sábado, 30 de agosto de 2014

MÁSCARAS

Por CONSUELO PONDÉ


 

Herdei alguns livros antigos de familiares falecidos, que teimo em preservar porque significaram muito para os seus donos e me dói descartá-los. Isto porque para quem gosta de ter livros e contar com objetos insubstituíveis, ainda que escritos em linguagem anacrônica.
Um deles é de Menotti Del Picchia, intelectual esquecido como muitos outros, um dos mais ativos organizadores da Semana de Arte Moderna de 1922.
Menotti era filho de imigrantes italianos e nasceu em São Paulo a 20 de março de 1892, ali falecendo a 23 de agosto de 1988. Poeta, jornalista, advogado, político, foi membro da Academia Brasileira de Letras, na qual ocupou a cadeira 28, em 1943.
O público do período acolhera, com entusiasmo, muitas das suas publicações, tais como: Poemas do Vício e da Virtude (1913), de feição parnasiana, Juca Mulato (1917), poema de feição regionalista, que, “pelo ritmo fácil e o estofo narrativo sentimental, logo se tornou sua obra mais lida e plenamente aceita até pelos medalhões da época”, conforme escreve Alfredo Bosi, na História Concisa da Literatura Brasileira. De 1917 são seus poemas Moisés e As Máscaras, segundo o mesmo autor, “viciados pelo decadentismo retórico”.
Recordo-me de minhas tias maternas, que eram alunas da Escola Normal da Bahia, e declamavam, entre outros poemas, Juca Mulato e Máscaras. Encantava-me a maneira entusiasmada como diziam esses versos, muito conhecidos nos dias do passado, sendo provável que uma delas, a única sobrevivente da família Zenaide Montanha de Araújo Góes, ainda saiba recitá-las, pois era dona de excelente capacidade de memorização.
O exemplar que se encontra em minhas mãos não tem identificação de data nem editora, mas o nome da proprietária e a data - 1929. Trata-se de um livro pequeno, de capa dura, na cor azul, e contém ilustrações relacionadas com a folia do Carnaval. A abertura da obra é feita em quatro versos e esta contém os seguintes poemas: As Máscaras; Arlequim: um Desejo; Pierrot: um Sonho; Colombina: a Mulher. De uma dessas partes, permito-me extrair alguns versos ousados para a época. 
Vamos a eles: “O beijo da mulher! O Sinfonia louca/da sonata que o amor improvisa na boca.../No contato do lábio, onde a emoção acorda/sentir outro vibrar, como vibra uma corda.../À vaga orquestração da frase que sussurra/ver um corpo fremir tal qual uma bandurra.../ Desfalecer ouvindo a música que canta / no gemido de amor que morre na garganta.../ Colar  o lábio ardente à flor de um seio lindo,/ ir aos poucos subindo ...ir aos  poucos subindo.../ até alcançar a boca e escutar , num arquejo , o universo parar na síncope de um beijo!
Do Arlequim, um verso que nunca esqueci: “Ingênuo uma mulher bela/ adora quem lhe diz o que é lindo nela / Ousa tudo porque todo o homem namorado,/ se arrepende, afinal, de não ter tudo ousado”.
Fechando o longo poema, na voz da Colombina, hesitante entre o amor do Arlequim e do Pierrot, diz ao segundo: “O teu sonho é tão manso... Pudesse eu repartir-me e encontrar minha calma dando a Arlequim meu corpo... e a Pierrot  minh`alma!/Quando tenho Arlequim, quero Pierrot tristonho,/ pois um dá-me o prazer, o outro dá-me o sonho! / Nessa  duplicidade o amor todo se encerra: /Um me fala do céu ....outro fala da terra! Eu amo porque amar é variar, e em verdade / toda a razão do amor está na variedade.../ Penso que morreria o desejo da gente / se Arlequim e Pierrot  fossem um ser somente,/ porque a história do amor pode escrever-se assim. Um sonho de Pierrot/ E um beijo de Arlequim.”
E, no desejo de descrever a dubiedade de sentimentos da mulher, Colombina diz, hesitante a Pierrot: Eu  amo-te , Pierrot e ao Arlequim declara... e adoro-te, Arlequim. A vida é singular! Bem ridícula, em suma. Uma só ama dois... e dois amam uma só!... Essa mesma indefinição amorosa está no que a Colombina  diz ao Pierrot: O teu sonho é tão manso 
...Pudesse eu repartir-me e encontrar minha calma dando ao Arlequim meu corpo.....e a Pierrot minh´alma! Quando tenho Arlequim, quero Pierrot tristonho, pois um dá prazer, o outro dá-me o sonho!

Nessa duplicidade o amor tudo se encerra: Eu amo, porque amar é variar, e em verdade toda razão do amor está na variedade.

...Penso que morreria o desejo da gente se Arlequim e Pierrot fossem um ser, porque a história do amor pode escrever-se assim. Pierrot - Um sonho de Pierrot..., Arlequim. E um beijo de Arlequim!

Como soam antigas as declarações de amor e o comportamento dos amantes da década de 1920 ...

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