quarta-feira, 3 de setembro de 2014

OS CAMINHOS DO DESENVOLVIMENTO EM PAÍSES CAPITALISTAS PERIFÉRICOS COMO O BRASIL

 Colaboração de Fernando Alcoforado*





A história econômica de inúmeros países demonstra que o capitalismo de Estado tem sido a solução para vencer o atraso econômico. Foi o caso da União Soviética, da China, de Taiwan, do Japão e da Coreia do Sul no Século XX. O progresso econômico alcançado por esses países se deveu fundamentalmente ao papel desempenhado pelo Estado na promoção do desenvolvimento. Muito provavelmente o desempenho
econômico desses países seria inferior se suas economias ficassem sob o livre jogo do mercado. O papel do Estado é decisivo para que se desenvolvam as condições para incrementar o progresso técnico e viabilizar o processo de acumulação do capital em países periféricos. O Estado pode assumir, em um extremo, o papel de planejar e controlar a economia como um todo e, no outro, o de apoiar as empresas na consecução de seus objetivos.


No entanto, nas nações onde o capitalismo de Estado foi bem sucedido, o desenvolvimento social não aconteceu no mesmo ritmo em que se deu o desenvolvimento econômico. Isso se deve ao fato de que nesses países a Sociedade Civil não encontrou espaço para interferir nos rumos da atividade econômica. Uma das características dos países onde prevalece o capitalismo de Estado é a centralização do poder em mãos de uma burocracia estatal que privilegia os interesses dos grupos econômicos capitalistas e/ou das elites dirigentes em detrimento dos interesses sociais.

Em outras palavras, o capitalismo de Estado pode realizar o progresso econômico sem alcançar, no entanto, o progresso social. Este foi o caso de países como o Japão, a Coréia do Sul, Taiwan, a União Soviética e a China.  
Na União Soviética, por exemplo, onde ocorreu uma revolução socialista voltada para atender os interesses do proletariado e da grande maioria da população, o desenvolvimento social do país não aconteceu no mesmo ritmo de seu desenvolvimento econômico. A prioridade dos governantes da União Soviética era promover o desenvolvimento acelerado das forças produtivas para superar o atraso econômico. Nos primórdios da revolução, sob a liderança de Lênin, havia a participação da sociedade civil (sovietes) nas decisões do governo, apesar da prevalência do partido comunista como supremo poder da nação. Com a morte de Lênin e a ascensão de Stalin ao comando do partido comunista, os sovietes foram excluídos de participação nas decisões do governo e, mais tarde, a ditadura do partido comunista se transformou em ditadura pessoal de Stalin. Apenas com a morte de Stalin, o poder soviético voltou a ser exercido pela máquina do partido comunista, apesar da força de seus dirigentes máximos. A economia soviética se transformou com o tempo em capitalismo de estado em que o excedente econômico ou mais valia gerada pela sociedade era utilizada na expansão econômica e em benefício da elite dirigente do país, que se transformou em burguesia de estado.

Na China, onde ocorreu também uma revolução socialista voltada também para atender os interesses do proletariado e da grande maioria da população, o desenvolvimento social do país não aconteceu no mesmo ritmo de seu desenvolvimento econômico.

Quando Mao Tse Tung exercia sua liderança à frente do partido comunista e da nação, seu propósito era implantar o socialismo a todo o custo combatendo todas as possibilidades de renascimento do capitalismo no país. A revolução cultural representou a última tentativa de Mao Tse Tung de evitar o retorno do capitalismo no país. A morte de Mao Tse Tung e a derrota política das forças que o apoiavam significou a ascensão ao poder no partido comunista e na China de Deng Xiaoping que promoveu o renascimento do capitalismo no país e a abertura da economia chinesa ao capital internacional. O socialismo de Deng Xiaoping passou a se denominar de “socialismo de mercado”. A economia chinesa se transformou a partir deste momento em capitalismo de estado em que o excedente econômico ou mais valia gerada pela sociedade era utilizada na expansão econômica e em benefício da elite dirigente do país, que se transformou em burguesia de estado. Desde a revolução chinesa até o presente momento, a China vem sendo governada pelo partido comunista e por uma elite dirigente que exercem o comando da nação usufruindo de grandes privilégios. A sociedade civil não participa das decisões do governo que são exercidas exclusivamente pela elite dirigente. A China se constitui hoje na segunda potência econômica do planeta. No entanto, o mesmo não ocorre no plano social.

