Memórias:
Luiz Carlos Facó
Carta
do autor para Julival Góes: um curioso.
Dado
o seu interesse em relação à vida noturna de Salvador, no meado do século
passado, descrevo-a como sendo uma caixa de Pandora. Cheia de surpresas,
superlotada de boêmios, notívagos, vagabundos, veados, proxenetas, cafetinas,
intelectuais, aproveitadores, uma juventude ansiosa, sobretudo de
mulheres-
damas bonitas, bem falantes, escoladas e mercenárias. Oriundas de
Sergipe, Pernambuco, Ceará, as nacionais, e de muitas estrangeiras de origem
paraguaia, argentina, uruguaia, francesa e tcheca. Chamou-a, o brilhante
jornalista, criminalista, escritor, antes de tudo boêmio, Jehová de Carvalho, de
noite inacabada da “cidade que não dorme”,
que eu arremato afirmando, que ela só descansava na semana santa, quando os
homens escondiam suas vergonhas e as mulheres fechavam a tampa dos seus baús,
numa atitude respeitosa ao sofrimento de Cristo, agregada ao medo de cometerem
o pecado da luxúria (mais uma vez) e assim perderem o direito de desfrutarem
das prometidas benesses apregoadas do reino celeste.
A
esbórnia estava fincada no centro histórico da cidade. Lá sua bandeira
tremulava nas instalações do Tabaris Night Club, outrora Cassino Internacional
Tabaris, na Churrascaria Líder, mais conhecida por Ide, no Varandá, no 63, da
Ladeira da Montanha, no Rumba Dancing, no Anjo Azul, no O Abaixadinho,
Belvedere, Galeria 33 (hoje 13), O Guaciara, Rio Verde, O Cacique, na Casa de
Maria da Vovó, e em tantos outros bares, botequins, castelos (puteiros), onde a
vida dava asas aos prazeres sob o lema: divirta-se à larga hoje porque amanhã
pode ser tarde demais.
No
Terreiro de Jesus moravam as francesas, ensinando à mocidade os prazeres do
“minete” e do “cunete”, pois eram as únicas que se atreviam, naquele lapso de
tempo, praticá-los, pois as prostitutas
locais abominavam tais práticas, por mero preconceito. Mesmo tendo o aval do
grande professor (de Medicina Legal) Estácio de Lima, que considerava tais
situações como sublimações do sexo. Dizia ele: “O passar de língua numa vagina
é fazer uma oração. É reverenciar nossa origem. Homenagear o local por onde
você e eu passamos ao nascer, com muito sofrimento por parte da parideira, ao
mesmo tempo, num paroxismo, com imenso prazer por sabê-lo (eu e você) vivo,
gozando de perfeita saúde, apto para mamar e viver.”
O
Tabaris e o Anjo Azul eram redutos da classe alta. O primeiro destacava-se
pelos espetáculos apresentados pelo cabaretier Mário Príncipe, como Ninon
Sevilla, Maria Antonieta Pons, ambas rumbeiras, estrelas de filmes mexicanos, a
orquestra de Xavier Cugat, os balés de Carlan, Evandro Castro Lima e outras
atrações nacionais e internacionais, além, é claro, das prostitutas, muito bem
vestidas, predadoras à procura de uma caça muito bem fornida de grana e status
social. Já o Anjo, Azul distinguia-se pela fidalguia de trato dispensado aos
seus frequentadores. Seus habitues eram mulheres desquitadas, homens em busca
de aventuras, artistas como Carlos Bastos, que decorou o local, jornalistas,
poetas, escritores ou pretensos. Lá, comia-se e bebia-se bem, sobretudo o drink
Xixi de Anjo, especialidade da casa.
O
Rumba, primava por oferecer dançarinas (pagas) aos que desejavam aprender a
arte. Por lá fervilhavam estudantes, jogadores de futebol, pequenos lojistas,
representantes comerciais. A dançarina mais famosa que por lá passou foi Maria
da Vovó, que depois de curto tempo, dado o sucesso que fez, tornou-se cafetina
e abriu seu “puteiro” nas imediações de São Bento. Ganhava tanto dinheiro que
se dava ao luxo de sustentar Sandoval, seu amásio, e bancar suas aventuras
comerciais: a compra do Tabaris e, quando esse fechou, do Varandá.
A
Churrascaria Ide – cuja dona Alaíde, que, algum tempo depois, se casou com um
Capitão da Polícia Militar, então ajudante de ordens do Secretário de Segurança
Pública, Graça Lessa, no governo Balbino – era pura descontração. Bebia-se ali
uma boa cerveja, um Cuba Libre “retado”, o drink Leite de Camelo, boas
champanhas, Macieira 5 estrelas. Uísque, caipirosca e caipirinha não estavam na
moda, por isso mesmo eram ignoradas. Contudo, a atração do local residia na seleção
de suas frequentadoras. Eram as putas mais bem vestidas e sensuais de Salvador.
Quase todas, estrangeiras ou de outros estados do Brasil.
Como
os bondes só funcionavam até as vinte e três horas, todos os que estavam na
baderna só a abandonavam quando o serviço de transportes era retomado, às cinco
horas da manhã, ou quando acordavam felizes depois de usufruírem de uma
belíssima noitada, altissimamente onerosa, dado os muitos cruzeiros
despendidos, passada nos braços de uma mulher árdega e mercenária, mas gostosa
e senhora de todos os segredos da libidinagem, como mandam os figurinos.
Felizes
eram os que despertavam sem as demandas do pagamento. Para isso era necessário
ter satisfeito a parceira nos mínimos detalhes daquele coito, àquela época,
estigmatizado pela sociedade retrógada e preconceituosa.
Assim
eram as noites baianas. Descompromissadas com a seriedade. Mesmo assim,
propiciadoras de amizades impostergáveis. Casadas com a sacanagem, com a
sensualidade, com o sexo. Elas tinham o cheiro de esperma e do nauseante odor
de “xoxotas” desgastadas pelo uso intenso, continuado e recobertas de suor. Mas
quem se importava com esses meros detalhes? O negócio mesmo era curtir e rezar
para que não fossemos surpreendidos por uma blenorragia, sempre curadas pelo
mago Dr. Venceslau Pires da Veiga.
Pena,
você amigo Julival, tampouco para Joaci, pena não terem participado dessas
educativas noitadas, dessas pedagógicas orgias, mas, creia, a família Góes
esteve sempre muito bem representada na figura de Joilson, que sempre dispunha
de um harém a sua disposição, quando não pelo dinheiro, mas pelo poder da
sua carismática persuasão e perdulária sedução.
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