-
damas bonitas, bem falantes, escoladas e mercenárias. Oriundas de Sergipe, Pernambuco, Ceará, as nacionais, e de muitas estrangeiras de origem paraguaia, argentina, uruguaia, francesa e tcheca. Chamou-a, o brilhante jornalista, criminalista, escritor, antes de tudo boêmio, Jehová de Carvalho, de noite inacabada da “cidade que não dorme”, que eu arremato afirmando, que ela só descansava na semana santa, quando os homens escondiam suas vergonhas e as mulheres fechavam a tampa dos seus baús, numa atitude respeitosa ao sofrimento de Cristo, agregada ao medo de cometerem o pecado da luxúria (mais uma vez) e assim perderem o direito de desfrutarem das prometidas benesses apregoadas do reino celeste.
A esbórnia estava fincada no centro histórico da cidade. Lá sua bandeira tremulava nas instalações do Tabaris Night Club, outrora Cassino Internacional Tabaris, na Churrascaria Líder, mais conhecida por Ide, no Varandá, no 63, da Ladeira da Montanha, no Rumba Dancing, no Anjo Azul, no O Abaixadinho, Belvedere, Galeria 33 (hoje 13), O Guaciara, Rio Verde, O Cacique, na Casa de Maria da Vovó, e em tantos outros bares, botequins, castelos (puteiros), onde a vida dava asas aos prazeres sob o lema: divirta-se à larga hoje porque amanhã pode ser tarde demais.
No Terreiro de Jesus moravam as francesas, ensinando à mocidade os prazeres do “minete” e do “cunete”, pois eram as únicas que se atreviam, naquele lapso de tempo,  praticá-los, pois as prostitutas locais abominavam tais práticas, por mero preconceito. Mesmo tendo o aval do grande professor (de Medicina Legal) Estácio de Lima, que considerava tais situações como sublimações do sexo. Dizia ele: “O passar de língua numa vagina é fazer uma oração. É reverenciar nossa origem. Homenagear o local por onde você e eu passamos ao nascer, com muito sofrimento por parte da parideira, ao mesmo tempo, num paroxismo, com imenso prazer por sabê-lo (eu e você) vivo, gozando de perfeita saúde, apto para mamar e viver.”
O Tabaris e o Anjo Azul eram redutos da classe alta. O primeiro destacava-se pelos espetáculos apresentados pelo cabaretier Mário Príncipe, como Ninon Sevilla, Maria Antonieta Pons, ambas rumbeiras, estrelas de filmes mexicanos, a orquestra de Xavier Cugat, os balés de Carlan, Evandro Castro Lima e outras atrações nacionais e internacionais, além, é claro, das prostitutas, muito bem vestidas, predadoras à procura de uma caça muito bem fornida de grana e status social. Já o Anjo, Azul distinguia-se pela fidalguia de trato dispensado aos seus frequentadores. Seus habitues eram mulheres desquitadas, homens em busca de aventuras, artistas como Carlos Bastos, que decorou o local, jornalistas, poetas, escritores ou pretensos. Lá, comia-se e bebia-se bem, sobretudo o drink Xixi de Anjo, especialidade da casa.
O Rumba, primava por oferecer dançarinas (pagas) aos que desejavam aprender a arte. Por lá fervilhavam estudantes, jogadores de futebol, pequenos lojistas, representantes comerciais. A dançarina mais famosa que por lá passou foi Maria da Vovó, que depois de curto tempo, dado o sucesso que fez, tornou-se cafetina e abriu seu “puteiro” nas imediações de São Bento. Ganhava tanto dinheiro que se dava ao luxo de sustentar Sandoval, seu amásio, e bancar suas aventuras comerciais: a compra do Tabaris e, quando esse fechou, do Varandá.
A Churrascaria Ide – cuja dona Alaíde, que, algum tempo depois, se casou com um Capitão da Polícia Militar, então ajudante de ordens do Secretário de Segurança Pública, Graça Lessa, no governo Balbino – era pura descontração. Bebia-se ali uma boa cerveja, um Cuba Libre “retado”, o drink Leite de Camelo, boas champanhas, Macieira 5 estrelas. Uísque, caipirosca e caipirinha não estavam na moda, por isso mesmo eram ignoradas. Contudo, a atração do local residia na seleção de suas frequentadoras. Eram as putas mais bem vestidas e sensuais de Salvador. Quase todas, estrangeiras ou de outros estados do Brasil.
Como os bondes só funcionavam até as vinte e três horas, todos os que estavam na baderna só a abandonavam quando o serviço de transportes era retomado, às cinco horas da manhã, ou quando acordavam felizes depois de usufruírem de uma belíssima noitada, altissimamente onerosa, dado os muitos cruzeiros despendidos, passada nos braços de uma mulher árdega e mercenária, mas gostosa e senhora de todos os segredos da libidinagem, como mandam os figurinos.
Felizes eram os que despertavam sem as demandas do pagamento. Para isso era necessário ter satisfeito a parceira nos mínimos detalhes daquele coito, àquela época, estigmatizado pela sociedade retrógada e preconceituosa.
Assim eram as noites baianas. Descompromissadas com a seriedade. Mesmo assim, propiciadoras de amizades impostergáveis. Casadas com a sacanagem, com a sensualidade, com o sexo. Elas tinham o cheiro de esperma e do nauseante odor de “xoxotas” desgastadas pelo uso intenso, continuado e recobertas de suor. Mas quem se importava com esses meros detalhes? O negócio mesmo era curtir e rezar para que não fossemos surpreendidos por uma blenorragia, sempre curadas pelo mago Dr. Venceslau Pires da Veiga.

Pena, você amigo Julival, tampouco para Joaci, pena não terem participado dessas educativas noitadas, dessas pedagógicas orgias, mas, creia, a família Góes esteve sempre muito bem representada na figura de Joilson, que sempre dispunha de um harém a sua disposição, quando não pelo dinheiro, mas pelo poder da sua carismática persuasão e perdulária sedução.

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