História da religião
O
termo Inquisição refere-se a várias instituições dedicadas à
supressão da heresia no
seio da Igreja Católica.
A Inquisição medieval, da qual derivam todas as
demais, foi fundada durante os séculos
XII e XIII para preservar a disciplina eclesiástica.
No século XIX os tribunais da Inquisição foram
suprimidos pelos estados europeus, mas foram mantidos pelo Estado Pontifício.
Em 1908, sob o Papa Pio X, a instituição foi renomeada "Sacra Congregação
do Santo Ofício". Em 1965, durante o pontificado de Paulo VI e em clima
de grandes transformações na Igreja após o papado de João XXIII, por ocasião do
Concílio Vaticano II, assumiu seu nome atual - "Congregação para a
doutrina da Fé".
Ao
contrário do que é comum pensar, o tribunal do Santo Ofício era uma entidade
jurídica e não tinha forma de executar as penas. O resultado da inquisição
feita a um réu era entregue ao poder secular ou nem sequer seguia para lá. Numa
sociedade na qual imperava a fé, é de supor que os poderes civis se apropriassem
na tentativa de combater a desordem social ou os inimigos públicos, das
prerrogativas religiosas.
O recurso
da tortura, muito comum nos tribunais seculares, não foi uma constante na
Inquisição: a instituição recorreu muito raramente a esse procedimento. Ao todo, menos de 10% dos julgamentos
envolveu a agonia física dos acusados. Com a imposição de uma regra que
proibia os eclesiásticos de derramar qualquer gota de sangue dos réus, várias
das confissões obtidas sob tortura perderam sua validade. No século XIX, os
tribunais da Inquisição foram suprimidos pelos estados europeus, mas foram
mantidos pelo Estado Pontifício. Em 1908, sob o Papa Pio X, a instituição foi renomeada "Sacra Congregação do Santo Ofício".
Em 1965, por
ocasião do Concílio Vaticano II, durante o pontificado de Paulo VI e em
clima de grandes transformações na Igreja após o papado de João XXIII, assumiu seu
nome atual - "Congregação para a doutrina da Fé".
A instalação desses tribunais era muito comum na
Europa a pedido dos poderes régios, pois queriam evitar condenações por mão
popular. Diz Oliveira Marques em História de Portugal, tomo I,
página 393: «(…) A Inquisição surge como uma instituição muito complexa, com
objetivos ideológicos, econômicos e sociais, consciente e inconscientemente
expressos. A sua atividade, rigor e coerência variavam consoante a época.
A ideia da criação da Inquisição surgiu
inicialmente para funcionar como um tribunal interno, apenas para dentro Igreja católica. Mas viram
razões da sua atuação, em 1183, quando delegados enviados pelo Papa averiguaram a crença dos cátaros de Albi, sul de França, também
conhecidos como "albigenses", que acreditavam na existência de um
Deus para o Bem e outro para o Mal; Cristo seria o Deus do bem,
enviado para salvar as almas humanas, e o Deus criador do mundo material seria
o Deus do mal. Após a morte, as almas boas e espirituais iriam
para o céu, enquanto as almas pecadoras e
materialistas, como castigo, reencarnariam no
corpo de um animal. Isto foi considerada uma heresia e no
ano seguinte, no Concílio de Verona, foi criado o Tribunal da Inquisição.
A Inquisição espanhola é, entre as demais inquisições, a mais
famosa. David Landes relata: "A perseguição levou a
uma interminável caça à bruxa, completa com denunciantes pagos, vizinhos
bisbilhoteiros e uma racista "limpieza de sangre". Judeus conversos
eram apanhados por intrigas e vestígios de prática mosaica: recusa de porco,
toalhas lavadas à sexta-feira, uma prece escutada à soslaia, frequência
irregular à igreja, uma palavra mal ponderada. A higiene em si era uma causa de
suspeita e tomar banho era visto como uma prova de apostasia para marranos e muçulmanos. A frase
"o acusado era conhecido por tomar banho" é uma frase comum nos
registros da Inquisição. Sujidade herdada: as pessoas limpas não têm de se
lavar. Em tudo isto, os espanhóis e portugueses rebaixaram-se. A intolerância
pode prejudicar o perseguidor (ainda) mais do que a vítima. Deste modo, a
Ibéria e na verdade a Europa Mediterrânica como um todo, perdeu o comboio da
chamada revolução científica".
