POR CONSUELO PONDÉ
No dia 21 de abril de 1792, lá se vão
222 anos, era executado Tiradentes, cuja paixão e sacrifício parecem estar
caindo no esquecimento da gente deste país. Com efeito, tenho dúvida se foi
útil ou não o seu martírio diante do quadro atual da vida brasileira.
Foi enforcado em praça pública, por ter “ultrajado” o severo e punidor
Estado português, contra cujo domínio sonhara libertar a nossa gente. Submetido
aos rigores do terrível Código Filipino, talvez imaginasse, sonhador que era,
estar livrando o Brasil de um dos mais despóticos reinos da Europa. Conformado,
deve ter concluído que seu ato de bravura, sua imolação, certamente, livraria
pátria estremecida das aves de rapina que hoje, tantos anos volvidos, dilapidam
as suas riquezas e enchem de vergonha e indignação os seus patrícios. Sim,
fazem corar de opróbrio os “caros pálidos” que, embora mascarem suas condutas,
conspurcam a vida brasileira.
José Joaquim da Silva Xavier era mineiro e a crer no que está escrito na
Instrução para o Visconde de Barbacena, Luís Antônio Furtado de Mendonça (11 de
julho de 1788 a 9 de agosto 1797) que “entre todos os povos de que se compõem
as diferentes capitanias do Brasil, nenhuns (sic) talvez custaram mais a
sujeitar e reduzir à devida obediência e submissão de vassalos ao seu soberano,
como foram os de Minas Gerais“, de lá deveria surgir o maior patrono da
nacionalidade.
Por conta da natureza do governo português e da rudeza da gente de
Minas, muitos conflitos ali aconteceram, desde 1720, com a Revolta de Vila
Rica, quando Felipe dos Santos, denunciado, segundo conta a lenda, foi atado de
braços e pernas a quatro cavalos, e estes o despedaçaram, arrastando-lhes as
partes pelas ruas de Vila Rica. De acordo com outra versão foi enforcado e
depois esquartejado, gênero de castigo comum naquela época. Lembrar que a
separação das capitanias de São Paulo e Minas, com governos independentes,
ocorreu por meio do alvará régio de 2de dezembro de 1720.
Todos esses embates culminaram com o martírio de Joaquim José da Silva
Xavier, símbolo nacional de todas as lutas libertárias da nossa gente. No
Discurso Histórico–Político sobre essa sublevação constam as inquietações
permanentes ocorridas nos primeiros anos das Minas, por conta da ambição pelo
ouro, que inquietava as ambições dos que iam àquelas terras com sede de
enriquecer. Esse Discurso “é uma versão portuguesa–colonialista dos mineiros,
de sua obra, de sua desenfreada paixão pela liberdade, conforme assinala José
Honório Rodrigues. Recordar sempre, portanto, o episódio de rebeldia de Felipe
dos Santos, “famoso amotinador, sagaz, astuto e sábio em todo dano”, que de
acordo com a versão do citado Discurso, morre supliciado, sendo o primeiro a
imolar sua vida em prol da liberdade da sua terra.
Assim, quando Tiradentes aparece no palco dos acontecimentos mineiros e,
por que não dizê-lo, na cena nacional, outros bravos heróis já haviam se
rebelado com a espoliação a que vinham sendo submetidos. A situação econômica –
financeira de Minas Gerais entre 1780 e 1789 era diferente das demais, pois não
era propriamente agrícola, nem comerciante. Por suas riquezas interessava ao
colonialismo lusitano, convertendo-se em objeto de cobiça. Vale aludir ao fato
de que a sociedade mineira era essencialmente urbana. Assim, todo seu
desenvolvimento visava à satisfação dos interesses da sua gente composta de
magnatas (expressão muito usada à época) gente livre, pobre e escravos. Nada
tinha a ver com as sociedades açucareiras do Nordeste, de Senhores e Escravos,
da Casa Grande e Senzala tão extensivamente divulgada nesta parte do país.
Assim, os movimentos de rebeldia e inconformismo mineiro de 1708 a1789
sempre eram controlados pelos poderosos, existindo, portanto, uma sociedade de
classe em que um pequeno grupo era dominante e rico, que vivia ao lado de uma
multidão de escravos sem qualquer direito. Entre essas duas camadas distintas havia
uma pequena classe média, constituída de brancos, artífices, oficiais, alguns
padres e muitos artistas mulatos.
Tiradentes fazia parte deste último grupo. Dotado de espírito inflamado,
consciente da espoliação colonial, procurava aliciar seus conterrâneos, a fim
de que se rebelassem contra a cobrança dos quintos, que não deveriam ser pagos
aos portugueses, mas dados aos filhos das Minas para sustentação de suas
famílias e pagamento dos dotes de suas filhas. Tiradentes queixava-se, conta o
Padre Rodrigues da Costa, dos governadores de Minas, cujo despotismo e
arrogância lhe eram intoleráveis.
Hábil na condição de “dentista”, o alferes José Joaquim mascateava,
inicialmente, em Minas Novas, até que sentou praça na cavalaria. Não passou do
posto de alferes. Tinha um aspecto estranho -era bastante alto e muito
espaduado, de figura antipática, e “feio e espantado”. Para Varnhagen era
apenas um conspirador, não um conjurado, visão comprometida pela áulica posição
desse historiador.
Denunciada a conspiração por Joaquim Silvério dos Reis, natural de
Leiria, homem tido por orgulhoso e de mau coração, fugiu Tiradentes, pela
Estrada Real, que liga Minas ao Rio de Janeiro, só tendo sido descoberto no seu
esconderijo e preso sob violenta escolta na rua dos Latoeiros (Gonçalves Dias).
Sabe-se que ouviu a sentença de sua condenação com toda serenidade, aceitando
para si a responsabilidade da conspiração e dispondo-se a pagar as culpas de
todos os conjurados.
Sem prestígio e sem poder, modesto representante do povo, haveria de ser
o “bode expiatório” da Conjuração Mineira, aquele que assumiu para si, com a
máxima conformidade, todas as culpas da malograda insubmissão. Às 11 horas da
manhã de 21 de abril, data do seu suplício, pediu-lhe perdão o carrasco
incumbido da execução. Tiradentes marchou sereno, tendo solicitado três vezes
ao carrasco que lhe abreviasse o sacrifício. Com os olhos fixados no crucifixo,
subiu ao patíbulo. Esse fim trágico, que atraiu grande número de curiosos,
elevou-o à glória de consagrado herói. Desde os primeiros dias da República,
por meio do Decreto número 155B, de 14 de janeiro de 1890, a data de 21 de
abril é feriado nacional. Além de patrono das Forças Públicas Estaduais, Tiradentes
é consagrado herói da Conjuração Mineira e padroeiro da própria
nacionalidade.
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