Crônica de Jayme Barbosa,
extraída do livro Crônicas Recolhidas
Alguns
acham o Bolero de Ravel cativante;
outros, talvez pela hipnótica repetição da melodia, tedioso. Mas a maioria
reconhece que essa peça, composta, em 1928, por
encomenda de Ida Rubinstein, que a dançou com coreografia de Nijinsky,
teve outro período de glória recente. Nos anos 80, foi encenado no filme
Retratos da vida, de Claude Lelouch, pelo argentino Jorge Donn, que depois
correu mundo no balé de Maurice Béjart, autor da nova coreografia.
Quase
trinta anos depois de compor essa música, contudo, que não é propriamente um
bolero, Maurice Joseph Ravel produziu uma das mais importantes obras: Pavana
para uma infanta defunta.
Essa Pavana é para uma defunta
infanta, bem amada, ungida e santa,
e que foi encerrada num profundo
sepulcro recoberto pelos ramos.
O
nome “pavana”, antiga dança espanhola lenta e grave, Ravel escolheu por ser
originária da região da mãe dele, que era basca. Infanta é denominação, na
península ibérica, de princesa que não herda a coroa, daí chamar-se também de
composição de “Pavana para uma princesa morta”.
de salgueiros silvestres para nunca
ser retirada desse leito estranho
em que repousa ouvindo essa pavana
recomeçada sempre e sem descanso,
Na
segunda metade do século passado, o escritor cubano, Guilhermo Cabrera Infante,
morto em fevereiro de 2005, que se exilou em Londres depois de desentender-se
com Fidel, escreveu: Havana para um
infante defunto, com título obviamente retirado da música de Ravel, da sua
cidade natal e do seu próprio nome. Quando o fez já era escritor consagrado,
ganhador em 1964 do Prêmio Miguel de Cervantes pelo livro Três trist4es tigres.
sem
consolo, através dos desenganos,
dos
reveses e obstáculos da vida,
das
ventanias que se insurgem contra
Meio
século antes de acontecer o livro de Cabrera Infante, o alagoano Jorge de Lima,
um dos maiores poetas deste País, homenageou a defunta princesa com o soneto
aqui usado como contraponto desta curta crônica.
a chama inapagada, a eterna chama
que anima esta defunta ungida
e bem amada para sempre santa.
O
melhor, contudo, é saber que Ravel, ao ser inquirido sobre a identidade da
infanta, respondeu que ela jamais existiu. O tom da frase dita em francês soava
muito agradável ao seu musical ouvido, por isso a adotou como título: Pavane pour une infante défunte.
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