À exceção do Canadá e dos países escandinavos (Dinamarca, Suécia, Finlândia e Noruega), não há registro, na história econômica mundial, de país que tenha promovido o desenvolvimento econômico simultaneamente com o desenvolvimento social, isto é, que tenha apresentado elevadas taxas de crescimento do PIB e desenvolvimento regional equilibrado ao mesmo tempo em que tenha atendido às demandas sociais em termos de pleno emprego, adequada distribuição da renda e da riqueza nacionais, habitação, serviços de educação e saúde e acesso à cultura, dentre outros. No capitalismo, a compatibilização do progresso econômico com o bem–estar social depende fundamentalmente da capacidade que os movimentos sociais tenham de pressionar o governo e as classes dominantes no atendimento das demandas sociais. Os países da Europa Ocidental conquistaram grande avanço nas leis sociais graças à força da Sociedade Civil organizada.

No momento atual, com a expansão do neoliberalismo em escala planetária, muitas das conquistas sociais alcançadas pelos trabalhadores em todo o mundo no Século XX estão sendo postas em xeque, incluindo o próprio Estado do Bem–Estar Social implantado em alguns países da Europa Ocidental. Nos países capitalistas periféricos como o Brasil, seus governos estão promovendo um processo de abertura da economia e flexibilização da legislação trabalhista com base no modelo neoliberal para facilitar o ingresso de capitais externos em detrimento dos interesses dos trabalhadores e da maioria da população. Diante desse fato, o desenvolvimento social não acompanha o desenvolvimento econômico onde este ocorra.

Pode-se afirmar que os países que têm maior capacidade de gerar poupança própria realizam maior volume de investimentos na atividade produtiva e têm mais chance de promover o desenvolvimento econômico acelerado. Constata-se que o desenvolvimento econômico tem mais chance de ocorrer de forma acelerada nas economias de mercado onde prevalece o capitalismo de Estado e nas economias centralmente planificadas, sobretudo nessas últimas, devido ao maior controle do Estado sobre o ato de poupar e de investir. A história econômica mundial é plena de exemplos dessa ordem, como é o caso dos países denominados socialistas (União Soviética e China) e dos países do Pacífico Asiático (Japão, Coréia do Sul e Taiwan).

Viabilizar poupança própria em grande volume para poder investir no processo de acumulação de capital representa o grande desafio dos países periféricos e semiperiféricos.

Os países do Pacífico Asiático (Japão, Coréia do Sul e Taiwan) conseguiram realizar tal proeza e expandir suas economias na segunda metade do Século XX. No entanto, outros países, como foi o caso do Brasil de 1930 até o presente momento, expandiram suas economias apoiando-se na poupança externa para não
comprometerem os níveis de consumo interno. Os países que optaram por utilizar poupança externa na promoção de seu desenvolvimento fracassaram duplamente: a expansão econômica cessou ou declinou, isto é, não foi sustentável e o endividamento externo ampliou-se. Esse fato mostra que a chave para promover o desenvolvimento econômico de um país reside na geração da poupança interna para realizar os
investimentos necessários.

Está bastante comprovado pelos exemplos da história que o desenvolvimento econômico não se sustenta com a insuficiência do processo de acumulação do capital, da mesma forma que o desenvolvimento social não se realiza com a fraqueza da Sociedade Civil organizada, dos sindicatos de trabalhadores e dos partidos políticos progressistas, somados a fatores culturais inibidores. Acumulação de capital apoiado na poupança interna para promover o desenvolvimento econômico e o fortalecimento da Sociedade Civil Organizada são essenciais para que o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social se realizem na plenitude e simultaneamente.

