Ensaio de
Fernando Alcoforado*
Os
primeiros Estados, no Egito, na Mesopotâmia, na China, na Índia, na América Central,
nos Andes etc. surgiram para assegurar o direito de propriedade frente a inimigos
internos (ladrões) ou externos (invasores). Os Estados surgiram também como organização
destinada a tornar possível a realização dos trabalhos coletivos (construção de canais,
barragens, aquedutos etc.) necessários para a comunidade. Os primeiros Estados se
caracterizaram por exercer um poder absoluto e teocrático, no qual os monarcas
se identificavam com uma divindade.
O poder se
justificava por sua natureza divina e era a crença religiosa dos súditos que o sustentava.
A primeira experiência política importante no mundo ocidental foi realizada na Grécia
por volta do século V a.C. A unidade política grega era a polis, ou cidade
estado, cujo
governo foi, em alguns momentos, democrático. Os habitantes que alcançavam
a condição de cidadãos - da qual estavam excluídos os escravos - participavam
das instituições políticas. Essa democracia direta teve sua expressão mais genuína em
Atenas.
Da Grécia,
na Antiguidade, até o momento atual, sempre houve disputas pela conquista do Estado.
Nos primórdios, a disputa pelo poder do Estado só incluía os ricos e poderosos,
isto é, os detentores de propriedade. A imensa maioria da população ficava à margem da
luta política. Em alguns momentos, ela era utilizada por uma facção ou outra nas lutas
políticas que, em alguns momentos, resultavam em guerras entre facções. O Estado
Moderno nasceu na segunda metade do século XV, a partir do desenvolvimento
do capitalismo mercantil nos países como a França,
Inglaterra
e Espanha, e mais tarde na Itália.
Na Idade
Média, a teoria de que o poder emanava do conjunto da comunidade surgiu como
elemento novo. O rei ou o imperador, portanto, deviam ser eleitos ou aceitos como tais
por seus súditos, para que sua soberania fosse legítima. As transformações que
ocorreram no século XIV, XV e XVI, com o advento do capitalismo mercantil e a superação
do modo de produção feudal, ocasionou a redefinição do Estado que se tornou
forte e centralizado. Surgiu inicialmente, o Estado Absolutista e em seguida
o Estado
Liberal.
O Estado
Absolutista era defendido por Thomas Hobbes, filósofo inglês, que defendia a tese de
que o Estado soberano significava a realização máxima de uma sociedade civilizada
e racional. Ele defendia que somente o Estado, um poder acima das individualidades,
garantiria segurança a todos. Jonh Locke, teórico da Revolução Liberal
inglesa, temendo que um homem tentasse submeter o outro a seu poder absoluto,
os homens deveriam delegar poderes a um Estado, através de um contrato social,
para que esse assegurasse seus direitos naturais, assim como, a sua
propriedade.
Foi na
França que o sentido propriamente burguês da revolução liberal se afirmou como propunha a
própria Revolução Francesa baseado no pensamento de Jean Jacques Rousseau,
a partir do livro O Contrato Social e do documento guia da Revolução Francesa
que foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A partir deste momento os
cidadãos passaram a influir nos processos eleitorais nas lutas pelo poder do Estado com
o advento do sufrágio universal. Apesar disto, os ricos e poderosos continuaram
exercendo o poder do estado graças à força do poder econômico. Os
cidadãos
apenas legitimavam através das eleições a conquista do poder do estado pelas classes
dominantes.
Em toda a
história da humanidade, o Estado sempre esteve a serviço das classes dominantes.
Os avanços sociais alcançados pela humanidade até o presente momento como, por
exemplo, a redução da jornada de trabalho, o direito de greve, o sufrágio universal,
entre outros, resultaram de concessões das classes sociais dominantes para arrefecer
as lutas empreendidas pelos trabalhadores em várias partes do mundo. Nas democracias
burguesas, tem ocorrido ao longo da história golpes de estado com a implantação
de ditaduras quando as classes dominantes se sentem ameaçadas no exercício
do poder do Estado por setores sociais insatisfeitos. No Brasil, por exemplo, o golpe de
estado que levou ao poder Getúlio Vargas e foi denominado de Revolução de 1930
resultou de uma luta de facções. O golpe de estado de 1964 aconteceu para
evitar que amplos
setores sociais galgassem o poder e realizassem mudanças sociais atentatórias
aos interesses das classes dominantes.
