Estilo
mourisco
Claudinha
Rahme
Gazeta de
Beirute
Fundada em 1771, no Largo da Lapinha,
pela Irmandade de Nossa Senhora da Lapa, com a ajuda do Padre José Barbosa da
França Corte Real, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, é uma valiosa e
tradicional igreja, de inestimável importância histórica, social e cultural, de
Salvador.
A igreja da Lapinha está inclusa no
Ministério das Relações Exteriores, nos registros dos monumentos em estilo
moçárabe da América Latina, como sendo a única igreja no estilo mourisco do
Brasil, por conter inscrições árabes na parte superior de suas paredes
centrais, que dizem: “Esta, a casa de Deus, este, portão do céu”.
Em 1913, o Arcebispo da Bahia,
entregou sua administração aos padres agostinianos recoletos, que também
inseriram na igreja, o culto e devoção a Nossa Senhora da Consolação, sendo a
única no estado da Bahia, e em 1915 ela foi erigida canonicamente como uma
comunidade religiosa. Em 1925 os padres agostinianos realizaram uma grande
reforma no templo, onde foram introduzidos mosaicos vindos da Espanha, e
diversos outros elementos e materiais, e seu interior foi ricamente decorado no
estilo mourisco, tornando-a muito parecida com uma mesquita. A decoração
mourisca foi uma opção do responsável pela obra, Frei Leão Uchoa, que também
era Arquiteto; que ainda ampliou as dimensões de comprimento e largura da
igreja, reinaugurando-a, em 1930.
Em 1950, os padres vocacionistas,
liderados por Dom Franco, Dom Ugo e Irmão Prisco, assumiram sua administração e
também realizaram outra grande reforma, concluída em 1970. A partir de 1972, o
Arcebispo Primaz do Brasil, assinou o decreto de formação da paróquia da
Lapinha, que tendo como padroeira, a virgem Maria, sob o titulo de Nossa Senhora
da Conceição, passou a se chamar, Igreja de Nossa Senhora da Conceição da
Lapinha. A igreja possui 6 altares laterais, além do altar principal, e
antigamente, havia missas simultaneamente em todos os altares laterais.
Acredita-se que a mudança da entrada
oficial da igreja, tenha sido feita durante sua primeira reforma, quando então
construíram a fachada no estilo neogótico. A colocação dos azulejos espanhóis
nas paredes, e as pedras de mármore nos altares laterais, devem ter feito parte
da segunda reforma. Em vários lugares da igreja, o piso original foi mantido,
porém, coberto por um tapete vermelho.
Atualmente, a sua entrada principal,
se dá pela praça no Largo da Lapinha, entretanto, no início de sua construção
original, sua entrada principal se dava pela parte dos fundos, voltada para o
mar.
Alguns supuseram que a igreja pudesse
um dia ter sido uma mesquita, e que sua entrada principal nos fundos, está
exatamente direcionada para Meca. Entretanto, não há nenhum registro ou
evidência, de que esta suposição um dia possa ter sido verdadeira; até porque
nos registros da igreja, constam documentos que comprovam que a decoração
mourisca introduzida foi uma opção decorativa escolhida pelo frei agostiniano,
que era responsável pela reforma da igreja.
Mas se a igreja da Lapinha não foi
uma mesquita no passado, por que então, um padre agostiniano recoleto optou
pela decoração mourisca (ou moçárabe)? A Ordem dos Agostinianos Recoletos
nasceu em Castela, na Espanha, em 1588, durante a reforma da Igreja Católica.
Para entender um pouco sobre os costumes e tradições dos religiosos espanhóis
nessa época, e tentar entender os motivos que podem ter influenciado o frei
agostiniano, é preciso voltar no tempo e rever a História da Espanha...
No século XIII, os Reis Católicos
(constituídos pela Rainha de Castela, na Hispânia, e o Rei de Aragão, na
Península Ibérica) expulsaram os mouros da Península Ibérica, e fundaram a
atual Espanha; com isso, restou aos mouros, se refugiar no norte da África.
Ah, mas quem eram os mouros?
