Conto de Artur de Azevedo
(A ortografia original foi preservada)
O meu querido amigo Emílio Rouède, que há dias
faleceu, foi um homem espirituoso, que forneceria matéria para muitos contos
ligeiros.
Em vez de inventar uma anedota, vou contar-vos uma
historieta em que ele figurou, e que tem, por conseguinte, o mérito de ser
autêntica.
A coisa passou-se há um quarto de século pouco mais
ou menos. Emílio Rouède tinha se casado havia poucos meses, e estava
estabelecido com fotografia na Rua dos Ourives, numa casa que foi demolida
quando se tratou de construir a Avenida Central.
Um dia Mme. Rouède, que era uma linda senhora, saiu
sozinha à rua, e foi acompanhada por um impertinente que, vendo-a sorrir, supôs
que ela sorrisse não dele mas para ele.
Ela entendeu que o mais prudente era voltar para
casa, e assim fez; o conquistador, porém, continuou a segui-la
imperturbavelmente.
Chegando à porta da casa, a moça olhou para trás, a
fim de verificar se continuava a perseguição, e esse movimento animou o
homenzinho, ao que parece: quando ela entrou, ele entrou também; ela subiu a
escada, ele também subiu.
Emilio Rouède estava no atelier, de
blusa, a trabalhar, e, ouvindo os passos de sua esposa, foi esperá-la no topo
da escada.
O sujeito, quando reparou que havia ali um homem,
não teve mais tempo de fugir. Mme. Rouède apresentou-o ao marido:
- Aqui tens este senhor que me tem acompanhado por
toda parte, e entrou comigo. Não sei o que pretende.
- Sei eu, acudiu prontamente o fotógrafo. -
Pretende tirar o retrato; não pode ser outra coisa.
E voltando-se para o desconhecido, perguntou-lhe
olhando por cima dos óculos, segundo o seu costume.
- Busto ou corpo inteiro?
O pobre diabo, que não sabia mais de que freguesia
era, gaguejou:
- Busto... busto...
- Faça favor.
E levou uma hora a tirar-lhe o retrato que foi
pago, ficando o retratado de ir buscá-lo daí a três ou quatro dias. Este queria
apenas meia dúzia, mas Emílio Rouêde convenceu-o de que devia encomendar duas
dúzias e meia.
Quando o freguês saiu, Emílio Rouède disse à
esposa, que ria a bandeiras despregadas:
- Tenho pena de não ser dentista, em vez de
fotógrafo!
Escusado é dizer que os retratos ficaram na
fotografia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário