Extraído do livro As
mais Belas Páginas da Literatura Árabe, de Mansour Challita –, Edição da
Associação Cultural Internacional Gibran
O ESCRAVO
Dez vezes
abandonei-a, e dez vezes voltei.
Agora, ela
sabe que não partirei mais.
E, contudo,
não a quero.
Se ela
morresse amanhã, eu seria feliz, seria livre!
Conheceste,
acaso, a tortura de soluçar sobre um corpo da mulher aviltado por outras
carícias?
Conheceste a
vergonha de não poder arrancar-se do lado de uma mulher porque seu corpo é
maravilhoso?
Hoje,
bati-lhe; e, como se me desafiasse ainda, ardente, transfigurada, com um luz
tão bela nesses olhos divinos, atirei-me sobre sua boca como quem se mata, e
jamais beijo algum foi mais voluptuoso.
Quando a
ameaço, estira-se preguiçosamente.
Quando
ameaço seus amantes, põe-se a cantar uma canção jocosa.
Quando falo
em matar-me, contenta-se em perguntar; “E quem cuidará de tuas rosas?
E vivo minha
vergonha, esperando que esse corpo incomparável murche, como as minhas rosas.
MEDITAÇÃO
Aquele que
se deita sobre um tapete de cem dinares dorme, muitas vezes, menos
profundamente do que o cameleiro que repousa a cabeça sobre um cavalete de
madeira.
Aquele que
se deleita numa fonte de mármore não conhecerá jamais a alegria do mendigo que
encontra uma tigela cheia.
Aquele que
acaricia uma mulher querida, ignora a voluptuosidade de esperar a volta da
infiel.
O CORAÇÃO SANGRENTO
Riste de
minhas lágrimas!
Sabes que és
a primeira diante da qual já chorei?
Acaricia-te
com minha dor, goza de teu triunfo, não percas um instante, porque esta noite
penetrarei em tua alcova, iluminado pelo meu punhal, e, à aurora, atirarei teu
coração aos corvos!
Terá
palpitado em minha mão: uma razão para leva-la.
Terá atravessado o azul: a chuva o purificará. Terá perfumado a areia: o
vento apagara tua merca.
Corvos
negros, chegai do horizonte para combater pela presa: um coração de mulher?
Lançar-vos-lo-ei
de uma janela... depois de ter encerrado minha dor dentro dele.
O MENDIGO
Se estás cansado
de ser amado por tuas riquezas, veste um velho albornoz escuro, raiado de
negro, e sai, descalço, pela noite.
Teu coração
poderá ser igual aos incensários que os mendigos agitam nas encruzilhadas;
poderás cantar ternas canções: não haverá mulher que te faça uma esmola de
amor. Todas passarão e dirão: “Para que? Este pobre diabo nem ao menos tem
chinelos,”
Que o homem
rico faça a experiência do albornoz escuro.
Poderá
considerar-se feliz aquele que, ao regressar à sua morada, encontre uma
bem-amada pronta a lhe dar uma esmola de amor, mesmo oor causa de suas
riquezas.
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