Os mouros são os
habitantes muçulmanos do norte e noroeste da África, e os muçulmanos de origem
espanhola, judaica ou turca. Os muçulmanos cingaleses árabes do Sri Lanka, e os
que vivem no sul das Filipinas, também são chamados de mouros, ate os dias
atuais. Os mouros constituíam a civilização que invadiu a Península Ibérica no
século VIII. Essa civilização, que vivia no norte da África, era proveniente da
Mauritânia (deserto do Saara), e eram também tuaregues e nômades do deserto do
Saara Ocidental (berberes), e da região do magrebe (noroeste da África, que
constitui Tunísia, Líbia, Argélia, Marrocos...).
Com a expansão do Islamismo, esse
povo adotou o árabe como idioma, e também sua cultura, tradições e a religião,
e se uniram aos árabes, para invadir a Península Ibérica (que é uma extensão no
sudoeste da Europa, onde se encontram: Espanha, Portugal, Andorra, Gibraltar –
que pertence ao Reino Unido - e uma pequena fração territorial pertencente à
França). Portanto, toda a civilização moura (ou mourisca), que surgiu na Idade
Media, também era árabe.
Os mouros invadiram a Península
Ibérica (que ate então era governada pelos visigodos - um dos povos germânicos
do leste europeu), e nomearam-na de "Al andaluz", onde governaram por
800 anos. A população de Al Andaluz era muito heterogênea, e constituída por
árabes, berberes, moçárabes, muladis (cristãos
convertidos ao islamismo), judeus, turcos, e até (mais tarde) por sírios,
eslavos, iemenitas, e negros.
Mourisco, moçárabes? Como assim?
Mourisco, vem de mouro, e era o nome dado aos espanhóis muçulmanos batizados
após a política pragmática dos Reis Católicos no século XIII (em 1502). Os moçárabes eram
cristãos ibéricos, que viveram sob o governo muçulmano em Al Andaluz; seus descendentes
não se converteram ao islã, mas adotaram elementos da língua e da cultura
árabe. Eles eram católicos romanos de rito visigótico, e descendentes dos
antigos cristãos hispano-góticos, que dominaram a língua árabe, durante o
domínio muçulmano. Outros ainda eram cristãos árabes e berberes, juntamente com
os muçulmanos convertidos ao cristianismo; que em virtude de falarem o mesmo
idioma, sentiam-se a vontade entre os moçárabes originais.
Os rituais litúrgicos latinos,
criados e praticados pelos primeiros cristãos hispânicos (ou ibéricos) sob o
domínio romano, eram chamados de rito moçárabe, esse rito passou por muitas
alterações durante o período dos visigodos. Mas os cristãos moçárabes
continuaram a praticando o rito católico moçárabe na península ibérica, mesmo
durante o domínio árabe.
Em 1080, o Concílio de Burgos,
determinou a substituição do rito moçárabe, pelo rito romano, e o Rei de
Castela (entre 1072 e 1109) aboliu a liturgia hispânica, pela liturgia romana;
embora até os dias atuais, ainda seja celebrado o rito moçárabe na Catedral de
Toledo, e na Igreja Anglicana Espanhola. A Catedral de Toledo mantêm até hoje
os elementos arquitetônicos moçárabes, que deixaram uma riquíssima e belíssima
herança em toda essa região, na arte, na musica, na arquitetura, na cultura, e
nos costumes.
Voltando na questão referente à
arquitetura da Igreja da Lapinha... A Ordem dos Agostinianos Recoletos nasceu
eu Castela, após a expulsão dos mouros, e após a reconquista da Península
Ibérica, certo?
Frei Leão Uchoa, um sacerdote e
Arquiteto espanhol da Ordem dos Agostinianos, vindo de Castela, na Espanha, com
todo esse histórico cristão-árabe em sua bagagem cultural, étnica, e religiosa,
diante da oportunidade de liderar a reforma de uma igreja sob sua administração,
certamente quis fazer apenas uma homenagem à sua terra natal, e ao legado
histórico-religioso que ela possui, implantando assim, a bela e detalhada
arquitetura mourisca (moçárabe) na reforma da Igreja da Lapinha. E quem sabe,
poder assim, sentir-se um pouco mais próximo de suas origens, em terra
brasileira.
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