quinta-feira, 16 de outubro de 2014

PAVANA SEM INFANTA NEM DEFUNTA

 Crônica de Jayme Barbosa,
extraída do livro Crônicas Recolhidas

Alguns acham o Bolero de Ravel cativante; outros, talvez pela hipnótica repetição da melodia, tedioso. Mas a maioria reconhece que essa peça, composta, em 1928, por  encomenda de Ida Rubinstein, que a dançou com coreografia de Nijinsky, teve outro período de glória recente. Nos anos 80, foi encenado no filme Retratos da vida, de Claude Lelouch, pelo argentino Jorge Donn, que depois correu mundo no balé de Maurice Béjart, autor da nova coreografia.
Quase trinta anos depois de compor essa música, contudo, que não é propriamente um bolero, Maurice Joseph Ravel produziu uma das mais importantes obras: Pavana para uma infanta defunta.

Essa Pavana é para uma defunta
infanta, bem amada, ungida e santa,
e que foi encerrada num profundo
sepulcro recoberto pelos ramos.


O nome “pavana”, antiga dança espanhola lenta e grave, Ravel escolheu por ser originária da região da mãe dele, que era basca. Infanta é denominação, na península ibérica, de princesa que não herda a coroa, daí chamar-se também de composição de “Pavana para uma princesa morta”.

de salgueiros silvestres para nunca
ser retirada desse leito estranho
em que repousa ouvindo essa pavana
recomeçada sempre e sem descanso,
Na segunda metade do século passado, o escritor cubano, Guilhermo Cabrera Infante, morto em fevereiro de 2005, que se exilou em Londres depois de desentender-se com Fidel, escreveu: Havana para um infante defunto, com título obviamente retirado da música de Ravel, da sua cidade natal e do seu próprio nome. Quando o fez já era escritor consagrado, ganhador em 1964 do Prêmio Miguel de Cervantes pelo livro Três trist4es tigres.

sem consolo, através dos desenganos,
dos reveses e obstáculos da vida,
das ventanias que se insurgem contra

Meio século antes de acontecer o livro de Cabrera Infante, o alagoano Jorge de Lima, um dos maiores poetas deste País, homenageou a defunta princesa com o soneto aqui usado como contraponto desta curta crônica.

a chama inapagada, a eterna chama
que anima esta defunta ungida
e bem amada para sempre santa.

O melhor, contudo, é saber que Ravel, ao ser inquirido sobre a identidade da infanta, respondeu que ela jamais existiu. O tom da frase dita em francês soava muito agradável ao seu musical ouvido, por isso a adotou como título: Pavane pour une infante défunte.

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