Constata-se, também, pelos exemplos da história, que um país ou uma região só alcançará níveis elevados de desenvolvimento econômico se existirem recursos humanos e naturais em quantidade e qualidade, infraestrutura econômica e social compatível com as necessidades, mercados interno e externo para os produtos e serviços nele produzidos, economias de aglomeração que assegurem produtividade e competitividade para os produtos e serviços, redes de empresas que possibilitem a constituição de cadeias produtivas de elevada competitividade e disponibilidade de recursos públicos e privados para investimento. As fragilidades do Brasil em termos de recursos humanos, infraestrutura econômica e social e recursos públicos e privados para investimento comprometem enormemente seu desenvolvimento econômico.

Está também bastante demonstrado que o país ou a região que reunir todos esses fatores se constituirá em lócus privilegiado para o processo de acumulação de capital e, em consequência, promoverá seu desenvolvimento econômico. Os países capitalistas desenvolvidos (Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França, etc), também os novos países industrializados (Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Austrália, Nova Zelândia, etc.), prosperaram economicamente porque conseguiram reunir a maior parte dos fatores acima mencionados. De modo geral, os países que não prosperaram são aqueles que apresentam carência total ou parcial desses fatores. Por sua vez, os países capitalistas periféricos e semiperiféricos têm seu progresso barrado, não apenas devido à existência de modos de produção pré-capitalistas e ao atraso ou inviabilidade do processo de industrialização, mas, sobretudo, em consequência da ação colonialista e imperialista das grandes potências capitalistas.

Não há exemplo na história de transformação de país capitalista periférico para a condição de país desenvolvido. No Século XX, nenhum país situado na periferia capitalista se tornou desenvolvido. A Coréia do Sul foi o único da periferia capitalista que avançou para a condição de país semiperiférico e o Japão e a Itália saíram da condição de países semiperiféricos para a de integrantes do núcleo de países capitalistas desenvolvidos. A União soviética, os países socialistas do leste europeu e a China não conseguiram se transformar em países desenvolvidos, apesar do grande esforço realizado.

Não há progresso econômico e social de uma nação sem a realização de mudanças econômicas e sociais. O progresso econômico se materializa quando há transformação, mudança e criação de riqueza e o progresso social só acontece quando a riqueza é amplamente distribuída pela população, isto é, não é concentrada. Um projeto de desenvolvimento tem, portanto, caráter progressista quando o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social ocorrem simultaneamente. No mundo inteiro, também nos países desenvolvidos, com a exceção de alguns poucos países (Canadá e países escandinavos) o progresso ainda não se realizou na plenitude. No planeta, tem havido na era contemporânea uma piora em todos os países nos indicadores de bem-estar social. Não apenas os países periféricos e semiperiféricos encontram-se em regressão em termos de progresso no bem-estar social, mas também os países desenvolvidos.

O fato de o Brasil ter evoluído da condição de economia primário-exportadora para a de economia industrial na segunda metade do século XX é saudado como demonstração de progresso. No entanto, aumentou enormemente sua dependência econômica e tecnológica em relação ao Exterior, haja vista ter seu crescimento econômico se apoiado fortemente em capitais externos, sobretudo a partir do processo de industrialização iniciado na década de 1930. O verdadeiro progresso econômico e social está ainda por se realizar no Brasil. No Brasil, nenhum governo foi capaz de realizar ao longo da história as mudanças exigidas para a promoção de seu progresso econômico e social. Na era contemporânea, os governantes brasileiros realizaram muito pouco para reduzir as disparidades sociais e regionais de renda que são ainda gigantescas no Brasil. Além disso, adotaram desde o governo Fernando Collor a política econômica neoliberal, se subordinando aos interesses do
grande capital nacional e internacional.



Fernando Alcoforado, 74, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des) ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.

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