Rino
Cammilleri diz: "As fontes históricas demonstram muito claramente que a
inquisição recorria à tortura muito raramente. O especialista Bartolomé
Benassa, que se ocupou da Inquisição mais dura, a espanhola, fala de um uso da
tortura 'relativamente pouco frequente e geralmente moderado.'" .
"O número proporcionalmente pequeno de execuções constitui um argumento
eficaz contra a lenda negra de um tribunal sedento de sangue"; pois, como
diz o historiador Henry Kamen, "as cenas de sadismo que descrevem os
escritores que se inspiraram no tema possuem pouca relação com a
realidade". Tendo estudado os processos da inquisição espanhola atesta
Agostinho Borromeu: "A Inquisição na Espanha celebrou, entre 1540 e 1700 (160
anos), 44.674 juízos. Os acusados condenados à morte foram apenas 1,8% (804) e,
destes, 1,7% (13) foram condenados em 'contumácia' (queima de efígies)".
Adriano Garuti, historiador escreve: "contrariamente ao que se pensa,
apenas uma pequena fração do procedimento inquisitorial se concluía com a
condenação à morte."
Segundo
Michael Baigent e Richard Leigh, a 1 de novembro de 1478, uma Bula do Papa Sixto IV autorizava
a criação de uma Inquisição Espanhola. Confiou-se então o direito de nomear e
demitir aos monarcas espanhóis. O primeiro Auto de fé foi
realizado a 6 de fevereiro de 1481, e seis indivíduos foram queimados vivos na
estaca. Em Sevilha, só em
novembro, 288 pessoas foram queimadas, enquanto setenta e nove foram condenadas
à prisão perpétua. Em fevereiro de 1482
o Papa autorizou a nomeação de mais sete dominicanos como Inquisidores, entre
eles, Tomás de Torquemada. Este viria a passar à história como a face mais
aterrorizante da Inquisição. Em abril de 1482, o próprio Papa emitiu uma bula,
na qual concluía: ¨A Inquisição há algum tempo é movida não por zelo pela fé e
a salvação das almas, mas pelo desejo de riqueza¨. Após essa conclusão, revogaram-se todos os poderes confiados à
Inquisição e o Papa exigiu que os Inquisidores ficassem sobre o controle dos
bispos locais. O Rei Fernando ficou indignado e ameaçou o Papa. A 17 de
outubro de 1483, uma nova bula estabelecia o Consejo de La Suprema y
General Inquisición para funcionar como a autoridade última da
Inquisição, sendo criado o cargo de Inquisidor Geral. Seu primeiro ocupante foi
Tomás de Torquemada. Até a sua morte em
1498, Torquemada teve poder e influência que rivalizavam com os próprios
monarcas Fernando e Isabel. O número de autos-de-fé durante o mandato de
Torquemada como inquisidor é muito controverso, mas o número mais consensual são
2000.
Dois
sacerdotes demonstrando uma aplicação de tortura sob a supervisão da
Inquisição.
Gravura a cobre intitulada "Die Inquisition in Portugall" por Jean David Zunner retirada da obra "Description de L'Univers, Contenant les Differents Systemes de Monde, Les Cartes Generales & Particulieres de la Geographie Ancienne & Moderne" por Alain Manesson Mallet, Frankfurt, 1685.
Gravura a cobre intitulada "Die Inquisition in Portugall" por Jean David Zunner retirada da obra "Description de L'Univers, Contenant les Differents Systemes de Monde, Les Cartes Generales & Particulieres de la Geographie Ancienne & Moderne" por Alain Manesson Mallet, Frankfurt, 1685.
Na História
da cultura universal - e, mais especificamente, da cultura portuguesa e
brasileira que se viram amordaçadas durante séculos pela atuação da Santa
Inquisição -, são múltiplos os exemplos de "caça à literatura
sediciosa". Podemos considerar
Portugal pioneiro na censura literária e defesa da fé e dos bons costumes.
Antes mesmo da instituição da Inquisição em Portugal (1536), observamos por
parte do Estado a preocupação em cercear ideias consideradas como perigosas ao
regime. Em meados do século XV foi instituída a censura real através de um
alvará de Afonso V, de 18 de agosto de 1451, que manda "queimar livros
falsos e heréticos". Orientado pelo Conselho, ordenava que os livros
de Johannes Wickef, Johannes Hus, Frei Gaudio e de
outros fossem queimados e "non fossem mais achados em os nossos
reinos".