A
conquista do poder em 1917 pelos bolcheviques, por exemplo, não resultou de um levante
popular como muita gente pensa. Em fevereiro de 1917, a queda do czar foi efetivamente
o resultado de explosões espontâneas de descontentamento e revolta que culminaram
numa greve geral em São Petersburgo e Moscou e na instalação do governo provisório.
Em novembro de 1917, mais precisamente, é o partido bolchevique, através do Comitê
Militar Revolucionário e da Guarda Vermelha, que toma o Palácio do Inverno e
põe fim ao governo de Kerensky. Ao contrário da Revolução Russa que resultou
de um golpe de estado, a Revolução Chinesa sob a liderança de Mao Zedong resultou
de um levante popular a partir do campo.
Um grande
pensador marxista, Antonio Gramsci, afirmava que a conquista da hegemonia
no âmbito da Sociedade Civil se constituía num problema chave na conquista
do poder do Estado que deveria começar a ser resolvido teórica e politicamente.
Em sua opinião, ganhar o conjunto das classes subalternas para sua direção
política, era a tarefa primeira do proletariado revolucionário e do seu partido político.
Esta era a tarefa preliminar à conquista do Estado pelo proletariado revolucionário
e por seu partido político. Como uma consequência fundamental destas considerações,
está a compreensão de que a luta pelo poder exige um árduo trabalho de convencimento
e persuasão de amplas camadas populares por parte do grupo social que almeja
conquistá-lo.
Neste
sentido, Gramsci desenvolveu uma teoria que viabilizasse a ocupação metódica e sistemática,
pelos trabalhadores, dos espaços estratégicos existentes, num processo de ampliação
da esfera da sociedade civil perante a sociedade política organizada em torno do Estado,
que permitisse a conquista do poder político. Segundo ele, nas sociedades ocidentais,
a proposta de luta pela transformação radical do sistema capitalista e pela conquista
do poder de Estado por parte dos trabalhadores não se daria mais unicamente pela via
insurrecional no sentido estrito, ou seja, da tomada do poder como uma brusca e
explosiva guerra de movimento (o assalto ao poder) como ocorreu na Rússia dos czares em
1917.
Tudo leva
a crer que a estratégia arquitetada pelo PT para conquista e manutenção no poder no
Brasil levou em conta os ensinamentos de Gramsci. A partir do governo Lula, na
Sociedade Civil, amplos setores sociais foram conquistados pelo PT com o
programa Bolsa
Família, além dos Sindicatos e movimentos sociais em geral que foram cooptados pelo PT.
As estruturas do Estado brasileiro e de empresas estatais foram também ocupadas
por membros do PT. Mais recentemente, o Poder Judiciário foi também conquistado
após a saída do presidente Joaquim Barbosa porque tem como presidentes do STF e
do TSE ex- integrantes do PT. A vitória do PT nas eleições presidenciais de
26 de
outubro próximo o levaria à manutenção do Poder Executivo. De posse do Executivo
e do Judiciário, o Poder Legislativo ficaria inteiramente à mercê do PT. A conquista
do estado pelo PT no Brasil se materializaria na prática.
Pelo
exposto, pode-se afirmar que o futuro do Brasil será ditado pelo poder
hegemônico do PT e de
seus aliados se houver a vitória de Dilma Roussef nas próximas eleições. Ao invés de
colocar em prática o caminho gramsciano de emancipação social, poderemos, ao
contrário, ter no Brasil a reprodução da ditadura partidária exercida pelo PRI
que controlou
a vida política do México por 71 anos, através do controle da máquina pública e de um
sistema baseado na corrupção, formando a "Ditadura Perfeita" termo
usado pelo fato
de o partido oficial ter-se sustentado no poder sem golpes, preservando as eleições e
o pluripartidarismo. A prática política do PT aponta mais na direção de se
transformar
em partido similar ao PRI e não em promotor das verdadeiras mudanças sociais no
Brasil. É lamentável que o povo brasileiro tenha que optar nas próximas eleições
entre uma candidata que pode levar o País a uma ditadura partidária prolongada e outro
candidato que significa o aprofundamento da subordinação do Brasil à ditadura neoliberal
globalizada.
Fernando
Alcoforado, 74, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento
estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de
sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora
Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo,
2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de
doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os
Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012), entre outros.
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