Fernando Alcoforado*
O fim das
certezas e da conexão necessária entre causa e efeito, bem como a
insuficiência
do método cartesiano de lidar com a ciência, contribuiu para o advento de
uma crise
profunda do pensamento clássico no campo científico que ocorreu durante o
século XX.
O fim das certezas (São Paulo: Unesp,1996) é o título de um livro de
Ilya
Prigogine.
Nele, Prigogine aborda, entre outras coisas, o fim da certeza a respeito da
noção do
tempo (e do espaço), característico do racionalismo da época de Descartes
e Newton
que não concebiam o tempo múltiplo. Immanuel Kant na Crítica da razão
pura
(Petrópolis: Vozes, 2010) defendia a tese de
que o tempo possui apenas uma
dimensão e
que fragmentos de tempo ocorrem sucessivamente um depois do outro. Essa
euclidiana,
foi modificada posteriormente. No que concerne a Prigogine, ele aborda
também a
irreversibilidade do tempo, através do que chamou de “estruturas
dissipativas”
contrariando a lei da conservação da matéria.
Outro
fator que levou ao fim das certezas, no campo das ciências (e por extensão no
campo das
humanidades como um todo), foi o questionamento da teoria da causalidade.
Desde
Aristóteles, “conhecer é conhecer pela causa”. Esse pressuposto foi assumido
por
muitos
séculos, até o final do século XIX e começo do século XX. O primeiro golpe foi
desferido
por David Hume, o filósofo escocês que mostrou que raciocinávamos apenas
por
hábito, e dizíamos conhecer a causa quando nos limitávamos a relacionar algo
que
ocorria
antes com o que vinha depois, mas sem podermos demonstrar a conexão
necessária
entre causa e efeito (Ver o artigo David Hume publicado no website
<http://www.filosofia.com.br/historia_show.php?id=81>).
Mas a causalidade demorou a
ser
deixada de lado pela Ciência, o que só irá ocorrer com o início da teoria
quântica.
Particularmente
interessante é a descoberta do Princípio da incerteza, por Werner
Heisenberg.
Já antes da formulação desse princípio, ele descobrira novas
propriedades
matemáticas relacionadas à Física Quântica. Em março de 1927,
Heisenberg
publicou seu famoso Princípio da incerteza. Nele, mostrou que no reino
do quantum
havia certos pares de propriedades das quais, quanto mais se sabe a
respeito
de uma,
menos é possível saber sobre a outra. Quanto mais formos capazes de medir a
velocidade
de uma partícula, menos seguros estaremos de sua posição; e o mesmo
acontece
com diversas outras quantidades interligadas. Em outros termos, há um limite
genuíno,
absoluto, para o conhecimento humano. Esse foi o golpe final que Einstein
temia
desde o início, quando percebeu que os processos quânticos ameaçavam a
causalidade.
Outro
desenvolvimento que irá abalar o mundo das certezas estabelecidas é o fracasso
da Lógica
clássica, ou aristotélica, em explicar as contradições reais. Para Aristóteles,
a
lógica não
é ciência e sim um instrumento para o correto pensar. O objeto da lógica é o
silogismo
que nada mais é do que um argumento constituído de proposições das quais
se infere
(extrai) uma conclusão. Assim, não se trata de conferir valor de verdade ou
falsidade
às proposições (frases ou premissas dadas) nem à conclusão, mas apenas de
observar a
forma como foi constituído. É um raciocínio mediado que fornece o
conhecimento
de uma coisa a partir de outras coisas (buscando, pois, sua causa). O
grande
abalo, nesse sentido, foi provocado pelo famoso Teorema de Gödel, que mostra
que um
sistema não pode se autojustificar.
No
Congresso Internacional de Matemática de Paris, em 1900, o jovem e genial David
Hilbert,
imbuído das ideias correntes, apresentou um surpreendente trabalho resumindo
as 23
questões ainda "em aberto", as quais, após resolvidas, completariam
todo o escopo
da
matemática. Em 1931, quando ainda vigorava a proposta de Hilbert de obter a
completa
construção da teoria matemática através da lógica formal, Gödel publicou o
seu
trabalho "Sobre as Proposições Indecidíveis", pondo fim a essa
expectativa.
O primeiro
teorema da incompletude de Gödel apareceu como “Teorema VI” no artigo
de Gödel chamado On Formally Undecidable
Propositions in Principia Mathematica
and
Related Systems I no qual afirmou que “Qualquer
teoria efetivamente gerada capaz
de
expressar a aritmética elementar não pode ser tanto consistente quanto
completa. Em
particular,
para qualquer teoria formal consistente e efetivamente gerada que prova certa
verdade da
aritmética básica, existe uma afirmação aritmética que é verdade, mas não
demonstrável
na teoria” (Nagel, Ernest; Newman, James R. A prova de Gödel.
