terça-feira, 25 de março de 2014

IGREJA DA LAPINHA – SALVADOR, BAHIA




Estilo mourisco


Claudinha Rahme
Gazeta de Beirute




Fundada em 1771, no Largo da Lapinha, pela Irmandade de Nossa Senhora da Lapa, com a ajuda do Padre José Barbosa da França Corte Real, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, é uma valiosa e
tradicional igreja, de inestimável importância histórica, social e cultural, de Salvador.

A igreja da Lapinha está inclusa no Ministério das Relações Exteriores, nos registros dos monumentos em estilo moçárabe da América Latina, como sendo a única igreja no estilo mourisco do Brasil, por conter inscrições árabes na parte superior de suas paredes centrais, que dizem: “Esta, a casa de Deus, este, portão do céu”.

Em 1913, o Arcebispo da Bahia, entregou sua administração aos padres agostinianos recoletos, que também inseriram na igreja, o culto e devoção a Nossa Senhora da Consolação, sendo a única no estado da Bahia, e em 1915 ela foi erigida canonicamente como uma comunidade religiosa. Em 1925 os padres agostinianos realizaram uma grande reforma no templo, onde foram introduzidos mosaicos vindos da Espanha, e diversos outros elementos e materiais, e seu interior foi ricamente decorado no estilo mourisco, tornando-a muito parecida com uma mesquita. A decoração mourisca foi uma opção do responsável pela obra, Frei Leão Uchoa, que também era Arquiteto; que ainda ampliou as dimensões de comprimento e largura da igreja, reinaugurando-a, em 1930. 

Em 1950, os padres vocacionistas, liderados por Dom Franco, Dom Ugo e Irmão Prisco, assumiram sua administração e também realizaram outra grande reforma, concluída em 1970. A partir de 1972, o Arcebispo Primaz do Brasil, assinou o decreto de formação da paróquia da Lapinha, que tendo como padroeira, a virgem Maria, sob o titulo de Nossa Senhora da Conceição, passou a se chamar, Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Lapinha. A igreja possui 6 altares laterais, além do altar principal, e antigamente, havia missas simultaneamente em todos os altares laterais. 

Acredita-se que a mudança da entrada oficial da igreja, tenha sido feita durante sua primeira reforma, quando então construíram a fachada no estilo neogótico. A colocação dos azulejos espanhóis nas paredes, e as pedras de mármore nos altares laterais, devem ter feito parte da segunda reforma. Em vários lugares da igreja, o piso original foi mantido, porém, coberto por um tapete vermelho. 
Atualmente, a sua entrada principal, se dá pela praça no Largo da Lapinha, entretanto, no início de sua construção original, sua entrada principal se dava pela parte dos fundos, voltada para o mar. 

Alguns supuseram que a igreja pudesse um dia ter sido uma mesquita, e que sua entrada principal nos fundos, está exatamente direcionada para Meca. Entretanto, não há nenhum registro ou evidência, de que esta suposição um dia possa ter sido verdadeira; até porque nos registros da igreja, constam documentos que comprovam que a decoração mourisca introduzida foi uma opção decorativa escolhida pelo frei agostiniano, que era responsável pela reforma da igreja.

Mas se a igreja da Lapinha não foi uma mesquita no passado, por que então, um padre agostiniano recoleto optou pela decoração mourisca (ou moçárabe)? A Ordem dos Agostinianos Recoletos nasceu em Castela, na Espanha, em 1588, durante a reforma da Igreja Católica. Para entender um pouco sobre os costumes e tradições dos religiosos espanhóis nessa época, e tentar entender os motivos que podem ter influenciado o frei agostiniano, é preciso voltar no tempo e rever a História da Espanha...  

No século XIII, os Reis Católicos (constituídos pela Rainha de Castela, na Hispânia, e o Rei de Aragão, na Península Ibérica) expulsaram os mouros da Península Ibérica, e fundaram a atual Espanha; com isso, restou aos mouros, se refugiar no norte da África.

