O crime
perfeito é por definição aquele efetivamente cometido de forma tão apropriada
que não se consegue descobrir quem o cometeu ou até mesmo pode nem chegar-se, a
saber, que houve crime.
Este crime
que vos vou contar é muito comum, mas raramente se condenam os culpados,
habitualmente por falta de provas ou porque a vitima não se queixa.
Manuela é
uma mulher de trinta e cinco anos, casada com Francisco há quinze anos. Do
casamento resultaram dois filhos. O João de doze anos e o Daniel de dez. Moram
numa zona bonita da cidade, possuem um carro para cada um e vão de férias todos
os anos para destinos diferentes. São bem sucedidos profissionalmente, ambos
licenciados, são os exemplos perfeitos de pessoas bem sucedidas na vida.
No entanto,
se pudéssemos ver o que se passa dentro da intimidade deste casal mudaríamos
muito a nossa opinião. Dentro de portas, a violência física e psicológica
impera. Manuela vive constante apavorada por cometer algum erro que seja capaz
de despertar a fúria do Francisco. Francisco tem um vício, bebe demais. Ninguém
sabe disto porque há pessoas que conseguem manter estes pecados bem
escondidos. Só o faz depois de estar em casa, regra geral quando os
miúdos dormem. Só depois extravasa a maldade que lhe vai no coração.
Imagina
coisas e age como se de fato tivessem acontecido. São os ciúmes os principais
culpados. Chama por Manuela e bate-lhe até ela ficar no chão a gemer de dor.
Francisco, no meio deste estado provocado pelo álcool, consegue ter o
discernimento de não lhe bater em sítios visíveis. Isto em minha opinião diz
bem o tipo de homem que é: um criminoso. Um criminoso com agravantes que comete
o crime premeditadamente. Se o crime acontecesse apenas uma vez podíamos tentar
desculpá-lo, mas não, este crime repete-se uma vez e outra, uma vez e outra. E
depois, para cúmulo, a vítima não se sente capaz de o denunciar. Primeiro
porque a vitima gosta do criminoso e também porque o criminoso consegue ser
muito persuasivo quando diz estar arrependido. Ou deverei dizer que consegue
ser um excelente ator? Nesta história, em cada manhã depois da cena da sova,
Francisco pede perdão a Manuela. Pede-lhe que o compreenda, que esqueça.
Promete que não acontece mais. Manuela, a vítima, diz que o perdoa e ainda tem
pena porque Francisco anda a passar um mau bocado no emprego, porque tem
traumas de infância, porque não é feliz. Porque, porque, porque. Isto torna o
crime ainda mais perfeito, porque aqui a vítima fica solidária com o criminoso
e arranja forma de encobrir o crime. Se lhe perguntam por que está triste diz
que não é nada, se lhe perguntam porque tem os olhos inchados de chorar diz que
esteve a ver um filme de amor, se lhe perguntam de que são as manchas que tem
nos braços, diz que caiu no quintal.
E é assim
deste modo que podemos ver um crime perfeito ser cometido. Não há provas de que
tenha havido crime, a vítima fica solidária com o criminoso e o criminoso sai
sempre impune. Digam lá de vossa justiça, é ou não é o crime perfeito?
Breves
palavras a todas as vítimas destes crimes: eles não gostam de vocês, não estão
arrependidos e os vossos corpos e as vossas vidas não podem NUNCA ser o bode
expiatório das dores dos outros!
Texto de ficção escrito para a
“Fábrica das Histórias” por Cláudia Moreira
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