A Inquisição foi pedida inicialmente por D. Manuel I, para cumprir o acordo de casamento com Maria de Aragão. A 17 de dezembro de 1531, o Papa Clemente VII, pela
bula Cum ad nihil magis a instituiu em Portugal, mas um ano
depois anulou a decisão. Em 1533 concedeu
a primeira bula de perdão aos cristãos-novos portugueses. D. João III, filho da mesma D. Maria, renovou o
pedido e encontrou ouvidos favoráveis no novo Papa Paulo III que
cedeu, em parte por pressão de Carlos V de Habsburgo.
Em 23 de maio de 1536, por outra bula em tudo semelhante à primeira, foi
instituída a Inquisição em Portugal. Sua primeira sede foi Évora, onde se achava a corte. Tal como nos demais
reinos ibéricos, tornou-se um tribunal ao serviço da Coroa.
A
bula Cum ad nihil magis foi publicada em Évora, onde
então residia a Corte, em 22 de outubro de 1536. Toda a
população foi convidada a denunciar os casos de heresia de que tivesse
conhecimento. No ano seguinte, o monarca voltou para Lisboa e com ele o novo
Tribunal. O primeiro livro de denúncias tomadas na Inquisição, iniciado em
Évora, foi continuado em Lisboa, a partir de Janeiro de 1537. Em 1539 o cardeal D. Henrique, irmão de D. João III e depois ele próprio rei, tornou-se
inquisidor geral do reino.
Até 1541, data em
que foram criados os tribunais de Coimbra, Porto, Lamego e
Évora, existia apenas a Inquisição portuguesa que funcionava junto à Corte. Em
1541 foram criados os Tribunais de Coimbra, Porto, Lamego e Tomar. Em 1543-1545 a
Inquisição de Évora efetuou diversas visitações à sua área jurisdicional. Mas em 1544 o Papa mandou suspender a execução de
sentenças da Inquisição portuguesa e o autos-de-fé sofreram uma interrupção.
Foram,
então, redigidas as primeiras instruções para o seu funcionamento, assinadas
pelo cardeal D. Henrique, e datadas de Évora, a 5 de Setembro. O primeiro
regimento só seria dado em 1552. Em 1613, 1640 e 1774, seriam
ordenados novos regimentos por D. Pedro de Castilho, D. Francisco de Castro e pelo Cardeal da Cunha,
respectivamente.
Na Torre do Tombo encontra-se
abundante documentação. D. Diogo da Silva, primeiro
inquisidor-mor, nomeou um conselho para o coadjuvar, composto por quatro
membros. Este Conselho, do Santo Ofício de 1536 foi a
pré-figuração do Conselho Geral do Santo Ofício criado pelo
cardeal D. Henrique em 1569 e que
teve regimento em 1570. Entre as
suas competências, saliente-se: a visita aos tribunais dos distritos
inquisitoriais para verificar a atuação dos inquisidores, promotores e
funcionários subalternos, o cumprimento das ordens, a situação dos cárceres.
Competia-lhe a apreciação e despacho às diligências dos habilitandos a
ministros e "familiares do Santo Ofício", julgar a apelação das
sentenças proferidas pelos tribunais de distrito, a concessão de perdão e a
comutação de penas, a censura literária para impedir que entrassem no país
livros heréticos; a publicação de índices expurgatórios; as licenças para
impressão.
Em 1558 foi
introduzida na Espanha (pela
própria Coroa Espanhola, à revelia da Igreja) a pena de morte para quem
importasse livros estrangeiros sem permissão ou para quem imprimisse sem a
autorização oficial. Um exemplo desta desconfiança dos espanhóis perante as
ideias que lhes chegavam da Europa no século é-nos dado pela estatística dos
alunos espanhóis da Universidade de Montpellier. Esta universidade
costumava receber estudantes de medicina espanhóis. Eles deixaram de ir. Entre
1510 e 1559 foram 248. Já entre 1560 e 1599 foram apenas 12 (Goodman).
A Inquisição foi extinta gradualmente ao longo
do século XVIII, embora só em 1821 se dê a extinção formal em Portugal numa
sessão das Cortes Gerais.
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