Trad.
Gita K.
Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1973).
Em um
mundo cada vez mais complexo em que vivemos, as ciências continuam a
compartimentalizar
ou departamentalizar as informações, de maneira cartesiana, o que
as impede
de desenvolver uma compreensão global dos fenômenos científicos. Este
problema
só será resolvido com o uso do pensamento complexo. Isto não significa
simplesmente
abandonar as fronteiras disciplinares, ou tornar a tarefa mais difícil
obrigando
o pesquisador a dar conta de todos os assuntos. Não significa o pesquisador
sair de
sua área de especialidade, mas o obriga a trabalhar em grupo reconhecendo que
ninguém
pode mais pesquisar sozinho. A crescente complexidade das questões
científicas
da era contemporânea está levando à convicção que só pode haver avanço no
conhecimento
com o trabalho em grupo entre pesquisadores.
Existe uma
visão generalizada na sociedade em que vivemos que a pergunta sobre
qualquer
questão deve ser respondida pelo especialista. É muito comum, por exemplo,
na
emergência de problemas econômicos que afetam a vida de um país ou do mundo, a
mídia
procurar um economista para obter respostas às questões formuladas. No entanto,
os
problemas da economia envolvem várias áreas de conhecimento como, por exemplo,
ciência
política, sociologia, infraestrutura, educação, saúde, entre outras que
exigiriam a
opinião de
outros especialistas para responderem às questões formuladas. Os problemas
da
economia de um país ou do mundo não pode se resumir a questões que dizem
respeito a
crescimento econômico, inflação, desemprego e outras variáveis econômicas.
Para a
adequada compreensão dos problemas econômicos de um país ou do mundo, é
preciso
ouvir a opinião de vários especialistas, se possível, em uma mesa redonda.
Diferentemente
da tese defendida pelo grande economista John Maynard Keynes, a
Universidade
busca formar, de modo geral, o especialista em economia, da mesma
forma que
o engenheiro especialista, médico especialista, etc. Keynes afirmou que “(...)
o mestre
economista deve possuir uma rara combinação de talentos. Ele deve ser
matemático,
historiador, estadista, filósofo em certo grau. Deve compreender símbolos e
expressar-se
com palavras. Deve contemplar o particular em termos do geral e tocar o
abstrato e
o concreto no mesmo voo de pensamento. Deve estudar o presente à luz do
passado
para os propósitos do futuro. Nenhum aspecto da natureza ou instituições
humanas
deve ficar inteiramente fora de seu interesse. Deve ser objetivo e Deve ser
objetivo e desinteressado de uma forma simultânea; tão distanciado e
incorruptível quanto um artista e às vezes tão perto da terra quanto um
político” (Keynes, John Maynard, Essays in biography, p. 140-141, apud
Heilbroner, Robert. A história do pensamento econômico. 6a ed. São
Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 265).
Em O
pensar complexo (Rio: Garamond, 1999), Edgar Morin afirma que, para superar
as
limitações do pensamento clássico no campo das ciências, impõe-se a adoção do
pensamento
complexo que procura trabalhar entre a certeza e a incerteza. Em outras
palavras,
os pesquisadores precisam trabalhar não só dentro do campo de suas
especialidades,
mas, a partir delas, interagir com outras áreas do conhecimento, pois
o
conhecimento humano é um todo, que é mais do que a mera soma de suas partes.
Dada essa
necessidade de interação, o trabalho de pesquisa, agora, deve operar-se em
grupo, e
não mais somente individualmente. Já Bachelard o dizia, em seu complexo O
novo
espírito científico (São Paulo: Abril Cultural, 1978):
“Eis doravante o guia do
pensamento
teórico: o grupo”.
Voltando a
Edgar Morin, este afirma que o pensamento complexo não visa pura e
simplesmente
substituir o antigo pensamento racionalista, determinista. O pensamento
complexo é
o pensamento que se esforça para unir, não na confusão, mas operando
diferenciações.
Portanto, o pensamento complexo visa estimular a comunicação entre
áreas até
então separadas. Urge acabar essa segmentação. Não se pode mais desqualificar
o
interlocutor, com argumentos, dizendo que estes são de outra área, ou
disciplina,
que não a
sua. O pensamento complexo indica que o filósofo, o economista, o
sociólogo,
o engenheiro, o físico, o químico ou o biólogo, entre outros especialistas, têm
que ter
também, em alguma medida, o conhecimento da área de saber dos demais.
*Fernando
Alcoforado, 74, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des) ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e
Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012), entre outros.
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