Ah, mas quem eram os mouros?
Os mouros são os habitantes muçulmanos do norte e noroeste da África, e os muçulmanos de origem espanhola, judaica ou turca. Os muçulmanos cingaleses árabes do Sri Lanka, e os que vivem no sul das Filipinas, também são chamados de mouros, ate os dias atuais. Os mouros constituíam a civilização que invadiu a Península Ibérica no século VIII. Essa civilização, que vivia no norte da África, era proveniente da Mauritânia (deserto do Saara), e eram também tuaregues e nômades do deserto do Saara Ocidental (berberes), e da região do magrebe (noroeste da África, que constitui Tunísia, Líbia, Argélia, Marrocos...). 

Com a expansão do Islamismo, esse povo adotou o árabe como idioma, e também sua cultura, tradições e a religião, e se uniram aos árabes, para invadir a Península Ibérica (que é uma extensão no sudoeste da Europa, onde se encontram: Espanha, Portugal, Andorra, Gibraltar – que pertence ao Reino Unido - e uma pequena fração territorial pertencente à França). Portanto, toda a civilização moura (ou mourisca), que surgiu na Idade Media, também era árabe. 

Os mouros invadiram a Península Ibérica (que ate então era governada pelos visigodos - um dos povos germânicos do leste europeu), e nomearam-na de "Al andaluz", onde governaram por 800 anos. A população de Al Andaluz era muito heterogênea, e constituída por árabes, berberes, moçárabes, muladis (cristãos convertidos ao islamismo), judeus, turcos, e até (mais tarde) por sírios, eslavos, iemenitas, e negros. 

Mourisco, moçárabes? Como assim?
Mourisco, vem de mouro, e era o nome dado aos espanhóis muçulmanos batizados após a política pragmática dos Reis Católicos no século XIII (em 1502). Os moçárabes eram cristãos ibéricos, que viveram sob o governo muçulmano em Al Andaluz; seus descendentes não se converteram ao islã, mas adotaram elementos da língua e da cultura árabe. Eles eram católicos romanos de rito visigótico, e descendentes dos antigos cristãos hispano-góticos, que dominaram a língua árabe, durante o domínio muçulmano. Outros ainda eram cristãos árabes e berberes, juntamente com os muçulmanos convertidos ao cristianismo; que em virtude de falarem o mesmo idioma, sentiam-se a vontade entre os moçárabes originais. 

Os rituais litúrgicos latinos, criados e praticados pelos primeiros cristãos hispânicos (ou ibéricos) sob o domínio romano, eram chamados de rito moçárabe, esse rito passou por muitas alterações durante o período dos visigodos. Mas os cristãos moçárabes continuaram a praticando o rito católico moçárabe na península ibérica, mesmo durante o domínio árabe. 

Em 1080, o Concílio de Burgos, determinou a substituição do rito moçárabe, pelo rito romano, e o Rei de Castela (entre 1072 e 1109) aboliu a liturgia hispânica, pela liturgia romana; embora até os dias atuais, ainda seja celebrado o rito moçárabe na Catedral de Toledo, e na Igreja Anglicana Espanhola. A Catedral de Toledo mantêm até hoje os elementos arquitetônicos moçárabes, que deixaram uma riquíssima e belíssima herança em toda essa região, na arte, na musica, na arquitetura, na cultura, e nos costumes.  

Voltando na questão referente à arquitetura da Igreja da Lapinha... A Ordem dos Agostinianos Recoletos nasceu eu Castela, após a expulsão dos mouros, e após a reconquista da Península Ibérica, certo? 

Frei Leão Uchoa, um sacerdote e Arquiteto espanhol da Ordem dos Agostinianos, vindo de Castela, na Espanha, com todo esse histórico cristão-árabe em sua bagagem cultural, étnica, e religiosa, diante da oportunidade de liderar a reforma de uma igreja sob sua administração, certamente quis fazer apenas uma homenagem à sua terra natal, e ao legado histórico-religioso que ela possui, implantando assim, a bela e detalhada arquitetura mourisca (moçárabe) na reforma da Igreja da Lapinha. E quem sabe, poder assim, sentir-se um pouco mais próximo de suas origens, em terra brasileira. 





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